Mercado começa a ver risco inflacionário
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Em momento de incerteza, títulos públicos indicam aumento de preços nos próximos anos

Os ruídos em torno da fragilidade fiscal brasileira e a percepção de uma recuperação da atividade econômica mais acelerada fizeram com que o mercado passasse a precificar uma inflação mais forte nos últimos dias.

O fôlego extra visto na inflação projetada pelas NTN-B – a chamada inflação implícita – vem no momento que os investidores veem os títulos indexados ao IPCA como proteção, enquanto os juros futuros têm observado pressões de alta cada vez mais intensas diante dos riscos relacionados às contas públicas.

Dados da Renascença mostram que a inflação medida pela NTN-B para agosto de 2022, por exemplo, está em torno de 3,4%. Um mês atrás, estava abaixo de 3%. Já a NTN-B para maio de 2023 indica, no momento, uma inflação próxima de 3,8%, em um nível bem acima do centro da meta para esse ano (3,25%). O Boletim Focus, do Banco Central, mostra as projeções para o IPCA em 2022 e em 2023 nas metas de 3,5% e 3,25%, respectivamente.

Em prazos mais longos, como a NTN-B para agosto de 2030, o mercado já precifica uma inflação de 4,1%, acima do nível de 3,7% observado um mês atrás, por exemplo, de acordo com os dados da Renascença.

 

Os riscos em torno da situação fiscal explicam boa parte do movimento. “O cenário tem nos preocupado bastante, já que não vemos com clareza um desfecho à frente. Até por isso, estamos bem cautelosos em nossas estratégias. A depender dos desdobramentos e da magnitude de uma possível mudança no regime fiscal, o pior pode estar por vir nos juros de longo prazo”, afirma Michael Kusunoki, gestor de renda fixa da BNP Paribas Asset Management.

Ele revela que a gestora tem preferido posições na curva de juro real em prazos mais curtos, “exatamente pelo risco de inflação mais pressionada”. Além da questão fiscal, Kusunoki alerta, ainda, para alguma pressão na inflação corrente. “Estamos vendo um movimento envolvendo alguns preços administrados e, mais notadamente, a gasolina. Há os riscos que envolvem, ainda, o furacão Laura nos Estados Unidos, além da percepção de retomada mais forte da atividade.”

Para ele, o mercado tem levado em consideração nos preços alguma flexibilização do teto de gastos em 2021. Kusunoki, contudo, acredita que o risco está nesse relaxamento ser muito forte, o que poderia gerar uma brecha para um descumprimento expressivo do mecanismo. “O risco fica ainda mais evidente quanto mais prolongadas forem as despesas aprovadas”, afirma o gestor. Para ele, se os gastos que não existiam antes da pandemia forem estendidos ainda mais, a percepção de risco tende a piorar, já que a relação dívida/PIB ficaria mais comprometida.

O diretor de investimentos da Western Asset no Brasil, Paulo Clini, nota que a alta mais consistente da inflação implícita mais recentemente “está diretamente ligada ao aumento do prêmio de risco em um ambiente de elevadas incertezas fiscais”. Ele afirma que o movimento é o reflexo dos investidores que buscam por alguma proteção, em um ambiente agudo de dúvidas com a trajetória das contas públicas.

Para Clini, a visão do mercado tem sido a de que, se as contas públicas não caminharem na direção correta, pode haver um processo de desancoragem nos preços. “Os números correntes de inflação, principalmente os componentes de serviços, têm sido muito baixos recentemente. O que o mercado faz, agora, é colocar no preço uma situação fiscal desafiadora à frente.”

Também o gestor macro da Occam, Pedro Dreux, avalia que as perspectivas de curto prazo para a inflação têm se mostrado bastante benignas. No entanto, ele alerta que, além das questões fiscais no Brasil, o mercado tem acompanhado discussões em torno do processo inflacionário em economias desenvolvidas. “O IPCA-15 de agosto, apesar de ter vindo muito favorável, já mostra que, em termos qualitativos, os preços de alguns itens começaram a ser normalizados.”

Um possível movimento de reinflação não é um tema exclusivamente brasileiro. Dreux lembra que a inflação de bens tem se mostrado mais forte no mundo desenvolvido, em particular nos EUA.

“Até então, estava bem certo de que a inflação era algo que não iria voltar tão cedo. Apesar de concordarmos, temos um pouco de dúvida neste momento, em que diversas regiões já apresentam um retorno em ‘V’ ”, afirma o gestor. Para ele, se a inflação de bens, que puxava para baixo os preços nos mercados desenvolvidos, ganhar força, “vamos voltar a ter inflação no mundo desenvolvido e isso seria uma novidade”.

Nesse caso, Dreux avalia que o ambiente para mercados emergentes se tornaria ainda mais frágil, com destaque para o Brasil. “Estamos super alavancados. Não podemos nem pensar na possibilidade de elevação do juro global. Para o nosso nível de endividamento, seria algo muito prejudicial. Até por isso estamos bem cautelosos com o tema da inflação global.”

Esse assunto, inclusive, deve ganhar bastante espaço no simpósio anual de Jackson Hole, organizado pela distrital de Kansas City do Federal Reserve (Fed), e que deve ocupar o centro das atenções dos mercados globais hoje. O discurso do presidente do banco central americano, Jerome Powell, é bastante aguardado pelos agentes do mercado e pode revelar uma mudança na estratégia do Fed quanto à meta de inflação.

“Nos últimos anos, Jackson Hole voltou às suas raízes acadêmicas e abandonou o lado de ser um fórum para desbravar os novos caminhos na política monetária. No entanto, em 2019, Powell comentou sobre a abordagem de gerenciamento de risco que moldou a flexibilização preventiva de 2019 e também discutiu os estágios iniciais da revisão da estrutura da política do Fed”, lembram os estrategistas de renda fixa do J.P. Morgan.

Com isso em mente, eles acreditam que o simpósio de Jackson Hole deste ano deve oferecer novas informações sobre a revisão da política do Fed, mais especificamente sobre a meta de inflação, que poderia passar a considerar a inflação média de um período. No momento, o mercado futuro de juros americanos precifica apenas uma elevação de 0,25 ponto na taxa dos Fed funds até o início de 2025. Para o J.P. Morgan, “uma meta de inflação mais flexível provavelmente teria pouco impacto sobre as expectativas para a taxa de juros, mas poderia adicionar um risco marginal de queda das taxas dos Treasuries”.

Dreux, da Occam, avalia que o ambiente externo tem ajudado a ancorar os ativos brasileiros, especialmente o Ibovespa e os juros. Para ele, contudo, se o tom mais acomodatício do Fed não se concretizar hoje, “o mercado global pode ter uma virada, o que não seria nada bom para o Brasil agora”.


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