
A colunista Vicky Bloch escreve sobre a importância de ter líderes que coloquem verdadeiramente as pessoas no centro de sua missão
Há décadas escuto o mesmo discurso no mercado, de que existe uma falta de profissionais talentosos que se encaixem aos perfis desejados. Em resposta a esse questionamento, repito exatamente o que escrevi em um artigo há quase 20 anos: sinceramente, é muito difícil acreditar que, com todos os recursos disponíveis (e hoje há muito mais recursos do que no passado), as pessoas estejam perdendo a capacidade de responder a desafios. O mais provável é que os gestores estejam desencantando suas equipes.
O talento nada mais é do que uma obra esculpida. Um indivíduo pode reunir inteligência, formação e competência, mas só floresce quando encontra um ambiente que o valorize, que seja capaz de transformar potencial em energia criadora e comprometida.
Nesses casos, o brilho nos olhos faz com que ele não apenas permaneça, mas se comprometa de verdade com a causa da organização. E é esse brilho que sustenta a motivação diária, que permite ao profissional ultrapassar obstáculos e buscar soluções inovadoras. Sem esse espaço de acolhimento e de estímulo, o trabalho vira somente obrigação e a sensação de desperdício de capacidade se instala.
E é justamente aqui que entra a importância da liderança cidadã, tema que venho batendo na tecla há muito tempo. Tal liderança não se define pelo cargo nem pela autoridade formal, mas pela capacidade de gerar confiança, estimular a autonomia e reconhecer o esforço das suas equipes.
Esses profissionais fortalecem a autoestima de seus liderados e conquistam, por suas atitudes, a legitimidade e a autoridade moral para premiar, corrigir e inspirar. Todos percebem ali a intenção genuína de desenvolvimento do coletivo, ampliando o alcance de cada conquista individual. Ao promoverem o espírito de comunidade entre colaboradores, clientes, fornecedores e sociedade, exercem cidadania em sua forma mais potente e transformadora.
O mundo atual, marcado pela disrupção tecnológica, pela inteligência artificial e pela urgência de respostas sociais e ambientais, torna esse papel ainda mais crítico. Não basta “reter talentos”. É preciso libertá-los, dar espaço para que descubram sua força e contribuam plenamente. Isso significa oferecer desafios, encorajar o erro como parte do aprendizado, apoiar jornadas de desenvolvimento e criar vínculos baseados na confiança. Organizações que não compreenderem isso correm o risco de perder relevância – não por falta de competências técnicas, mas por ausência de liderança que dê sentido ao trabalho.
O legado de um líder não pode ser medido apenas pelos resultados financeiros que entrega, mas pelo número de pessoas que, ao seu lado, ampliaram sua capacidade de sonhar e realizar. Essa, talvez, seja a verdadeira marca da liderança cidadã: cultivar talentos não como recurso escasso, mas como potência abundante, que floresce quando alguém acredita, apoia e orienta. Quando um líder desperta a vocação de outro ser humano, cria um ciclo virtuoso de impacto que transcende o ambiente organizacional.
Mais do que nunca, liderar é multiplicar possibilidades. Se quisermos organizações inovadoras, humanas e sustentáveis, precisamos de líderes que coloquem verdadeiramente as pessoas no centro de sua missão. Essa é a escolha consciente que pode transformar empresas – e também a sociedade.
Vicky Bloch é fundadora da Vicky Bloch Associados, professora do IBGC, da FIA e membro de conselhos de administração e consultivos
voltar