Ele acabou ferido por dois tiros, Sousa saiu ileso e a carga, avaliada em 800 000 reais, permaneceu intacta. Prejuízos financeiros, no entanto, são recorrentes no duelo travado no asfalto entre o crime organizado e os 2 140 seguranças envolvidos em mais de 9 000 escoltas mensais na região metropolitana de São Paulo. Apenas no primeiro semestre, o roubo de cargas em avenidas e rodovias representou prejuízo de 110 milhões de reais em mercadorias como produtos eletrônicos, medicamentos e cigarros. Foram 2 914 ocorrências, o equivalente a dezesseis casos por dia. “Oito em cada dez roubos registrados no estado acontecem num raio de 150 quilômetros da capital“, calcula Autair Iuga, diretor da Macor, responsável por 2 100 escoltas mensais pela cidade. As companhias de logística, que centralizam os estoques e distribuem os produtos, são o alvo preferencial das quadrilhas. Em depósitos com metragem equivalente a dez campos de futebol, essas empresas reúnem milhares de produtos de fabricantes diversos: das TVs de LCD, computadores e celulares aos remédios de grandes laboratórios. Para escoar essa produção às redes varejistas, as carretas seguem pelas marginais e Avenida dos Bandeirantes e por rodovias como Dutra e Anhanguera. “Mais de 100 milhões de reais em cargas passam diariamente pela Bandeirantes“, diz José Augusto Freire, do Grupo CTS, contratado para fornecer escolta aos produtos de 27 multinacionais.
O êxito de um ataque geralmente depende da colaboração de um informante dentro da rede de distribuição. “Tentaram roubar no mês passado quatro carretas com produtos de um mesmo fabricante“, conta Freire. Como não há logomarca nem identificação do produto no veículo, tudo indica que alguém dentro da fábrica repassou os itinerários. “Um informante costuma receber 6 000 reais por uma carga avaliada em 100 000 reais“, afirma Evandro Pamplona Vaz, diretor da GV, consultoria em gerenciamento de risco. Diante da ameaça dos roubos, as seguradoras passaram a incluir nas apólices a obrigatoriedade de escolta armada para cargas mais valiosas – um fabricante de eletroeletrônicos que transporta o equivalente a 300 milhões de reais por mês, por exemplo, gasta 400 000 reais com seguro. Para atenderem às exigências, os fabricantes precisam apresentar planos detalhados para a defesa de seu patrimônio. Alguns procedimentos seguem padrões determinados. Em uma tentativa de roubo, a função do vigilante é acionar o chamado botão de pânico, alarme silencioso instalado na viatura e conectado à central da gerenciadora de risco. Quando o sinal surge na tela do operador, imediatamente um comando via satélite bloqueia a porta de acesso à carga, trava o reboque e interrompe o funcionamento do veículo.
Para vencerem o sistema, os salteadores das rodovias ameaçam as escoltas com armamento pesado, quase sempre fuzis, e usam no mínimo três carros durante a abordagem. A comitiva clandestina inclui ainda um caminhão para transferência da carga antes que a ação seja detectada. Nas áreas urbanas, o planejamento é menor. Boa parte dos roubos ocorre em bairros afastados durante a entrega de redes varejistas. No ano passado, quando escoltavam uma entrega numa favela no Jaraguá, o segurança Flávio Monteiro mais três colegas armados foram cercados por traficantes. Diante do impasse, Monteiro começou a negociar com os marginais. “Eles ficaram o tempo todo apontando as armas para mim. Precisa ter jogo de cintura nessa hora“, diz o vigilante, que, ao menos naquele dia, depois de muita conversa, conseguiu concluir seu trabalho.
No rastro das cargas
2 914 roubos de carga ocorreram em avenidas e rodovias da região metropolitana no primeiro semestre
110 milhões de reais em mercadorias foram roubados no mesmo período
73 empresas de segurança fornecem serviços de escolta na cidade
275 reais é o preço médio que elas cobram por uma escolta de três horas (com dois seguranças em um carro)
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