‘Empresas que estão ganhando dinheiro, investindo e bem estruturadas são as que cobram certo’
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Eduardo Rebuzzi assumiu em 2024 a presidência da NTC&Logística, para uma gestão de quatro anos. Em entrevista, falou o que pensa sobre o aumento da adição do biodiesel ao diesel, da reforma tributária e outros temas que a entidade tenta articular junto ao poder público

Conte-nos como foi seu início no transporte rodoviário de cargas e nas entidades de classe do setor?

Meu pai era sócio da Transportadora Coral S.A., que na época era a maior empresa de transporte da América Latina. Passados os anos, houve uma ruptura na sociedade da Coral, e em 1981, com meu pai e irmãos, fundei a Transasa. Em 1986, ingressei na diretoria do Sindicarga (Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio de Janeiro) e assumi a presidência da entidade em 1993. Lá defendi a criação da Federação de Transporte Rodoviário de Cargas do Estado do Rio de Janeiro, a Fetranscarga, que foi criada em 2002.

Fui vice-presidente da NTC&Logística, na gestão de Francisco Pelucio, até ser indicado para presidente da entidade.  Hoje presido, além da NTC&Logística, a Fetranscarga, o Conselho Regional do Estado do Rio de Janeiro do SEST SENAT e a Seção de Cargas da CNT (Confederação Nacional de Transporte). Essas atividades se complementam.

Sempre tive um viés de representação política empresarial. Viver as empresas me despertou esse lado de relacionamento e de defesa das causas do transporte rodoviário de cargas.  Eu não só defendo as causas do transporte, mas como cidadão, participo do Conselho da Cidade no Rio de Janeiro e, como torcedor vascaíno, faço parte do Grande Conselho de Beneméritos do Vasco.

Quais são as principais agendas da entidade para esse novo ciclo?

Se você é prefeito ou governador, é muito difícil que você inicie o seu mandato e consiga entregar numa única gestão coisas grandiosas. O extraordinário leva tempo e são processos que ocorrem ao longo dos anos.

Todas as conquistas realizadas pela NTC começaram lá atrás. O que quero dizer é que valorizo o trabalho de todas as diretorias ao longo destes 60 anos.

Quero, daqui em diante, estruturar muito bem a NTC. Temos as Câmaras Técnicas que precisam ser incentivadas e assim contribuir com o desenvolvimento e a melhoria do setor nos diferentes segmentos. A COMJOVEM é uma comissão especial de formação de novos líderes, quero-os mais integrados à entidade, influenciando com pautas e vendo no que a gente pode melhorar.

Como tem sido a articulação das propostas de interesse do TRC junto ao atual governo? Têm sido bem recebidas ou enfrentado alguns entraves?

Temos uma atuação em São Paulo que é o eixo econômico brasileiro, onde estão as Câmaras Técnicas, mas a nossa sede é em Brasília, onde estamos próximos do poder executivo, legislativo, judiciário, da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), do Ministério dos Transportes e do Ministério de Portos e Aeroportos.

O que é tratado aqui em São Paulo, a gente leva para lá. E, temos como pauta a reforma tributária, a desoneração da folha de pagamento, tem a modulação da Lei nº13.103 que trata do tempo de direção do motorista profissional e a situação da Lei do Seguro, porque tem gente propondo mudanças no que já foi sacramentado.

Tudo aquilo que apresentamos de temas republicanos, corretos, que defendam o setor de forma ética, a gente tem uma boa recepção. Independente se o governo é de centro, direita ou esquerda, tem parlamentares que entendem e procuram colaborar mais. Posso afirmar que mantemos um bom relacionamento com todos.

A Reforma Tributária, no modelo que está sendo proposto pelo governo, atende às necessidades das empresas do setor? O que o senhor considera importante, que deveria ser incluído?

O Brasil tem um sistema complexo de arrecadação, com sobreposição de tributos. Assusta o investidor e as empresas. A reforma tributária é necessária, mas antes dela deveríamos ter tido uma reforma administrativa. Tem segmentos na sociedade que são privilegiados e que têm ganhos absurdos.

Ainda não está 100% claro o que acontecerá, agora entraremos de fato na fase de regulamentação. Veremos como será, mas estamos preocupados, inclusive, porque a própria desoneração da folha, que está com data prevista para encerrar em 2027, estão querendo antecipar.

O que o senhor pensa a respeito de uma possível Reforma Sindical? Na sua opinião, o que poderia mudar?

Com a última reforma trabalhista, se modificou a base sindical das Convenções Coletivas de Trabalho, e isso fez com que os sindicatos profissionais e também empresariais tivessem uma perda de arrecadação muito grande.

