Com os olhos fixos na estrada, sem deixar de consultar o retrovisor
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CAMINHOS PARA 2024

2023 ficou marcado para o transporte rodoviário de cargas como um ano de grandes mudanças. A desconfiança com a nova política de preço dos combustíveis, atrelada às novas disposições sobre a jornada do motorista e os seguros obrigatórios, exigiram grande flexibilidade das empresas para as adaptações.

A pedido do SETCESP, o IPTC (Instituto Paulista do Transporte de Carga) realizou uma pesquisa entre novembro do ano passado e janeiro deste ano, para avaliar o desempenho econômico do setor em 2023 e as expectativas para o próximo ano.

O objetivo é que os resultados da ‘Pesquisa Sondagem Econômica Perspectivas para 2024’, permitam aos executivos e profissionais do segmento, uma série de análise de dados e estimativas, que possam direcioná-los a tomarem as melhores decisões dentro do negócio.

O estudo consolidou as principais informações econômicas e os balanços de resultados de 67 transportadoras, levando em conta as respostas de 35 perguntas objetivas relativas à atividade de transporte, à economia do país, às principais dificuldades enfrentadas e às reivindicações dos empresários.

Com os olhos fixos na estrada, sem deixar de consultar o retrovisor

Apesar de apresentar um lucro ponderado positivo em 2023, as empresas diversificaram seu mercado de atuação, bem como apertaram os cintos e reduziram os custos operacionais drasticamente, para equilibrar as contas e ainda fechar o ano no azul. Veja como isso foi possível

No ano passado, mais da metade das empresas entrevistadas, 66% delas, operaram com lucro. Cerca de 82% apresentaram faturamento positivo, com aumento médio de 12,4%. “As empresas transportaram um volume maior e consequentemente faturaram e lucraram proporcionalmente. Lembrando que lucro é o que sobra após o pagamento das despesas”, apontou a economista e coordenadora de projetos do IPTC, Raquel Serini.

O aumento do volume transportado em 2023, se comparado com o ano anterior, foi de 13,2%. Refletindo diretamente na produtividade da frota, com diminuição da ociosidade, que na apuração anterior era de 20,45% na média geral, e agora está em 16,30%.

Outro dado interessante é que a idade média da frota das empresas respondentes é de 8 anos, o que está abaixo da média nacional do RNTRC (Registro Nacional de Transporte Rodoviário de Carga) para as Empresas de Transportes de Cargas (ETC), que é de 11 anos.

Os veículos das transportadoras que operam no segmento internacional são os com menor idade média, totalizando apenas 3 anos. Por conta do desgaste das transferências de longa distância, esses veículos são renovados com mais frequência pelas empresas.

E se há um volume maior transportado, há também mais contratações.

Um setor de oportunidades

Dos mais de 30 mil postos de trabalho ofertados pelas empresas participantes da pesquisa, 46% deles são de motoristas, que representam em números absolutos 17.801 colaboradores. Dentre as empresas pesquisadas, totalizam 14.952 empregos diretos. Uma média de 223 empregados por empresa.

Para 2024 a projeção é de novas contratações pelo regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) por 39% das empresas respondentes. Já 30% das empresas preferem terceirizar a mão de obra, mas ainda assim, contratando profissionais para o segmento. E infelizmente, 31% das empresas não pretendem ampliar o quadro de funcionários no próximo ano.

A boa notícia é que 91% das empresas tem a intenção de investir em treinamentos e na capacitação de seus colaboradores, reservando uma fatia de 5,32% do seu faturamento para tal oportunidade.

“Se há uma tendência para capacitação da mão de obra de forma mais intensiva, os empresários podem contar com os treinamentos do SETCESP”, lembra Adriano Depentor, presidente da entidade. “Temos como ajudar no desenvolvimento dos colaboradores, porque oferecemos uma grade de cursos muito diversificada nos modelos in company, presencial, ao vivo online e também EAD”, informa.

De acordo com o estudo, “percebe-se uma mudança de estratégia por parte dos administradores, que vão contratar menos colaboradores CLT, em comparação ao ano anterior, mas que vão investir muito mais em capacitação e aperfeiçoamento da mão de obra já instalada nas empresas”.

