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12 de Maio de 2014 – 01h13 horas / A Tribuna

O Porto de Santos e os demais complexos marítimos do Brasil estão pelo menos 20 anos atrasados em seus esforços para enfrentar um problema que ameaça o setor portuário mundial, o aumento do nível do mar.


Dados disponíveis desde 1940 mostram esse crescimento, que deve se intensificar nas próximas décadas. O alerta é do professor de Engenharia Costeira e Portuária Paolo Alfredini, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e do curso de Engenharia Portuária da Universidade Católica de Santos (UniSantos).


Os impactos dessa variação marítima são alguns dos temas abordados em seu novo livro, Engenharia Portuária, escrito em parceria com sua esposa, a bióloga e professora da Escola Politécnica Emilia Arasaki. A obra, voltada a estudantes, pesquisadores e interessados no setor, terá seu lançamento nacional na próxima quarta-feira. às 18 horas, na Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos.


Com exclusividade para A Tribuna, Alfredini comentou sobre os reflexos da elevação da maré em Santos, os desafios da dragagem, outro tema tratado no livro, e o que falta para a Cidade se tornar um centro de inteligência portuária. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

– Em seu novo livro, Engenharia Portuária, o senhor aborda temas como os impactos do aumento do nível do mar nos portos brasileiros e da maior frequência de ventos e ondas extremas nesses complexos. O que são essas ondas e ventos extremos? O quão grave são?

Na escala Beaufort, usada para caracterizar o estado do mar, temos 13 categorias, que vão de Força 0 (calmaria) a Força 12 (furacão). Para efeitos náuticos, em canais de acesso portuários, ondas acima de três metros de altura e ventos acima de 60 km/h são considerados muito fortes, de Força 8 para mais, ou seja, extremos. O crescimento da estatística destes eventos, o que já verificamos em trabalhos de pesquisa na costa de São Paulo e do Espírito Santo, aumenta as situações de interrupção (das operações portuárias) por motivos de segurança da navegação, pelo menos para os portos situados do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo (entre eles, Santos). Outro reflexo direto ocorre quanto à manutenção das estruturas de defesa dos portos, como molhes, quebra-mares e espigões, a qual terá seus custos aumentados devido ao recrudescimento das ações ambientais. Além disso, eventos extremos como estes produzem a sobrelevação meteorológica dos níveis de maré (ressaca). Isso, por si só, já tem uma tendência de elevação na maioria dos portos brasileiros, o que irá produzir um aumento no transporte de areias para assorear os canais das barras, com consequentes maiores custos para a dragagem de manutenção.

– Em relação ao Porto de Santos, o principal do País, quais são os impactos?

Os impactos, além dos já descritos, estendem-se às áreas de atracação, com a redução da borda-livre dos cais com que foram projetados. A borda-livre é o desnível entre a cota do cais e a cota da maré de projeto e existe para garantir que o cais não esteja sujeito a ser atingido pela água. Outro impacto é o efeito químico da água do mar sobre as estruturas aumentar. Já existe percepção de todos estes impactos.

-Fenômenos como a redução da faixa de areia na região da Ponta da Praia e o assoreamento dos canais, em Santos, e da Praia do Góes, em Guarujá, estão relacionados a esse processo?


Em parte sim.


– Quão urgente é esse problema? Quando se deve começar a preparar os portos para esse cenário?


Se levarmos em conta que, desde a década de 1980, começaram a ficar prontas as primeiras obras de defesas portuárias contra eventos extremos no Reino Unido e na Holanda, enquanto em vários outros países, como na Itália, os estudos das obras já se iniciaram na década de 1970, teremos a medida desta urgência no País. Os portos já deveriam ter iniciado estudos para enfrentar este cenário há pelo menos duas décadas. Não são respostas simples quanto à criticidade, mesmo porque as tendências climáticas estão em evolução. Por exemplo, a autoridade holandesa encarregada das defesas contra a ação do mar realizou o grandioso Delta Plan entre 1957 e 2010, o maior conjunto de obras de defesa do gênero no mundo, incluindo as colossais comportas no principal canal de acesso ao Porto de Roterdã. No entanto até 2017, estará reforçando estas defesas em função de pesquisas mais atualizadas quanto à evolução do clima, bem como já estuda os planos de defesa segundo projeções climáticas para 2100. Podemos afirmar que, não existindo nenhum planejamento até hoje, o atraso é certamente crítico no Brasil.

– Como o Porto de Santos pode se preparar para esse cenário?

Acompanhando as experiências internacionais no setor, conforme mencionado.


– As autoridades brasileiras, especificamente as portuárias, têm feito algo sobre isso?


Minimamente.


– E as universidades do País têm estudado esses cenários?


Minimamente.


– No livro, o senhor cita que esses problemas podem criar oportunidades para a navegação e a atividade portuária. Quais são elas?


Exatamente quanto aos desafios à Engenharia nacional de adaptar estas estruturas do setor aquaviário para enfrentar os desafios desses novos cenários ambientais.

– O que tem sido feito, pelo poder público e pela iniciativa privada, para aproveitar essas oportunidades?

Muito pouco.


-No livro Engenharia Portuária, o senhor também aborda obras de dragagem. Qual sua análise sobre a política de dragagem em Santos e nos demais portos brasileiros? O que falta para o País não ter mais problemas nessa área?