Acho que é um assunto que deveria ser mais debatido, pois há um custo para manter as entidades, e essas instituições precisam existir para defender os interesses do setor. Quando você tira a contribuição e continua usufruindo daquilo que a entidade está fazendo para todo mundo, isso vira uma injustiça.

Por isso, uma reforma sindical é fundamental. É justo haver uma contribuição, ou então, que ao menos seja modificado todo sistema de representação para proporcionar a autossuficiência dos sindicatos.

O Prêmio de Sustentabilidade do SETCESP está completando 10 anos. Além do reconhecimento, que outras medidas poderiam servir de incentivo ao transportador para o uso de combustíveis de fontes renováveis?

A premiação do SETCESP é uma bela iniciativa por reconhecer o melhor que as empresas fazem por conta própria. Agora, como você convence uma empresa a mudar sua frota a diesel para elétrica ou o gás? Para a empresa, sozinha, mudar é difícil, essa tem que ser uma decisão em cadeia. Os veículos elétricos ou a gás são muito mais caros. Não posso vender um veículo a diesel e comprar um elétrico e continuar cobrando o mesmo preço pelo frete. Tem que haver mudança estrutural. A sustentabilidade tem que ser pensada de forma macro onde o transporte de cargas faz parte desta cadeia, mas não é o único agente.

Não adianta para o nosso País querer ser exemplo em sustentabilidade e não ter saneamento básico. Parece um pouco de hipocrisia. Lógico que tem que haver uma preocupação em estar no G20 e em obedecer ao Acordo de Paris, mas não pode esquecer que o básico é básico.

Regularmente, a NTC aponta os índices de inflação do setor com as margens de defasagem do frete. Do seu ponto de vista, por que as empresas não conseguem repassar os reajustes e cobrar adequadamente pelo seu serviço de transporte?

As empresas que estão ganhando dinheiro, investindo e bem estruturadas são as que cobram certo. Nosso mercado é altamente competitivo. Agora, com a revalidação ordinária da ANTT constatamos que 30% das empresas sumiram do mapa. O que a NTC faz é dar a orientação, mas cada empresa tem que saber sobre seu custo efetivo. Basicamente, você tem que cobrar pelos seus custos e ter margens para melhorar o seu trabalho. Se não cobrar pelo frete valor, volume, gerenciamento de risco, uma hora a transportadora fecha e gera, de quebra, um monte de passivo.

palestras corporativas

Os índices de roubo de cargas também são acompanhados e divulgados pela Associação, e refletem, ano a ano, um grande prejuízo para toda a sociedade. Como a NTC trabalha para fortalecer o combate ao roubo de cargas?

O combate tem que ser em cima do receptador. Muita gente só associa a venda de produtos roubados com a venda em banca de camelôs, mas não é só isso. Combustível, remédios, insumos industriais como alumínio são roubados e não são vendidos por camelôs.

Quero fazer uma reunião com todos os sindicatos do Brasil que têm assessoria de segurança ativa para discutir operações e legislação. A NTC ajudará cobrando os poderes executivos, legislativos e também com a parte de desenvolvimento e tecnologia. Podemos até trazer fornecedores para discutir como podemos melhorar as condições de segurança no transporte para as empresas.

O que achou do aumento da mistura do biodiesel no diesel, que passou de 12% para 14%? Lembrando que a intenção do governo é de chegar em 15% até 2025.

Nós não somos contra a adição de biodiesel ao diesel. Só que isso tem que ser feito cuidadosamente e com embasamento técnico. Do jeito que está hoje, está prejudicando os motores e prejudicará cada vez mais. A CNT fez um estudo que demonstra claramente que estão ocorrendo panes mecânicas nos veículos de passageiros e de carga por conta do aumento da mistura.

Esse estudo da CNT é técnico e comprova o malefício que vem provocando e isso atinge até os geradores de hospitais. O resultado do estudo aponta que esse aumento, obrigatório, encarece o custo, não diminui a poluição e cria riscos.

Olhando para o futuro, qual recado o senhor gostaria de deixar para o empresário do setor de transporte rodoviário de cargas?

Primeiro, quero que tenham a consciência de que o nosso setor é estratégico. A economia e a sociedade não podem funcionar e viver sem a atuação do transporte rodoviário de cargas. Então, isso tem que ser valorizado sempre.

Outra coisa que temos como desafio é o custo, precisamos saber cobrar para continuar investindo na nossa empresa e valorizar as nossas entidades para apoio e desenvolvimento do setor. Quando for discutir frete com seu cliente, entre com o peito estufado e de cabeça erguida. Não fique achando que você é menor que o seu cliente, porque o seu cliente, sem você, não trabalha.


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