“Se na parte operacional as empresas estão com a intenção de buscar fora por novos profissionais, — agregados, na parte administrativa da empresa o movimento é inverso: é desenvolver quem já está dentro”, diz Serini destacando as estimativas do relatório.

Analisando os dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o saldo de empregos formais no setor manteve-se positivo em 2023. Sendo, São Paulo, o estado que mais emprega no transporte rodoviário de cargas, com 27.705 contratações, ou seja, são 5.657 novos postos de trabalho quando comparado a 2022. O que representa 69% de todas as vagas disponíveis na região sudeste e 4% das vagas a nível Brasil.

Frota própria x agregada

Uma das perguntas do questionário buscou caracterizar como as empresas pesquisadas preferem atuar em relação à frota de caminhões, se com veículos próprios ou terceirizados. Foram computados 7.349 veículos próprios e 11.564 agregados, confirmando uma tendência de terceirização da frota.

Na comparação com o estudo do ano passado, foi percebida uma queda de 25% na quantidade de veículos próprios. “É bem provável que essa queda se dê em relação à proporcionalidade. Se eu iria aumentar 30 veículos em minha frota, eu aumentei 10 próprios e 20 agregados”, esclarece o presidente do SETCESP.

“Como o levantamento é por amostragem, podemos entender que essa é uma tendência dos pesquisados que optaram por contratar ao invés de comprar frota, talvez pelo custo operacional, talvez pela falta de mão de obra, ou talvez pela opção dos motoristas em serem MEI Caminhoneiros e terem seus próprios caminhões e a oferta desses profissionais serem maiores do que os profissionais CLT”, avalia também Marcelo Rodrigues, vice-presidente do SETCESP. 

Pesou no caixa

A pesquisa constatou que para 78% das empresas os custos operacionais aumentaram considerando a elevação de preços dos principais insumos. Dos centros de custos pesquisados, os que apresentaram uma parcela maior das despesas para a maioria dos entrevistados, foram: consumo de diesel, seguido da folha de pagamento e contratação de agregados e terceiros.

Ainda como se não bastasse, 72% das empresas declararam ter dificuldades de comprar determinados insumos, seja por falta de oferta ou pelos altos valores de mercado.

No ano passado, o grande item em falta foram os pneus, 40% das empresas falaram dessa carência na época, parcela que este ano diminuiu 10%. Já as peças apareceram como o maior quesito de pouca oferta.

Fato confirmado pelo Sindipeças ao apontar que no ano de 2022 houve mais importações do que exportações, fechando o saldo de -11,3%. O que significa dizer que há um déficit entre a produção interna e o consumidor final.

Uma surpresa foi verificar, no estudo, o computador figurando entre os itens de menor oferta, o que para a coordenadora do IPTC se deve à alta da demanda. “Empresas que estão trocando equipamentos, querem comprar em grande quantidade. Lembre-se de que, antes da pandemia, havia valorização da estrutura física, mas com a adesão do home office, as empresas estão se adequando, trocando seus desktops por notebooks”, afirma.

Diesel, um capítulo à parte

No ano de 2023, a Petrobras reajustou os preços do diesel 9 vezes, — sendo 7 reduções e 2 aumentos — resultando em uma redução acumulada de -22,58% nas refinarias.   Esse movimento nos postos de combustíveis não se reflete em curva imediata, mas indica o comportamento futuro.

A análise revela que tal volatilidade foi influenciada por fatores como a reoneração do PIS/COFINS, as oscilações no preço internacional do petróleo, a Guerra na Ucrânia, a Guerra de Israel contra o Hamas e outros fatores, voltados à economia.

Mesmo que, em 2022, tenhamos tido um reajuste a menos — quatro reduções e quatro aumentos — os percentuais aplicados naquele ano foram extremamente altos. Os quatro aumentos juntos resultaram em um percentual de mais de 30% de alta no preço.

Para a economista, a mudança na política da Petrobras deixou os preços mais nivelados com o mercado internacional. “A confiança política traz um pouco a estabilização, então para o mundo o Brasil tem um pouco mais de previsibilidade. Ainda é instável, mas isso porque dependemos de matérias-primas externas”, observa Serini.

