Estradas boas, com pedágios caros
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07 de Abril de 2010 – 10h00 horas / Correio Popular
São Paulo tem as melhores rodovias do Brasil, mas rodar por elas custa caro. Apenas no ano passado, a receita com pedágios nas vias paulistas chegou a R$ 4,6 bilhões, de acordo com dados fornecidos pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), autarquia que fiscaliza a atuação das concessionárias. O mesmo órgão informa que, atualmente, existem 117 praças de cobrança instaladas em rodovias estaduais, sendo apenas a da Rodovia Miguel Melhado Campoas, SP-324, no Km 81, em Vinhedo, operada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Ao todo, são 5.312 quilômetros sob a concessão de 18 grupos diferentes, ocupando 22% do total da malha.
Durante a viagem para a produção desta série de reportagens sobre as rodovias paulistas, publicadas desde domingo, as equipes da Agência Anhanguera de Notícias (AAN) e das Gazetas de Ribeirão e Piracicaba passaram por 47 praças de pedágio e desembolsaram R$ 243,90. Durante seis dias foram percorridos 4 mil quilômetros em todo o Estado, partindo de Campinas, Ribeirão Preto e Piracicaba.
Um dos personagens encontrados durante o percurso foi o caminhoneiro Daniel Norio Aoyama, que disse gastar R$ 8 mil por mês em tarifas. “Muitas das estradas são realmente boas, mas o valor cobrado para passar por elas poderia ser menor”, reclama ele.
Os valores, considerados abusivos, geraram um dossiê na Assembleia Legislativa de São Paulo, produzido pela Assessoria de Transportes da bancada do PT na Casa. O documento é intitulado “Concessão Rodoviária no Estado de São Paulo: Pedágio de Primeiro Mundo?”. O deputado estadual Antonio Mentor, líder da bancada petista, faz críticas ao modelo de concessão.
“O objetivo é demonstrar a dubiedade entre as rodovias estaduais administradas pelas concessionárias e as vias mantidas pelo DER e também as federais. O modelo de concessão do Estado impactou as tarifas. Não questionamos a existência dos pedágios, mas os valores cobrados. O governo estadual tem essa sanha de arrecadar cada vez mais e cobra grandes quantias das concessionárias, que, por sua vez, repassam a conta para os usuários das rodovias”, disse Mentor. “Um exemplo dessa diferença é a Rodovia Fernão Dias (BR-381), uma federal que também é concessionada. Ela liga São Paulo a Belo Horizonte, em aproximadamente 600 quilômetros de pista, e o motorista paga cerca de R$ 6,00 de pedágio nesse trajeto todo. Já o usuário que vai de Americana a Sumaré por uma rodovia concessionada pelo Estado, percorrendo apenas dez quilômetros, paga os mesmos R$ 6,00”, afirma.
A reportagem trafegou pela Fernão Dias e constatou que, apesar da concessão, há pontos com falhas no asfalto da pista na região entre Bragança Paulista e Vargem. Ali, existe um pedágio de R$ 1,10. A assessoria da concessionária Auto Pista Fernão Dias afirma que a recuperação do pavimento é um serviço que será desenvolvido continuamente até o quinto ano do contrato de concessão, que termina em agosto de 2012.
Modelo – A Artesp informou, por sua vez, que nas concessões paulistas foi adotado o modelo de tarifa quilométrica, em que cada praça de pedágio realiza a cobrança por um determinado trecho de rodovia colocado à disposição do usuário. “Pela lógica da tarifa quilométrica, quanto mais praças de pedágio uma rodovia tiver, mais justa será a cobrança, pois o custo total de toda a sua extensão estará mais fracionado. Isso permite que o usuário pague valores próximos ao custo do trecho efetivamente utilizado”, disse a autarquia, em resposta oficial, por e-mail.
Questionada sobre a possibilidade de uma revisão na política de reajuste dos pedágios, a Artesp informou que o índice de reajuste foi revisto na segunda etapa do Programa de Concessões Rodoviárias do Estado de São Paulo, com a adoção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Na primeira etapa do programa, era utilizado o Índice Geral de Preços-Mercado (IGPM).
Sem redução – O presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Servilha Duarte, adiantou que não há possibilidade de os valores das tarifas de pedágio serem revistos após a conclusão dos investimentos em infraestrutura que os grupos estão fazendo. “A adequação econômico-financeira definida no contrato resultante do processo licitatório deve ser mantida como inicialmente pactuada”, afirma. Ainda segundo a Artesp, no ano passado, as concessionárias investiram R$ 1,7 bilhão em obras e R$ 1,2 bilhão na operação e manutenção das rodovias.
Os números – 252 municípios paulistas têm suas áreas “cortadas” por rodovias concessionadas em São Paulo; 11,6 bilhões de reais já foram investidos pelas concessionárias em obras nas rodovias paulistas.
