Brasil sobe posições entre grandes empresas que publicam relatórios de sustentabilidade, aponta KPMG
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Empresas brasileiras avançam na divulgação de práticas de sustentabilidade, mas a qualidade das informações abertas ao público é um desafio que ainda precisa ser enfrentado. Foi essa a conclusão de um recorte do estudo Rumo à Obrigatoriedade dos Relatórios de Sustentabilidade, publicado pela auditoria e consultoria internacional KPMG há 20 anos, bianualmente. O material traz um ranking de países cujas maiores empresas publicam relatórios de sustentabilidade, que contém suas práticas ESG (sigla em inglês relacionada a temas ambientais, sociais e de governança corporativa). São avaliadas as 100 maiores companhias de cada um dos 58 países que compõem o escopo do estudo.

O mais recente, divulgado em meados de fevereiro com dados de 2024, mostra que o Brasil saltou oito posições, do 27º para o 19º lugar, entre os mais transparentes em informações ESG. A pesquisa mais recente mostrou um aumento importante na adesão das empresas brasileiras à publicação desses relatórios, com 93% das companhias locais compartilhando suas práticas e resultados, uma alta de 7 pontos percentuais em relação ao ranking divulgado em 2023, com dados de 2022, quando o índice era de 86%.

É, ao lado do Chile (96%), um dos principais destaques da América Latina. Esse avanço coloca ainda o Brasil à frente de países como Nova Zelândia (92%), Portugal (91%), Paquistão (90%) e Suíça (90%), além de empatar com Noruega e Itália, que também alcançaram a marca de 93%.

A liderança do ranking foi dominada por países como Tailândia, Singapura e Estados Unidos, todos com 100% de empresas reportando suas práticas de sustentabilidade.No final da lista está a Venezuela, com apenas 10% de suas empresas divulgando relatórios.

Para Nelmara Arbex, sócia-líder de ESG para a KPMG nas Américas, os dados refletem uma crescente conscientização das empresas brasileiras sobre a importância da transparência nas práticas ESG. Ela reitera que os relatórios de sustentabilidade são boas ferramentas para mostrar o que as empresas e líderes estão fazendo, mas ressalva que o documento é apenas consequência de um trabalho interno das companhias.

“É preciso que esses relatórios sejam apoiados por sistemas de gestão e governança robustos para garantir que as informações divulgadas realmente reflitam a realidade das empresas”, pontua. Só assim, diz, conseguirão lidar com os riscos e oportunidades que surgem neste novo cenário global.

Na América Latina, o Brasil e o Chile se destacam, com mais de 90% das empresas fornecendo dados de sustentabilidade. No Brasil, esse desempenho reflete novas diretrizes e regulamentações, além de alinhamento do país com padrões globais, como a Iniciativa Global de Relatórios (Global Reporting Initiative – GRI) e o Conselho de Normas de Contabilidade de Sustentabilidade (Sustainability Accounting Standards Board – SASB).

Muitas empresas estão se antecipando às regulamentações sobre sustentabilidade, buscando maior transparência para atender às demandas de investidores e stakeholders. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo, passará a exigir a partir de 2026 das empresas de capital aberto informações ESG seguindo as normas IFRS S1 e S2 do International Sustainability Standards Board (ISSB). Elas precisarão ser divulgadas junto com as demonstrações contábeis e financeiras.

Materialidade

Um dos resultados identificados é a ampla disseminação do uso da matriz de materialidade para identificar os impactos sociais, ambientais e econômicos mais relevantes para os negócios. Cerca de 92% dos relatórios das empresas brasileiras incluem a análise de materialidade. Globalmente, a média é um pouco menor, de 80%, considerando tanto o grupo das 250 maiores empresas do mundo quanto das 100 maiores empresas de cada país analisado. Na América Latina, a média das 100 maiores é 82%.

No mundo, a adoção da “dupla materialidade” – conceito que avalia tanto os impactos da empresa sobre a sociedade e o meio ambiente quanto o efeito desses fatores nos resultados financeiros – é uma das tendências mais fortes. Na América Latina, apenas 44% utilizam dupla materialidade.

Outro dado importante é que 75% das empresas estão buscando assegurar a veracidade das informações ESG por meio de auditorias externas (processo chamado de asseguração). Isso representa um crescimento de 9 pontos percentuais em relação à edição anterior, um sinal positivo de que a transparência e a confiança nas informações estão se tornando prioridades para o setor empresarial brasileiro.

“O Brasil vem melhorando em muitos pontos em nível de transparência e qualidade de dados, como, por exemplo, boa parte dos relatórios serem auditados, pelo menos nos temas relevantes”, comenta Arbex. “Mesmo assim, há desafios”, pontua.

Além disso, de acordo com a KPMG, 76% das empresas reconhecem a perda de biodiversidade como um risco (na edição anterior eram 68%) e 89% já estabeleceram metas para reduzir suas emissões de carbono.

