Como as chefias podem aumentar a ‘sintonia’ com as equipes
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Especialistas em RH defendem que ambientes de trabalho que investem na conexão líder-liderado estimulam a produtividade e a retenção de talentos

Na sua empresa, as lideranças têm “sintonia” com as equipes? De acordo com estudos das pesquisadoras americanas Lisa Zigarmi, psicóloga organizacional, e Stella Grizont, especialista em engajamento, essa habilidade de contato das chefias, apesar de poderosa, ainda é considerada rara na alta cúpula.

Para a dupla, que acaba de assinar um artigo sobre o assunto na “Harvard Business Review”, veículo sobre temas ligados à liderança, a conexão verdadeira acontece quando o líder “percebe, escuta e sinaliza para o funcionário: ‘eu vejo e entendo o seu trabalho. Você está seguro aqui.”

Chefias que estão longe de adotar essa abordagem podem “praticá-la” em etapas, como definir uma intenção nas relações e manter curiosidade sobre os outros. “São gestos que, em um mundo cada vez mais caótico, podem fazer a diferença entre o desengajamento e a resiliência dos times”, assinalam.

Zigarmi diz que, ao contrário das demandas tradicionais da liderança – como oferecer conselhos e buscar soluções – a sintonia com os liderados consiste em “estar com as pessoas”, ao invés de apenas “consertar” uma situação momentânea no ambiente de trabalho.

É a arte da presença plena e sem julgamentos, explica a especialista, que atua como coach executiva para empresas da lista Fortune 500. “Líderes que se sintonizam com os colegas não tentam mudar as emoções, eles as reconhecem”, diz. “Pesquisas mostram que o apoio da liderança pode transformar drasticamente a forma como os funcionários atravessam dias estressantes no trabalho”.

Fora do divã

Grizont, por sua vez, lembra que o chefe não precisa agir como um terapeuta por 24 horas. “Mas não pode se dar ao luxo de ignorar os sentimentos dos funcionários”, pondera. “Emoções negativas impactam a produtividade e o desempenho, e a maneira como a liderança reage à frustração ou à sobrecarga dos empregados é mais importante para a operação do que se imagina.”

De acordo com dados da firma de pesquisas Gallup de fevereiro de 2025, 52% dos profissionais nos Estados Unidos sentem muito estresse, 44% estão preocupados, 24% se consideram tristes e 22% relatam sentimentos como raiva.

Quando os times percebem que os líderes se preocupam com o seu bem-estar emocional, ficam mais engajados, afirma Grizont, também autora do livro “The Work Happiness Method – Master the 8 Skills to Career Fulfillment” (“Método de Felicidade no Trabalho – Domine as 8 Habilidades para a Realização Profissional”, do inglês, Ed. Balance, 224 págs). “Na verdade, parecem mais propensos a apoiar a organização e ter um desempenho melhor.”

Na nossa experiência de trabalho com grandes corporações, líderes que conseguem se conectar bem com as equipes se surpreendem com os resultados alcançados e relatam a redução da “reatividade” entre os liderados, avaliam. “A resistência às tarefas dá lugar a possibilidades”, concordam as estudiosas. “E aquele isolamento observado em alguns colegas pode virar um sentimento de pertencimento à empresa.”

Barreiras à vista

Na opinião de Grizont, os gestores que têm dificuldade de estabelecer uma “intimidade profissional” com os subordinados são “bloqueados” por cinco fatores:

– Falta de modelos

“Muitos líderes nunca vivenciaram situações de escuta ou isentas de julgamentos com antigos chefes e, por isso, não sabem como oferecê-las aos outros”, explicam.

– Instinto de resolução

“Gestores são treinados para resolver problemas, não o desconforto dos outros”, assinalam. No entanto, os funcionários podem precisar de auxílio a qualquer momento, garantem.

– Falta de tempo

Alguns dirigentes acreditam que perseguir a sintonia é apenas uma “distração” nos expedientes, avaliam. “Na realidade, a ação facilita o trabalho diário ao dissolver resistências, aumentar a confiança interpessoal e destravar a produtividade.”

