Cabo de guerra global
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A economia mundial encontra-se neste momento numa encruzilhada entre apenas enfrentar uma desconfortável desaceleração ou descambar para uma temida recessão. Os bancos centrais dos países desenvolvidos têm agido para evitar o pior e estimular o crescimento, mas as ameaças à atividade econômica global mostram-se obstáculos mais difíceis de serem superados só com os instrumentos tradicionais de política monetária.

De um lado, os ventos contrários de uma escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China estão minando a confiança de empresários, afetando o investimento, em particular, no setor manufatureiro. De outro, o aumento da tensão geopolítica após os ataques às instalações de petróleo da Arábia Saudita, com sauditas e americanos acusando o Irã e pressionando o preço do petróleo.

Neste terceiro trimestre, quando a guerra comercial e a tensão geopolítica azedaram o humor dos mercados globais, bancos centrais de 47 países cortaram os juros, desde as economias mais ricas até as nações pequenas e pobres. Apenas em setembro, até o dia 23, autoridades monetárias de 20 países reduziram sua taxa básica.

Em muitos deles, os juros já estão em território negativo, como na zona do euro. Lá, o Banco Central Europeu não apenas reduziu a taxa básica, como também anunciou a retomada de compra de ativos, como títulos emitidos por governos do bloco. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) cortou os juros básicos duas vezes no terceiro trimestre – em julho e em setembro.

Esse socorro monetário tem surtido efeito? Poderão o corte de juros e a compra de ativos pelos bancos centrais compensar os efeitos negativos da guerra comercial e da turbulência geopolítica?

A divulgação na segunda-feira do índice de gerentes de compra (PMI, na sigla em inglês) composto da zona do euro, em particular da Alemanha, em setembro reacendeu os temores de que apenas o estímulo monetário não seja suficiente. O PMI composto é uma pesquisa de sentimento com empresas sobre as condições e as tendências dos setores industrial e de serviços. Em setembro, o PMI composto da zona do euro caiu para 50,4, menor nível desde junho de 2013. O PMI composto da Alemanha recuou para 49,1, menor nível desde outubro de 2012. Mais ainda: leituras abaixo de 50 indicam contração da atividade econômica.

“Estímulo adicional é possível nos Estados Unidos, o que ajudaria na margem, mas conseguirão taxas de juros ainda mais negativas na zona do euro reverter a desaceleração na região?”, indaga o economista-chefe internacional do banco ING, James Knightley. “Acho improvável.”

Para ele, os países da zona do euro precisam ajudar o esforço do BCE e anunciar pacotes fiscais. O governo da Holanda, por exemplo, está prometendo corte de impostos e aumento de gasto público. Mas é na Alemanha onde a pressão por estímulo fiscal é crescente dada a perda de fôlego da maior economia europeia. “Outros países devem provavelmente seguir o exemplo e anunciar medidas fiscais, o que será o maior catalisador para melhorar a perspectiva econômica na zona do euro”, diz Knightley em conversa com esta coluna.

Para os analistas do banco JP Morgan, a economia mundial está num cabo de guerra entre obstáculos geopolíticos, de um lado, e estímulos monetários, de outro. A principal barreira geopolítica ao crescimento global é a guerra comercial, que está produzindo uma forte contração no investimento e na produção industrial mundial.

Nesse cabo de guerra, a disputa comercial e a tensão geopolítica estão se sobrepondo, por enquanto, aos esforços dos bancos centrais de países desenvolvidos para evitar um cenário mais pessimista para a economia mundial.

Na China, a produção industrial cresceu apenas 4,4% em agosto em relação a igual mês de 2018, abaixo da estimativa de analistas, que previam crescimento de 5,2%. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que a expansão do PIB chinês cairá de 6,6% no ano passado para 6,1% neste ano e para 5,7% em 2020. Para o PIB mundial, a OCDE prevê crescimento de 2,9% em 2019, menor ritmo desde a crise financeira mundial de 2008.

Dada a fragilidade da economia mundial, a tarefa de recuperar investimento e consumo já não pode ficar a cargo apenas de bancos centrais. Está na hora dos países ricos abrirem os cofres públicos.


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