Esta resposta é bastante simples se atentarmos que os serviços de dragagem são feitos em quase todos os portos, sejam eles organizados (portos públicos) ou TUPs (Terminais de Uso Privativo). Nos TUPs, de forma geral, têm resultado bastante satisfatório, podendo-se citar como exemplo os vários terminais portuários da Vale. Este é um problema sistêmico das administrações públicas brasileiras em todos os setores, não é somente apanágio dos portos, como tomamos ciência a cada dia pelo noticiário. Quando se resolver profissionalizar e valorizar os técnicos especializados de carreira de cada setor, ao invés de improvisar corpos diretivos por matizes outros, a atividade de dragagem também nos portos organizados vai se tornar mais eficiente.


-O Governo Federal tem planos de aprofundar o canal de navegação do Porto até 17 metros. Entretanto, o próprio projeto de chegar a 15 metros tem encontrado várias dificuldades, inclusive físicas. Diante disso, chegar a 17 metros é economicamente viável?


À medida que aumenta a cota de aprofundamento do canal de navegação de um porto, o volume de dragagem de manutenção aumenta exponencialmente, e com ele os custos envolvidos. Por outro lado, atrelado ao aprofundamento, devem ser adaptadas todas as fundações das antigas estruturas de cais de atracação servidas por este canal. Outra implicação é quanto à interferência cada vez maior que as dragas terão na navegação pelo canal. Outra questão é a de que, à medida que se aprofunda a cota a ser homologada, maiores áreas de pedras ou pedrais devem ser derrocados, a um custo muito maior do que a dragagem simples. Não tenho elementos para uma avaliação econômica, mas conceitualmente, pelo que mencionei, será improvável que se possa manter com eficácia uma cota de 17 metros. A cota atual deverá ter sua estabilidade observada por vários anos, de modo a se ter uma consistente variabilidade climática e hidrológica, para se poder pensar em novo aprofundamento.


-Seu livro analisa aspectos atuais do setor portuário nacional, mas também é uma obra técnica, voltada a pesquisadores do setor e estudantes de Engenharia. Como surgiu o projeto de lançar o Engenharia Portuária?


Desde 2004, a Editora Edgard Blucher bem compreendeu a importância deste nicho da Engenharia no Brasil. E, contando com o apoio da Vale, viabilizaram-se duas edições do livro Obras e Gestão de Portos e Costas, que já vendeu mais de 5 mil exemplares, sendo adotado nas principais escolas de Engenharia do País e bem aceito pela comunidade de empresas projetistas ligadas ao setor. Em 2012, tendo em vista a boa demanda pela temática, comprovada em mais de sete anos de venda, ao invés de simplesmente uma nova edição, decidiu-se lançar um novo livro, aprofundando as temáticas, o que levou para as atuais 1307 páginas, e que contou novamente com o apoio da Vale e, agora, da Construtora Andrade Gutierrez.


-Por que a produção bibliográfica voltada ao setor portuário é tão baixa no Brasil? É reflexo de uma tímida produção científica ou não há público? Hoje, há um maior interesse pelo conhecimento portuário? Ou, aproveitando o título de seu livro, pela Engenharia Portuária?


Creio que o planejamento governamental – ao priorizar o modelo da matriz de transportes que se implantou no Brasil a partir de meados da década de 1950, levando ao declínio do transporte aquaviário de cabotagem e hidroviário interior, em favor do rodoviário e da indústria automobilística – enfraqueceu sobremaneira a importância e a visibilidade do setor como carreira profissional. Este panorama necessitará de algumas décadas para retornar a uma adequada valorização do setor aquaviário, pois demandará continuidade de diretriz neste sentido.


-Qual sua análise sobre a pesquisa no Brasil voltada ao setor portuário?


Analisando especificamente as temáticas das obras portuárias e aquaviárias, posso afiançar que ainda há um longo caminho a percorrer para que estes temas sejam justamente valorizados. Baste mencionar que vários cursos de Engenharia Civil ministram esta temática como optativa, enquanto vários ministram um curso em que o tema portos é ministrado juntamente com aeroportos. Além disso, nos cursos em que a temática é abordada, o número de aulas disponíveis é ínfimo para a amplidão do tema. Isso mostra como a cultura acadêmica da Engenharia se cristalizou no último meio século.


-Como mudar esse cenário?


A mudança inexoravelmente ocorrerá, seja pelo imperativo quanto à eficiência logística do transporte aquaviário num país de dimensões continentais, seja por suas inequívocas vantagens ambientais. Estas forçantes econômicas num cenário futuro serão impositivas se quisermos deixar para trás definitivamente o berço esplêndido para o futuro que espelha nossa grandeza.


-Há alguns anos, Santos, através de suas universidades, tem buscado desenvolver projetos de pesquisa voltados ao Porto. A UniSantos e o campus local da Unifesp oferecem os cursos de Engenharia Portuária e Engenharia Ambiental Portuária, respectivamente. A Unisanta tem um núcleo de pesquisa associado com universidades da Europa. A Fatec e o Senai contam com projetos portuários. Há ainda o Instituto Oceanográfico da USP, que terá uma base no cais, e o plano de criação do Laboratório de Logística e Mobilidade Urbana, do Parque Tecnológico. Diante dessas iniciativas, Santos tem condições de ser um centro de inteligência portuária?


Da mesma forma que as renomadas universidades de Delft (Países Baixos), Ghent e Antuérpia (ambas na Bélgica), que se situam próximas ou em importantes áreas portuárias, Santos tem este pressuposto. A vivência com a proximidade do porto é fundamental para atrair e motivar os jovens a se dedicarem aos estudos de aprimoramento da atividade no País. O que falta está exatamente no que você acaba de mencionar. Há uma dispersão de iniciativas, sem uma coordenação única. Num país com as nossas carências, enquanto não aprendermos a unir esforços com o que se tem de melhor, sem restrições políticas ou de interesses mercadológicos, não progrediremos.


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