Investimento em infraestrutura no Brasil precisa mais que dobrar, aponta estudo
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País investe hoje R$ 133 bi em infraestrutura, mas precisaria elevar quantia a R$ 295 bi para manter e modernizar o setor. Com crise no setor público, recursos devem vir da iniciativa privada.

Para manter e modernizar portos, aeroportos e rodovias, o Brasil precisa de R$ 162 bilhões a mais do que investe atualmente – o que significa mais que dobrar o valor atual.

Neste ano, os investimentos públicos e privados em projetos de infraestrutura devem representar 1,87% do Produto Interno Bruto (ou R$ 133 bilhões). O ideal, no entanto, é que esse percentual subisse a 4,15% do PIB (R$ 295 bilhões), indica um levantamento da consultoria Inter.B.

Os cálculos da consultoria consideram uma estimativa de PIB de R$ 7,12 trilhões em 2019 (em 2018, o PIB ficou em R$ 6,8 trilhões em valores nominais). Segundo a pesquisa, apenas se os aportes superarem o patamar de 4% do PIB durante os próximos 20 anos, o país terá condições de garantir a manutenção e a ampliação da infraestrutura.

“A brecha hoje é de R$ 162 bilhões em valores nominais (sem correção pela inflação). Teríamos que mobilizar isso do setor privado, porque a capacidade do setor público nos próximos anos é muito limitada”, diz o presidente da Inter.B, Claudio Frischtak.

O investimento em infraestrutura é fundamental para que o país consiga acelerar o desenvolvimento econômico. Com melhores serviços em aeroportos e estradas e uma rede de saneamento mais eficiente, por exemplo, o país vai se tornar mais competitivo e, dessa forma, acelerar o crescimento do PIB. As obras também contribuem para movimentar a economia porque geram emprego.

Dependente de grandes obras, o setor de infraestrutura tem sido duramente afetado pela crise fiscal da União, estados e municípios. Sem recursos em caixa, o poder público não consegue realizar novos empreendimentos, nem concluir os que já estão em andamento. No ano passado, a Inter.B mapeou 7,4 mil obras paralisadas apenas no programa “Agora é Avançar”, do governo federal. Se elas fossem concluídas, acrescentariam R$ 115 bilhões à economia do país.

O orçamento do setor público também está pressionado pelo teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Como boa parte dos recursos é consumida por despesas obrigatórias, como salários de servidores e aposentadorias, sobra pouco para investir.

Em 2020, a equipe econômica projeta que o investimento do governo federal deve ser de apenas R$ 19,4 bilhões, abaixo dos R$ 22,8 bilhões esperados para este ano e dos R$ 38,4 bilhões realizados em 2018.

“O setor público não tem nenhuma condição de acompanhar, vamos ficar satisfeitos se ele mantiver o nível nominal (de investimentos). Logo, o setor privado vai ter que ocupar esse espaço”, diz Frischtak.

Do total investido em infraestrutura no país atualmente, mais de dois terços já vêm do setor privado (65%), segundo o levantamento da Inter.B. E a tendência é que essa parcela cresça para algo em torno de 84%, segundo o economista.

A parcela de investimentos públicos inclui aportes do governo federal, das administrações estaduais e municipais e também de empresas estatais.

Furar o teto é solução?

A pequena margem de manobra do governo para realizar investimentos por causa do teto de gastos abriu um debate sobre uma eventual flexibilização da medida para tentar ampliar a capacidade de investimento num quadro em que a economia brasileira dá sinais de fraqueza.

No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro disse que, em dois ou três anos, a alta das despesas vai zerar a capacidade de investimento federal. A mensagem foi interpretada como uma sinalização a uma eventual flexibilização do teto. Um dia depois, Bolsonaro defendeu “preservar” o teto de gastos.

“Nesse debate de curto prazo, tem havido uma série de críticas no sentido de que o governo deveria relaxar a restrição fiscal e gastar mais”, afirma Fabio Giambiagi, chefe do Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “A minha visão é que ainda não chegou o momento de mexer no teto.”

Num artigo recente, Giambiagi defendeu que uma mudança no teto só deveria ocorrer em 2023. Até lá, o país não deve mexer na regra, sobretudo diante do crescente endividamento do país.

Não há consenso entre os economistas sobre afrouxar o controle das despesas federais. “Se for para investimento, em qualquer coisa, por mim [o governo] fura o teto, não tem problema. Não dá para ter milhões de desempregados”, afirma o pesquisador Claudio Considera, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE).

Claudio Frischtak, da Inter.B, se diz “totalmente contra” a flexibilização. Segundo ele, é grande o risco de que a proposta acabe levando a uma extinção total do teto, o que desagradaria o mercado, provocando aumento dos juros e diminuindo ainda mais o espaço para investimentos.

“Tem que se ajustar o piso, reduzir os gastos, principalmente com pessoal e previdenciário, de todos os poderes e de todas as instâncias. O resultado disso é pelo menos manter o nível de investimentos públicos. As reformas são apenas para a gente deixar de empobrecer. Não vamos crescer 5%, esquece”, afirma.

Marco regulatório

A fraqueza da infraestrutura nos últimos anos fica evidente quando se analisa o estoque de capital – ou seja, tudo o que foi investido no setor. Hoje, o indicador está em 36% do PIB, patamar muito aquém do registrado por outros países. Em economias emergentes, como na Índia e China, o nível é de 58% e 76% do PIB, respectivamente.

A meta do governo é elevar o estoque de infraestrutura para 38% do PIB ao fim da atual gestão, em 2022, avançando até 61% do PIB em 2040. “É viável (alcançar esse patamar), mas é preciso despolitizar os projetos de infraestrutura e trabalhar mais a questão da demanda”, diz Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral.

A agenda do país para atrair o setor privado para os projetos de infraestrutura é longa, segundo analistas. Ela envolve avançar nos marcos regulatórios, ou seja, deixar as regras mais claras para os investidores, e fortalecer as agências reguladoras.

“O Brasil precisa começar a entender que não é só demanda que atrai investidor. É uma moeda de dois lados: há a demanda de um lado e o marco regulatório do outro”, afirma Resende.

Hoje, numa escala de zero a 10, o professor diz que a confiança dos investidores internacionais varia entre 4 e 5.

Um dos projetos que deve contribuir para atrair investidores para o setor, segundo os especialistas, é o novo marco do saneamento, aprovado no Senado e em discussão na Câmara. O texto prevê a prestação de serviços por empresas privadas e a abertura de licitações no setor com o fim do direito de preferência das companhias estaduais, por exemplo.

“O setor privado vai ter que ocupar espaço para aumentar o investimento. E aí precisamos de menos ruído, sem maltratar as agências. Porque os investidores entendem isso como aumento do prêmio de risco, de incerteza jurídica”, diz Frischtak, em referência a críticas feitas recentemente por Bolsonaro às reguladoras.


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