– Cansaço

Os gerentes não vão conseguir “baixar a guarda” com os funcionários se estiverem presos em ciclos crônicos de estresse. “Cargas de trabalho implacáveis e históricos de traumas profissionais podem mantê-los em estado de alerta, de fuga ou paralisia, dificultando a capacidade de dar atenção às emoções alheias.”

– Muita comunicação digital

Ferramentas como o Slack, e-mail e mensagens instantâneas podem brecar os avanços de uma aproximação mais orgânica. “A força da presença física do chefe junto ao time é difícil de ser substituída por palavras”, anotam.

Lugar de fala

As pesquisadoras reconhecem que muitos líderes também não sabem “a hora certa” para afinar a sintonia com as equipes.

“Descobrimos que o momento ideal é durante conversas individuais, quando a liderança sente que alguém está emocionalmente sobrecarregado – dominado pela frustração, tristeza, raiva ou ansiedade – ou parece desligado”, relata Zigarmi. “É como se chefe e o subordinado estivessem vivendo em mundos diferentes”, diz. “Este é o momento para o líder marcar presença”.

Durante a conversa, aplique frases como: “estou aqui com você”, “você não está sozinho nisso” ou “diga-me o que está acontecendo”, sugerem. “Liberte-se da pressão de ter respostas imediatas. Sua presença pode ser suficiente.”

  1. Opte pelo “modo” calmo

O nosso estado emocional é contagioso, afirmam. “Se você estiver tenso ou apressado, os funcionários perceberão”, assinalam. “A sintonia exige que o líder seja calmo o suficiente para refletir sobre experiências relatadas pelos subordinados.”

  1. Mantenha a curiosidade

Entre na conversa aberto, sem suposições, orientam. “O trabalho do líder é entender, não impor uma perspectiva”, afirmam. “Pergunte ao liderado: ‘o que está sendo mais difícil para você agora?’.”

  1. “Escute e fale” com o corpo

A sintonia não se resume a ouvir, mas absorver a imagem completa de uma circunstância que precisa de empatia.

“Preste atenção ao tom da voz e à linguagem corporal que você vai transmitir”, orientam. “Quando os funcionários se sentem ouvidos, ficam mais tranqüilos para seguir em frente com a conversa.”

Na visão das especialistas, é indicado que o líder acene com a cabeça ao escutar, mantenha um “contato visual suave” e recorra a frases-chave como “parece que você está se sentindo frustrado… conte-me mais sobre isso”. Também evite interferências como “sei exatamente como você se sente” (quando você não sabe) ou “olhe para o lado positivo”, minimizando algo sério, destacam.

  1. Aposte na reflexão

À medida que as emoções se acalmam, ajude os funcionários a refletirem sobre os próximos passos a tomar. “Isso reforça a capacidade deles de se autorregularem e resolverem mais problemas”, argumentam. “Diga: ‘parece que a sua energia mudou’ ou ‘como se sente agora?’.”

Para concluir a questão em pauta, fale ainda: ‘obrigado por compartilhar isso comigo’ ou ‘é importante para mim saber sobre os seus sentimentos no trabalho’, detalham. “As mudanças de atitude observadas no funcionário logo depois podem valer como um feedback sobre o seu poder de sintonização.”

Postura e empatia

Um dos papéis da liderança é fazer conexões entre os desejos individuais do quadro e as metas da empresa, explica Maria Eduarda Silveira, sócia-fundadora da Bold HRO, consultoria de recrutamento e desenvolvimento organizacional.

“É necessário conhecer as pessoas que trabalham com você, conhecer os fatores motivadores [da função], aonde querem chegar e dar feedbacks”, diz ela, ao Valor. “A sintonia é baseada numa relação de confiança, mas isso não significa ‘virar amigo’ ou criar um ambiente apenas de intimidade pessoal.”

Muitos líderes têm receio quando falamos sobre a necessidade de fixar relações mais próximas no expediente, com medo do liderado confundir a troca com amizade ou não entendê-los quando for preciso ser um pouco mais duro nas ações, relata.