Um dos desafios diz respeito à análise de impacto climático sobre os negócios. A pesquisa de 2024 revelou que menos empresas se aprofundaram neste tema em relação ao ano anterior. O levantamento apontou uma queda de 23 pontos percentuais na divulgação de informações sobre mudanças climáticas, um dos temas mais urgentes no cenário global, passando de 75% das empresas avaliadas em 2023 para 52% agora.

Apesar de o grupo de empresas avaliadas ser mutável, uma vez que são escolhidas as maiores daquele ano-base, a expectativa era que fosse um tópico mais disseminado entre as organizações em geral, dado os eventos climáticos extremos recentes e os relatos dos prejuízos para as empresas.

“Embora muitas empresas mencionam o impacto climático, poucas se aprofundam de forma adequada. Elas perceberam que o tema exige mais reflexão e ferramentas apropriadas, o que pode ter levado essas empresas a uma abordagem mais cautelosa”, explica Nelmara.

Para Nelmara, a COP30, que acontecerá no Brasil em novembro deste ano, será um momento importante para o país apresentar seus avanços em sustentabilidade. “Os dados sobre as empresas brasileiras são essenciais para mostrar, não apenas como o Brasil lida com as emissões de gases de efeito estufa, mas também como se posiciona em relação à economia de baixo carbono”, comenta.

Cita que, no Brasil, as empresas estão cada vez mais conscientes da necessidade de integrar práticas sustentáveis em suas operações, destacando o avanço em áreas como combustíveis mais limpos, como etanol e biodiesel, mas alerta para o papel crucial do agronegócio, um dos maiores emissores de carbono no país. “O agronegócio precisa se preocupar com sua relação com os recursos naturais e com a biodiversidade. O compromisso com a regeneração de ecossistemas deveria ser um foco central”, afirma Nelmara.

Além disso, ela enfatiza a importância das grandes empresas ajudarem sua rede de parceiros e fornecedores a adotar práticas mais sustentáveis. “As grandes empresas possuem uma enorme influência no mercado e, por isso, têm a capacidade de pressionar e apoiar sua cadeia de valor a adotar ações mais sustentáveis”, diz Nelmara. A opção por avaliar as maiores é, inclusive, pautada nesta premissa.

Relatórios, em geral, melhores

Outra pesquisa divulgada recentemente fez um detalhamento do conteúdo dos relatórios de sustentabilidade apresentados por empresas brasileiras em 2024. Chamado de “Reporting Matters Brasil”, o material está na segunda edição e foi desenvolvido pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), com o apoio do Grupo Report e a idealização da Radley Yeldar e do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). Ao todo, foram avaliados 74 relatórios de sustentabilidade.

Entre os principais resultados, está o de que, dos 16 critérios avaliados, 15 tiveram aumento de pontuação, com destaque para “estratégia”, cuja nota passou de 6,9 em 2023 para 8,3 em 2024; “materialidade”, que subiu de 5,8 para 7,2 no período; “equilíbrio”, saltando de 6,1 para 7,1; e “metas”, que alcançou 7,4 ante 5,6 no ano anterior.

Segundo Estevam Pereira, sócio do Grupo Report, destacou no documento, chama a atenção a melhora da qualidade geral dos documentos. “Os relatórios corporativos produzidos no Brasil estão mais abrangentes, equilibrados e consistentes.” As novas legislações, citadas também pela KPMG, são, na opinião do executivo, uma das principais fontes de pressão para esta evolução.

O CEBDS também reitera a importância de o relatório de sustentabilidade ser uma ferramenta de prestação de contas e mensuração das práticas e impactos socioambientais. ‘Eles permitem apresentar, de maneira organizada, as iniciativas realizadas, os resultados obtidos e os obstáculos enfrentados, fortalecendo a confiança e a credibilidade empresarial.

Dentre os 25 temas materiais mais frequentemente abordados nos documentos, compliance é o primeiro, estando presente em 78% dos relatórios como tema material. Mudanças climáticas e estratégia climática vem em seguida, constando em 73% das matrizes de materialidade das organizações brasileiras. Saúde, bem-estar, segurança do trabalho e condições de trabalho é o terceiro, presente em 70%.

Por outro lado, os itens menos citados como materiais, com 12% de presença em ambos são: emprego e salário digno, remuneração e práticas, relações e direitos trabalhistas; e desmatamento, conservação do solo, boas práticas agrícolas, manejo florestal, agricultura sustentável e práticas regenerativas. Práticas de direitos humanos e cibersegurança, privacidade e proteção de dados ficam em terceiro entre os tópicos menos materiais para as empresas.

Ainda segundo a pesquisa do CEBDS e Report, dos 74 relatórios avaliados, 40 consideram dupla materialidade, 26 apenas impactos internos ou externos, e oito não declaram os processos. A maioria (54%), usa entre seis e dez temas materiais. Apenas 14%, porém, colocam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, como prioritários e só 12% definiram metas claras ligadas aos ODS. No documento são avaliados alguns estudos de casos.

As publicações alertam, porém, que é fundamental que as empresas não apenas publiquem relatórios, mas garantam que as informações divulgadas sejam de qualidade e reflitam o real impacto de suas ações no meio ambiente e na sociedade.


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