O transporte rodoviário em pauta no Poder Judiciário
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O transporte rodoviário de cargas está cada vez mais em discussão nos Tribunais brasileiros. Atualmente, estão em debate duas questões que vêm demandando especial atenção e apreensão do setor logístico no país: o tráfego de caminhões com excesso de peso em rodovias e o vale-pedágio.

A primeira discute a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário para criar mecanismos adicionais e suplementares para coibir o tráfego com excesso de peso em rodovias federais. Essa discussão tem sido travada em ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) contra empresas que seriam reiteradas infratoras da regra proibitiva de tráfego com excesso de peso. Nessas ações, o MPF busca a imposição de multas e indenizações em valores altos como forma de coibir infrações reiteradas.

A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que recentemente selecionou dois recursos para julgamento que valerá aos demais casos (REsp 1.913.392 e 1.908.497). Em contexto de ampla discussão e merecida atenção do Poder Legislativo, espera-se que prevaleça a percepção de que se trata de opção do legislador, de viés administrativo, sem necessidade ou cabimento de intervenção do Poder Judiciário para criar sanção ou dever indenizatório adicional não previstos em lei.

A segunda, de igual ou talvez até maior importância, tem por objeto a regra de antecipação do vale-pedágio instituída pela Lei nº 10.209/2001. Criada no contexto de busca, pelos transportadores autônomos, de melhores condições para competir frente às médias e grandes transportadoras, tal regra estabelece que as despesas do transportador autônomo com pedágios inerentes ao deslocamento da carga deverão ser antecipadas pelo contratante do serviço de transporte, salvo apenas se o transporte for fracionado entre dois ou mais contratantes.

A Lei do Vale-Pedágio estabelece que o descumprimento à regra de antecipação do pedágio sujeitará o contratante do transporte à multa administrativa e ao pagamento de indenização correspondente ao dobro do frete (não do pedágio, conforme seria intuitivo e de equilíbrio pensar). Justamente por esse desbalanceamento, durante muito tempo se discutiu a legalidade da indenização, cuja base de cálculo atrela-se não ao pedágio, objeto de tutela da lei, mas ao frete. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela legalidade do dever de indenizar. Parece-nos respeitosamente caber e ser justificável temperança na sua quantificação, porque as balizas legais soam excessivas e passíveis de gerar enriquecimento sem causa.

Esse, contudo, não é o único ponto que tem gerado dúvida e calorosos debates na Lei do Pedágio, mesmo após 20 anos de sua edição, sem identificação de uniformidade jurisprudencial como guia de pacificação e estabilidade social.

Por exemplo, como se disse, a regra de antecipação do pedágio foi instituída para criar condições melhores de competitividade entre os players com menores condições de negociação no setor. O foco era dotar os transportadores autônomos de proteção. No entanto, não são isoladas as decisões que entendem que a regra também se aplica às médias e às grandes transportadoras, o que nos parece ser um contrassenso.

Outra questão tormentosa e que, no nosso sentir, por vezes vem sendo interpretada de forma equivocada é a possibilidade de se estabelecer regras de pagamento do vale-pedágio diversas daquela prevista na Lei do Pedágio. Poderia o transportador autônomo aceitar receber o pedágio junto com o frete? A regra difere para médias e grandes transportadoras? Entendemos que não deveria haver óbice à contratação diversa, por se tratar de direito patrimonial disponível, além de princípios da estabilidade das relações jurídicas. A jurisprudência é bem dividida. A nós soa danoso e contrário a princípios de boa-fé que o transportador, sobretudo de maior porte, aceite diretrizes contratuais, receba os pagamentos sem ressalva, conduza seus negócios com essa perspectiva de fluxo de caixa e, depois, venha a questionar o procedimento e a operacionalização.

A Lei do Pedágio também prevê que, no caso de transporte fracionado, o rateio do pedágio será feito por despacho e quitado juntamente com o valor do frete, na forma a ser definida em regulamento. Até hoje não existe regulamento e consenso sobre o rateio do pedágio. E onde paira incerteza, eleva-se a litigiosidade.

Essas incertezas e interpretações diversificadas geram enorme insegurança jurídica e mercadológica. Ao invés de decisões não uniformes do Poder Judiciário, melhor seria que o Parlamento se debruçasse e aprimorasse a Lei do Vale-Pedágio. O desenvolvimento e a previsibilidade conferem uma simbiose que só trará benefícios ao país.


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