A consultora destaca que é natural ter conversas difíceis para melhorar o desenvolvimento de todos. “Mas, é preciso estar atento para que não se crie uma barreira que impeça uma liderança efetiva, apenas por receio de se conectar”, aconselha. “Dificilmente, sem uma conexão, conseguiremos compreender o outro e executar uma gestão eficaz.”

Trata-se de ser empático e proporcionar um ambiente seguro, continua. “Não adianta pedir ‘confiança’ para o liderado se ele não tem espaço para falar ou se a chefia reage mal ao que é trazido à mesa.”

Silveira diz que a necessidade de investir nas ligações com os funcionários deve escalar com a chegada das novas gerações aos escritórios. “Os jovens exigem dos líderes mais comunicação e feedbacks freqüentes”, avisa. “Querem sentir que estão evoluindo e que o trabalho deles é valorizado.”

Ao mesmo tempo, continua a especialista, a disponibilidade das chefias à uma maior comunicação pode impactar as taxas de retenção nas organizações, acrescenta. “Um dos principais motivos pelos quais as pessoas deixam os empregos é porque não têm um bom relacionamento interpessoal na companhia, principalmente com as lideranças”, afirma. “Como diz uma máxima do mercado, ‘as pessoas não deixam a empresa, deixam seus líderes’.”

Sem formalidades

Na avaliação de Rui Carvalho, diretor de recursos humanos, saúde e segurança da Tereos, multinacional francesa do setor de açúcar e etanol, para que a integração profissional aconteça de maneira fluida e responsável, é preciso que seja cultivada como um compromisso mútuo, com diálogo e complementaridade.

“Um dos fatores que mais travam o líder na construção dessa interação é o excesso de formalidades para as trocas e conversas”, diz. “Como fazer apenas reuniões agendadas ou feedbacks uma vez ao ano.”

Carvalho diz que cada cenário de aproximação exige um tratamento diferente mas, muitas vezes, um café, um almoço ou uma conversa no corredor são capazes de provocar entrosamento. “[São movimentos] que podem resolver um entrave antes que ele vire algo grave, que somente será endereçado meses depois, em uma reunião formal de feedback”, avalia.

Durante o bate-papo, acrescenta ele, saber escolher o “tom” do encontro é crucial. “A conversa deve se concentrar na tarefa, ação e resultado esperado”, ensina. E usar exemplos claros [do que precisa ser feito] e as maneiras de alcançar melhorias, sugere. “O líder precisa conduzir diálogos em que todos ‘saiam’ melhores das reuniões ou, pelo menos, com bons insights e reflexões.”

O executivo alerta que a falta de transparência nas ações cotidianas e o não reconhecimento dos liderados podem fazer com que a chefia perca “o fio condutor” com a equipe. “São atitudes que geram insegurança e descontentamento e deixam os colaboradores desengajados”, diz.

Gestão humanizada

Reynaldo Gama, CEO da HSM, de educação corporativa, e da Singularity Brazil, braço nacional da universidade do Vale do Silício (EUA), lembra que reforçar os laços entre as equipes cria um ambiente mais propício à inovação.

“Um liderado que compartilha da mesma visão do líder não é apenas um executor de tarefas, mas um cocriador”, defende. “Ele se engaja ativamente nas tarefas e contribui para transformar projeções em realidade.”

Gama acredita que o maior obstáculo para solidificar as relações nasce da incoerência entre discurso e prática. “Quando o gestor não lidera pelo exemplo, gera ruído, insegurança e desconexão”, afirma. “E isso se agrava em cenários de pressão. Se a equipe não sente segurança na chefia, as entregas caem e o clima no ambiente de trabalho se desgasta.”

Uma das boas práticas sugeridas pelo executivo, que se reporta ao conselho e ao comitê executivo das empresas que comanda, é compartilhar vulnerabilidades. “É uma atitude que não enfraquece a liderança”, garante. “Pelo contrário, humaniza e ‘encurta distâncias’, gerando conexões reais.”


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