Especialistas divergem sobre os cálculos do governo para justificar a reforma da Previdência
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Os cálculos e dados apresentados pelo governo federal para justificar a necessidade da reforma da Previdência (PEC 6/2019) foram um dos temas do debate promovido na última quarta-feira (16) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Também foi debatida a chamada PEC Paralela (PEC 133/2019), que inclui estados, municípios e Distrito Federal nas novas regras previdenciárias.

A reunião foi iniciada pela presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), que logo passou a condução dos trabalhos para o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do requerimento para realização da audiência pública interativa.

Insustentável
O secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo José Rolim Guimarães, explicou os modelos de cálculos usados pelo governo para orçar os deficits do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio da Previdência Social (RPPS).

— Nos últimos 10 anos, a despesa previdenciária cresceu, em média, no Regime Geral, 5,2% ao ano — isso em valores reais — em função do envelhecimento da população brasileira. Com um crescimento de despesa nessa magnitude é insustentável manter o modelo atual. Para o gasto continuar no mesmo percentual do PIB precisaríamos crescer 6% ao ano, todos os anos, nos próximos 40 anos, o que é muito pouco provável que aconteça. Nós mostramos o impacto real da reforma, números que são inquestionáveis. O novo sistema reduz a desigualdade da Previdência — afirmou Rolim.

De acordo com o secretário, o deficit do RGPS em 2018 foi de R$ 113 bilhões e, este ano, deve chegar a R$ 125 bilhões. Já o RPPS, segundo o governo, teve deficit no ano passado de R$ 51 bilhões e deve chegar a R$ 60 bilhões em 2019. Além disso, afirmou Rolim, há deficit de R$ 19 bilhões nas pensões militares. O rombo total foi de R$ 265 bilhões em 2018 e pode chegar a R$ 295 bilhões em 2019, segundo Rolim.

O secretário também afirmou que o deficit previdenciário comprime o orçamento público, diminuindo a disponibilidade de recursos para investimentos, para educação, infraestrutura, assistência social e saúde. Em sua análise, a nova Previdência aperfeiçoa a distribuição de renda.

Superavit
Já o professor da Unicamp Henrique Nogueira de Sá Earp e o mestre em História Econômica pela USP André Luiz Passos Santos apresentaram estudo que fizeram sobre os cálculos apresentados pelo governo para justificar a reforma da Previdência. Segundo eles, há erros nos cálculos.

— O Ministério da Economia apresentou dados falsos à sociedade, à imprensa e ao Parlamento. Com isso, ele desvirtuou o debate sobre a reforma da Previdência naquilo que tange ao Regime Geral. Analisando esses dados e refazendo os cálculos, nós demostramos que, no Regime Geral da Previdência Social, o subsídio para a aposentadoria dos trabalhadores mais pobres não aumenta, mas diminui com a reforma — afirmou Henrique Nogueira.

Ele explicou que o estudo foi feito com as planilhas de cálculos oficiais do governo e teria demonstrado que, atualmente, as aposentadorias por tempo de contribuição geram superavit, não deficit, e têm impacto positivo na diminuição da desigualdade.

De acordo com Henrique Nogueira, o governo superestimou o valor das aposentadorias, inventando um deficit da aposentadoria por tempo de contribuição, quando o deficit estaria na aposentadoria por idade. O governo também teria superestimado o valor atual das aposentadorias, ao usar a aposentadoria pelo maior salário em vez de usar a média de 80% dos maiores salários, como determina a regra atual. Isso, segundo o professor, inflou artificialmente o suposto deficit previdenciário.

Outra irregularidade nos cálculos do governo, de acordo com Henrique Nogueira e André Luiz, é que foi subestimado o valor das contribuições feitas no passado e foi ignorada a existência do fator previdenciário, instrumento que reduz o benefício de quem se aposenta mais cedo.