 “Os percentuais de aumento refletem a inflação que vivenciamos na cadeia de produção do país, talvez essa sensação de estabilidade no preço dos combustíveis esteja sendo subsidiada por outras fontes e isso reflete na última linha”, contrapõe Rodrigues.

Também para o setor, a expectativa é de que a Reforma Tributária exerça uma influência no preço dos combustíveis. Já que foi proposta a criação de uma taxa única (IVA Dual) em todo o Brasil, que varia conforme o tipo de produto, e os combustíveis em específico, podem sofrer adição de mais de 1% de taxação por ser um produto que pode causar danos à saúde e ao meio ambiente.

A percepção sobre as mudanças em 2023

Um capítulo especial da pesquisa buscou compreender como foram recebidas as mudanças na legislação que compreende a atividade de transporte.

A Lei nº 14.599/2023, conhecida como a Lei dos Seguros, no último ano, devolveu ao setor a autonomia e exclusividade para a contratação dos seguros de responsabilidade civil do transporte rodoviário de cargas, além de estabelecer a criação do seguro de RC-V (Responsabilidade Civil do Veículo).

Entretanto, os seus efeitos seguem dividindo opiniões, 40% dos pesquisados demonstraram que estão satisfeitos com a Lei, 36% declaram estar insatisfeito ou muito insatisfeito e 24% se manifestaram neutros ao cenário.

“Muitos não viram como algo positivo essa gestão ter voltado para as suas mãos. Só estão enxergando os custos e a dificuldade de se negociar os repasses deles”, aponta a economista.

“Infelizmente, ainda há uma grande dúvida do setor sobre o que representa essa lei e sua conquista. Por meio dela, foi possível acabar de vez com as inúmeras ações de regresso que as transportadoras recebiam”, conta Rodrigues. Segundo o vice-presidente do SETCESP, a lei trouxe de volta para o transportador a segurança jurídica perdida ao longo do tempo. “Esperamos que aqueles que não estão contentes interpretem melhor essa questão”, sugere.

Já quanto às alterações trazidas pela ADI 5.322/2023 à Lei do Motorista, 67% das empresas se declararam a favor das mudanças. Mesmo assim, quando questionados sobre quais serão os principais impactos gerados por ela em suas operações, 58% dos entrevistados informaram que haverá diminuição da produtividade.

“A Lei do Motorista foi vendida como uma ideia de apelo social, endossando a qualidade de vida do profissional, pensando em descanso e em regulamentar melhor o trabalho. Mas para as empresas, com certeza essa Lei pesa muito, principalmente se houver resquício de causas trabalhistas”, pontuou a coordenadora de projetos.

Saúde do negócio

A formação do frete é bastante complexa, são vários os fatores de mercado considerados para compensar todos os gastos do transportador e ainda garantir sua rentabilidade.

O mercado de frete rodoviário no Brasil não sofre nenhum tipo de controle governamental, os preços são formados a partir da negociação direta entre a oferta e a procura pelo serviço. E justamente por não sofrer interferências que é preciso conviver com as volatilidades.

Algo alarmante revelado pela pesquisa é que 18% das empresas pesquisadas declaram não ter aplicado nenhum repasse de frete aos seus clientes ano passado. Um total de 28% delas, só conseguiram repassar a inflação, se comparado aos resultados do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado), que foi de 4,62% de janeiro a dezembro de 2023.

Além disso, 7% informaram ter concedido descontos nos contratos já vigentes, o que gera uma preocupação diante da saúde financeira dos negócios. E, apenas 37% das empresas fizeram um repasse de 17% sobre os custos.

“É preocupante, diante de todos os acontecimentos, o número de empresas que declararam não terem feito nenhum tipo de reajuste, ou concederam até descontos aumentar 8%. Isso chama atenção porque revela que a transportadora está deixando de investir e lucrar, o que pode impactar a saúde do negócio”, observa Serini.

Planos para o futuro

Em termos de investimentos, 57% dos pesquisados disseram que pretendem adquirir novos veículos em 2024, reservando em média 5,48% do seu faturamento para tal investimento, 2,6% a menos do que na pesquisa anterior.

