Trabalhador que foi demitido e fez um acordo para receber a rescisão de forma parcelada poderá ficar com as parcelas suspensas e só voltar a receber em janeiro
A Câmara dos Deputados aprovou ontem que os pagamentos de acordos trabalhistas judiciais ou extrajudiciais serão suspensos pelo menos até 31 de dezembro para as empresas que tiveram suas atividades paralisadas total ou parcialmente pelo poder público durante a pandemia da covid-19. A medida valerá para os acordos feitos para quitar ações trabalhistas ou rescisão do contrato de trabalho e também para quem aderiu a planos de demissão voluntária (PDV).
A emenda, da deputada Soraya Santos (PL-RJ), foi incluída na Medida Provisória (MP) 927, que promove mudanças na legislação trabalhista durante o período de calamidade pública decretada por causa da covid-19 (a princípio, até 31 de dezembro). Pela proposta, que agora será analisada pelo Senado, o trabalhador que foi demitido e fez um acordo para receber a rescisão de forma parcelada poderá ficar com as parcelas suspensas e só voltar a receber em janeiro.
O mesmo valerá para um trabalhador que aderiu ao PDV de uma empresa e ainda está recebendo as parcelas de seu pacote de benefícios. Pela emenda, a empresa que teve sua atividade parcial ou totalmente fechada por ordem do poder público (o que, em tempos de pandemia, abrange praticamente todas as atividades econômicas) poderá alegar dificuldades financeiras e suspender os pagamentos.
Só os partidos de oposição foram contrários. “É mais perda para o trabalhador. Está virando uma farra para os patrões nessa pandemia”, disse o deputado Rogério Correia (PT-MG). Em condição de anonimato, advogados trabalhistas que atuam para empresas afirmaram ao Valor que a proposta é “absurda”, “legaliza o calote” e que prejudica os trabalhadores que aceitaram uma redução nos valores para receber e agora terão que enfrentar uma moratória dessas dívidas.
Ao defender a emenda, aprovada por 315 votos a 135, a deputada Soraya afirmou que a proposta apenas fazia um ajuste e que a suspensão já estava em vigor. Advogados, porém, negaram e disseram que alguns juízes acataram pedidos de suspensão diante da gravidade da situação das empresas, mas foram poucos casos. O Valor tentou contato com Soraya, mas não teve retorno até o fechamento desta edição.
A emenda foi apoiada pelo governo Bolsonaro e pela maioria dos partidos, com exceção dos de oposição. O argumento foi aliviar o caixa das empresas durante a crise econômica. “Vamos apoiar porque realmente melhora o fluxo das empresas que tiveram que ser paralisadas nesse período”, defendeu a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
Para o advogado Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara Advogados, as empresas devem tomar cuidado ao utilizar essa permissão, caso seja realmente aprovada, porque mexe com créditos alimentícios e pode ter a constitucionalidade contestada. “Para se precaver disso, a empresa precisa de uma prova bem robusta de que a suspensão foi corretamente aplicada e houve uma situação de grave risco da empregabilidade”, orienta.
A versão original da MP era bem menos polêmica, embora sua votação tenha demorado quase dez horas ao longo do dia de ontem por causa das várias emendas feitas pela oposição – todas elas rejeitadas. A proposta estabelece regras para funcionamento do teletrabalho e antecipação de férias e feriados, por exemplo, em decorrência da pandemia do coronavírus. Como a MP está em vigor desde março, a maioria delas já foi aplicada pelas empresas bem antes da votação pela Câmara ocorrer.
O relator, deputado Celso Maldaner (MDB-SC), tentou ampliar as medidas e, num acordo com o governo, incluir pontos da extinta MP 905, como o trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de convenção coletiva. Mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vetou após pressão da oposição e o emedebista manteve o texto praticamente inalterado.
A MP permite que o teletrabalho (“home office”), a antecipação de feriados, férias individuais e coletivas, uso do banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho por acordo individual com o trabalhador, sem precisar do aval dos sindicatos. Esse ponto foi criticado pela oposição, com o argumento de que o empregado, neste momento, se submeterá a todas as exigências da empresa para não perder o emprego.
A proposta estabelece regras para funcionamento dessas situações enquanto durar a pandemia da covid-19 e também de outras para aliviar o caixa das empresas. O adicional de 1/3 do salário quando das férias, por exemplo, poderá ser pago até o fim do ano e a troca de 1/3 das férias por abono pecuniário (a “venda” das férias) dependerá do aval do empregador.
Também ficou permitido o diferimento (adiamento) dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) entre março e maio – os deputados não modificaram essa parte e, em junho, os pagamentos já voltarão ao normal. Os valores não pagos nos três meses anteriores serão parcelados de julho a dezembro.
A MP ainda perdeu pontos polêmicos, como o que dizia que a covid-19 não poderia ser considerada doença ocupacional e a limitação de atuação dos auditores fiscais do trabalho durante 180 dias. Ambas foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou essas regras inconstitucionais.
O projeto também prevê que as convenções e acordos coletivos de trabalho que vencerem de 22 de março até agosto poderão ser prorrogados por 90 dias a critério do empregador.
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