O papel da intuição na tomada de decisões é um tema que vem atraindo uma atenção crescente de psicólogos, economistas e executivos. Os estudos de Danny Kahneman e Amos Tversky são emblemáticos nesse contexto e culminaram com o Prêmio Nobel de Economia para Kahneman em 2002. Uma observação atribuída a Albert Einstein sugere que a “mente intuitiva é um dom sagrado e a mente racional é um servo fiel. Nós criamos uma sociedade que honra o servo e que se esqueceu do valor da dádiva”. No entanto, a visão contemporânea, influenciada pelos trabalhos de Kahneman e Tversky, entre outros, alerta para o perigo de se colocar um valor excessivo em julgamentos baseados em intuição.
A arquitetura cognitiva humana pode ser analisada no contexto de dois modos de raciocínio e de decisão. O Sistema 1 opera de forma espontânea sem envolver cálculos ou uma análise racional elaborada. O Sistema 2, por sua vez, envolve um esforço deliberado de análise. Decisões intuitivas são típicas do Sistema 1 que funciona bem quando reconhece espontaneamente a proposição “O Presidente Bolsonaro é famoso pelo seu tato diplomático” como uma observação irônica. Mas ele pode gerar conclusões equivocadas quando utilizado para a análise de situações complexas.
Uma das características do Sistema 1 é o seu viés de confirmação, qual seja a tendência em aceitar proposições que reafirmem crenças pré-existentes, independentemente da validade das mesmas. A afirmação do Presidente Macron, por exemplo, de que “A floresta tropical da Amazônia – os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta – está sendo incendiada” ilustra esse perigo. Aqueles que acreditam que o meio-ambiente está enfrentando uma crise global tenderão a aceitar a proposição sem engajar o Sistema 2 para o teste da mesma. Embora a metáfora seja popular, cabe observar que pulmões inalam oxigênio ao invés de expirá-lo. Mais relevante, porém, é o fato de que o oxigênio gerado pela fotossíntese da floresta é em grande parte consumido no processo de respiração celular tanto das plantas quanto dos animais na Amazônia, inclusive micróbios que se alimentam de material orgânico em deterioração na floresta. Evidentemente a conservação da Amazônia faz todo o sentido para a preservação da biodiversidade da região, proteção das populações indígenas e para a estabilidade dos ciclos de chuva no continente. Mas não por ela ser uma fonte importante de oxigênio para o mundo.
O perigo de se utilizar a intuição para decisões de negócio também tem gerado muitos estudos. Especialistas frequentemente padecem de confiança excessiva e costumam extrapolar experiências passadas, ignorando os limites do seu conhecimento. Executivos em posições de liderança, por sua vez, tendem a utilizar o Sistema 1 como mecanismo de decisão já que a velocidade nas decisões é frequentemente associada à liderança. É bem verdade que existem situações em que o uso da intuição pode gerar bons resultados. Tais situações tipicamente são caracterizadas por um ambiente estável (em contraste, a análise de sistemas adaptativos complexos como a floresta Amazônica não favorece o uso da intuição); situações em que a pessoa envolvida acumulou experiência no passado (por exemplo, médicos que fazem com frequência um certo tipo de cirurgia); e ambientes que permitem “feedback” imediato. Mas de uma forma geral é importante engajar o Sistema 2 na tomada de decisões de negócio.
Uma estratégia para forçar essa prática consiste em aplicar a técnica do premortem quando decisões significativas para uma empresa estão sendo consideradas. Nesse contexto, antes de se iniciar a implementação de um novo projeto, os executivos envolvidos são convidados a identificar uma lista de razões pelas quais o projeto poderia fracassar. É importante que os participantes escrevam individualmente as suas razões para o fracasso para evitar a influência de outras opiniões, em particular aquelas associadas com a intuição do CEO. Tal técnica ajuda a identificar problemas potenciais de uma forma não-conflitiva, minimizando o perigo da ênfase no sexto sentido.
Existe um outro ambiente em que há uma predominância natural de reações com base no Sistema 1: o “mundo” das redes sociais. A velocidade das comunicações em rede, a viabilidade de participação em grupos tribais independentemente da geografia e a facilidade de se propagar informações falsas e estereótipos baseados em raça, religião e classe social conspiram para exacerbar diferenças ideológicas e preconceitos. Em tal ambiente, as pessoas naturalmente favorecem o Sistema 1 no tratamento cognitivo de informações veiculadas. Por conseguinte, elas tendem a reagir mais emocionalmente e com menos processamento crítico dessas informações.
O stress associado à interação continuada em redes sociais também privilegia reações ancoradas no Sistema 1. Na medida em que as pessoas tendem a procurar e disseminar informações consistentes com as suas crenças, essa preferência realimenta tendências tribais e contribui para que os indivíduos se tornem extremamente críticos de informações contrárias as suas crenças. O eventual embate entre perspectivas diferentes aumenta a “temperatura” em ambientes virtuais promovendo um círculo vicioso que estimula ainda mais o uso do Sistema 1.
Em um mundo em que a credibilidade das fontes de informações está sob ataque contínuo e onde predomina um realismo ingênuo – quem discorda da minha posição ou é mal informado ou mal-intencionado — o uso exagerado da intuição é uma opção arriscada. As redes sociais geram uma dependência similar ao uso de drogas e favorecem a degradação da verdade. Afinal de contas, a verdade é frequentemente mais complexa do que notícias falsas ou slogans de apelo mediático. Einstein provavelmente seria mais cuidadoso no seu elogio à intuição nos dias de hoje.
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