— Nós chegamos a conclusão oposta à do governo. O nosso resultado é o oposto ao que o governo apresenta. Onde o governo aponta deficits há na verdade superavits. Os cálculos estão completamente errados. A previdência do jeito que ela é hoje transfere recursos dos estados mais ricos, onde se concentram os trabalhadores com melhores salários, para os estados mais pobres, que tipicamente se aposenta por idade. Ou seja, essa reforma não vai diminuir, ela vai aumentar a desigualdade — afirmou André Luiz.

Ele acrescentou que, em sua análise, a reforma da Previdência vai prejudicar a população mais pobre, em especial as mulheres de baixa renda. Essas pessoas terão de pagar mais para terem direito à mesma aposentadoria do modelo atual, disse André Luiz. Além disso, afirmou que 21 milhões de domicílios brasileiros têm pelo menos um aposentado. Dessas residências, 13,5 milhões dependem da renda do aposentado.

— Uma mulher pobre que recebe hoje dois salários mínimos vai se aposentar só com um salário mínimo. Como isso distribui renda? Como isso beneficia os trabalhadores mais pobres? Como?  Vamos colocar milhões de trabalhadores na pobreza. É esse o custo de a gente equilibrar esse suposto deficit da Previdência — afirmou André Luiz.

Urgência
Por sua vez, o secretário de Controle Externo da Gestão da Previdência do Tribunal de Contas da União (TCU), Tiago Alves Dutra, afirmou que a PEC 6/2019 resolve apenas em parte os problemas da Previdência. Para ele, a aprovação da PEC 133/2019, com inclusão de estados, DF e municípios na reforma, vai ajudar mais no equilíbrio das contas. Atualmente, segundo ele, 67% dos militares se aposentam antes dos 50 anos, 50% dos trabalhadores do RGPS se aposenta com menos de 60 anos e 49% dos do RPPS federal se aposentam com menos de 60 anos, todas idades muito baixas, de acordo com parâmetros internacionais.

— O sistema previdenciário atual é insustentável e caríssimo. O TCU fala há 15 anos que o sistema é insustentável. A mudança é urgente — afirmou Tiago.

Renúncias fiscais
Em seguida, a diretora de Fiscalização da Secretaria de Macroavaliação Governamental do TCU, Virgínia de Angelis Oliveira de Paula, falou sobre o grande número de renúncias de receitas tributárias feitas pelo governo brasileiro há muitos anos, como a imunidade tributária constitucional para entidades filantrópicas das áreas de educação, saúde e assistência social. Segundo a secretária, essas renúncias chegaram a R$ 62,5 bilhões em 2018.

— A escolha de qual instrumento será utilizado para financiar uma política pública tem que ser sempre pautada por uma avaliação de custo e benefício. A decisão tem que ser precedida da fixação de objetivos daquela política pública que vai ser financiada, da instituição de metas e de indicadores que possibilitem o devido acompanhamento da política. Por envolver renúncia tributária de recursos públicos, toda e qualquer política pública financiada por subsídios deve ser monitorada e revisada periodicamente. Devem ter prazo máximo para poderem ser melhor avaliadas — disse Virgínia.

De acordo com ela, um estudo do TCU de 2013 mostrou que todos os contribuintes arcam com os custos das renúncias que beneficiam grupos específicos. Ela sugeriu fiscalização mais efetiva em relação às entidades educacionais filantrópicas que têm isenção tributária; definição de regras mais rígidas para a criação de novos subsídios; realização de uma ampla revisão dos benefícios existentes, fixando prazos máximos de vigência; ampliação dos mecanismos de transparência e controle social; garantia de possibilidade de auditoria das renúncias fiscais e estabelecimento de limites relativos aos impactos fiscais.

Também participaram da audiência pública os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator de ambas as PECs, Esperidião Amin (PP-RS), Fabiano Contarato (Rede-ES), Cid Gomes (PDT-CE), Jean Paul Prates (PT-RN) e outros.


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