Ponto de vista – Por João Ferreira Neto, motorista do Grupo RAC:
Falta sinalização nas vias Como motorista dessa expedição do Correio pelas rodovias paulistas, rodei um total de 2,5 mil quilômetros cobrindo diversos pontos no Sul, Sudoeste e Oeste do Estado. As principais estradas percorridas estão em boas condições, mas algumas da vias de menor porte e vicinais, principalmente as próximas da divisa com o Norte do Paraná, estão péssimas, intransitáveis. Encontramos muitos buracos, alguns enormes, e sofremos com a falta de informações em muitas pistas. Em determinados pontos, você não encontra uma placa de sinalização para orientar a viagem, deixando o motorista sem a mínima orientação sobre o tamanho do percurso. Essas mesmas estradas também não contam com acostamentos para uma eventual parada. O próprio carro do Correio teve uma das calotas quebrada pelo impacto de um buraco encontrado. Muitos dos trevos por onde passamos, como o da região de Ourinhos, por exemplo, também estão precários. Mais uma vez, o problema é a falta de sinalização. Rodamos também em rodovias federais e, em sua maioria, estavam transitáveis, quer dizer, em estado regular. Mas nem assim nos sentimos melhores atendidos. Falta de acostamento e de placas parece ser mesmo um problema constante.
Municípios recebem parte do valor arrecadado – Um dos tributos pagos pelas concessionárias de rodovias paulistas é o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISQN). Desde 2002, parte do valor arrecadado com os pedágios passou a ser destinado aos municípios “cortados” pelas vias sob controle privado. Campinas, por exemplo, servida por pelo menos quatro grandes rodovias concessionadas — Anhanguera e Bandeirantes, da AutoBAn, D. Pedro I, da Rota das Bandeiras, e Santos Dumont, da Colinas —, recolhe uma média mensal de ISS de R$ 1,15 milhão, segundo a assessoria da Secretaria Municipal de Finanças.
Sumaré recebeu da AutoBAn, no último mês de fevereiro, exatos R$ 342.864,53. A Prefeitura de Hortolândia também garante estar recebendo os repasses da mesma concessionária mas, por questões de sigilo fiscal, não informou o valor à reportagem.
A Artesp explica que a distribuição dos valores é feita de maneira proporcional, de acordo com a extensão do trecho que atravessa a cidade. Até janeiro deste ano, foram repassados às prefeituras R$ 1,2 bilhões. As concessionárias têm de enviar à Artesp as cópias das guias de recolhimento do ISQN.
Conservação – A Artesp informa que equipes de fiscalização vistoriam, diariamente, a malha rodoviária concessionada. Constatada alguma ocorrência, a concessionária é acionada para eliminação do problema. (FG/AAN)
Projeto quer transferir responsabilidade – Projeto de lei de autoria do deputado estadual Baleia Rossi, líder do PMDB, transfere parte da responsabilidade pela preservação das vicinais para as concessionárias que administram as rodovias de São Paulo com recursos vindos da cobrança de pedágio. O objetivo é fazer com que todas as vicinais que tenham comunicação direta com rodovias pedagiadas sejam conservadas pelas empresas concessionárias. O projeto está na ordem do dia da casa, pronto para ser votado. “Manter em boas condições a malha rodoviária paulista exige investimentos públicos elevados, nem sempre disponíveis para serem aplicados. O governador José Serra (do PSDB, que deixou o governo na semana passada para concorrer à Presidência da República) tem feito grande esforço para asfaltar ou recapear as estradas vicinais, mas há sempre a preocupação de que, no futuro, por falta de recursos, esta malha viária estadual volte a ficar abandonada”, disse Rossi. (FG/AAN)
Manutenção de vicinais é problema para prefeituras – Associação Paulista de Municípios diz que prioridade são as vias urbanas. Para o presidente da Associação Paulista dos Municípios (APM), Marcos Monte, assumir também a conservação das estradas vicinais é uma tarefa acima das possibilidades dos municípios, por isso, a grande maioria delas carece de manutenção adequada e se encontra em más condições de trafegabilidade. “Os municípios já estão sobrecarregados. Têm que responder por saúde, educação, vias pública, segurança, planejamento urbano, entre outros. Sem ajuda do Estado, não têm como garantir a manutenção de suas estrada. A nossa prioridade são as vias urbanas e estradas rurais”, afirma.
Monte, que é ex-prefeito de São Manoel, diz que, nos últimos anos, muitos municípios foram beneficiados pelo programa de recape das vicinais, feito pelo governo do Estado, e tiveram suas estradas recuperadas. “Mas essa ação tem que ser constante, senão as estradas ficam novamente em condições precárias.”

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