Ou seja, além de uma diminuição da quantidade de empresas que decidiram investir, temos também uma redução no valor empregado. A frota das empresas de transporte é instrumento essencial de trabalho, além de ser um item fundamental de avaliação da atividade econômica.

“Uma frota mais nova traz um período de disponibilidade maior na operação e menos emissão de poluentes, isso ajudaria muito o meio ambiente e o País a cumprir suas metas com a redução de CO₂. Para isso, seria interessante que o governo fizesse um Programa de Renovação de Frota”, acredita Depentor. Ele fala que programas de renovação que retiraram de circulação os veículos mais velhos, já tiveram sucesso em vários países como: Chile, Argentina e México.

De maneira geral, o mercado de caminhões encerrou o ano de 2023 com uma produção estável e as exportações em queda, segundo a nota oficial da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), muito ocasionado pela sensível perda de mercado dos produtos brasileiros na Argentina.

A necessidade de renovação no mercado abre um imenso espaço para a tecnologia embarcada, sistemas de rastreamento e de gestão de frotas. As empresas vêm buscando a redução de custos, mas sem deixar de priorizar algumas áreas.

Quase 60% das empresas pesquisadas pretendem investir em tecnologia no ano de 2024, cerca de 3,01% do seu faturamento. Ou seja, 0,36% a mais do que no ano passado.

Em contrapartida, com as mudanças globais, as transportadoras perceberam que a estrutura física dos galpões e terminais não são mais tão essenciais (em grande escala), pouco mais de 30% pretendem investir na modernização dos terminais.

O que esperar de 2024

Menos da metade dos entrevistados acreditam que o frete se manterá estável em 2024, 25% preferem acreditar que o valor do frete irá melhorar e 26% acreditam que irá piorar. Isso demonstra um cenário mais cético por parte dos empresários, frente ao mesmo estudo divulgado no ano passado. Uma vez que, as empresas não têm conseguido fazer com que o frete acompanhe, na mesma velocidade, a escalada de preços do mercado.

Uma parcela de 39% dos empresários tem a percepção de que este ano será dentro do esperado, sem grandes saltos.  Outra fatia, quase que similar (37%) acredita que será pior do esperado e 24% acredita que seja melhor do que o esperado, ou seja, um cenário equilibrado.

O estudo lembra que, após registrar um aumento estimado de 2,2% em 2023, o mercado se prepara para um crescimento econômico menor em 2024, com um PIB projetado para crescer apenas 1,6% levando em conta o enfraquecimento da economia global, os altos custos de empréstimos, a dívida pública elevada e as crescentes tensões geopolíticas.

Para o transporte rodoviário de carga, apesar de se manter como o setor que move o Brasil, vislumbra-se um possível ciclo de retração, o que faz com que as empresas assumam um comportamento mais cauteloso, principalmente no que se refere a investimentos.

“Vamos olhar pelo copo meio cheio”, convida Depentor acrescentando, “se mais de 80% dos entrevistados acham que não teremos uma piora, isso já é uma boa perspectiva”, diz ele, mantendo otimismo.  “Uma coisa que o empresário pode ter certeza é que continuaremos lutando para conseguir uma condição cada vez melhor para a nossa atividade”, garante.

Conforme indica o relatório, 2024 se manterá desafiador para as empresas, propondo ajustes e mais do que nunca a necessidade de fazer a lição de casa.

Estudar e ajustar

Diante dos muitos acontecimentos que envolveram a regulamentação da atividade de transporte no ano passado, o relatório salienta que o primeiro semestre do ano, deve ser um momento para as empresas fazerem a lição de casa. A sugestão é para se planejarem e implementar as medidas que já estão valendo.

“Muita coisa que aconteceu o ano passado, eles continuam assimilando e ajustando em suas operações”, fala Serini dando como exemplo a questão dos seguros: “a maioria estava acostumada a terceirizar essa responsabilidade. Agora é preciso fazer o movimento inverso, talvez por isso, esta decisão não tenha sido tão bem recebida”.

O relatório indica que esse é o momento de ‘preleção’, e estudar para conseguir se adaptar. “As expectativas são muito parecidas com as do ano passado. O tempo é de se adequar para não ter prejuízos futuros”, aconselha a economista.


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