Um olho na Reforma Tributária e o outro no TRC
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Por Marcos Aurélio Ribeiro, assessor jurídico do SETCESP

Há um consenso hoje no Brasil, sobre a necessidade de se aprovar uma Reforma Tributária que simplifique o sistema tributário nacional, em especial a complexidade para arrecadação de impostos sobre o consumo. Rompendo assim, com o sistema em vigor que coloca o País em situação de menor competitividade no cenário internacional, em razão da complexidade e alto custo do sistema atual.

O sistema tributário brasileiro sobre o consumo apresenta diversas distorções. Dentre elas se destacam:

  • as variadas regras de enquadramento tributário de bens e serviços;
  • a complexidade da tributação — afinal são mais de 500 mil normas tributárias desde a constituinte;
  • o sistema com elevada regressividade;
  • a existência de tributos cumulativos;
  • o cálculo do tributo por dentro — ou seja alíquota do imposto é aplicada sobre o próprio imposto

Tudo isso resulta na oneração excessiva da produção e do consumo.  Um grave resultado dessas distorções é a elevada litigiosidade advinda do sistema. O contencioso tributário no Brasil chega a ser por volta de 75% do PIB, enquanto nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) não ultrapassa 0,3%.

A CNT (Confederação Nacional do Transporte) realizou uma pesquisa entre os empresários do setor, em 2019, na qual 90% dos consultados afirmaram ser favoráveis à Reforma Tributária. Não somente em razão da expectativa de simplificação, mas também pela redução dos custos operacionais de apuração dos tributos existentes para o devido recolhimento.

Ou seja, a ideia da Reforma Tributária, além de ser bem vista, mostra-se necessária. Entretanto, um sinal de alerta foi acendendo à medida que fomos tomando conhecimento do que estava sendo planejado, pois a previsão é de que o que está por vir aumentará mais a carga tributária das empresas do transporte rodoviário de cargas.

Aumento da carga tributária

Embora cantada em verso e prosa, a neutralidade da reforma e a não elevação da carga tributária revelam-se uma ficção. Haverá aumento da carga tributária declaradamente em casos específicos como previsto para o Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Além disso, passará a incidir sobre a propriedade de aeronaves e embarcações, até então sem incidência.  

Outro imposto que terá elevação da carga tributária é o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) que passará a ser progressivo, em razão do valor da transmissão ou da doação. O mesmo deverá ocorrer em relação ao Imposto sobre a Propriedade Urbana (IPTU), já que está previsto que as prefeituras poderão atualizar a base de cálculo do imposto por meio de decreto.

Nessas três hipóteses deverão ocorrer aumento da carga tributária globalizada, o que desmente o discurso de uma reforma feita de modo a manter a mesma carga tributária e apenas com a redistribuição entre os diversos setores da economia.

A redistribuição da carga tributária entre setores econômicos é uma realidade irrefutável. Alguns poderão ter ganhos, isto é, redução da carga tributária. É o caso do setor industrial que tem o IPI com alíquotas variadas por categoria de produtos. Haverá certamente um alívio tributário nesse setor. Outros setores serão evidentemente penalizados. O setor de serviços deverá amargar inquestionável elevação da carga tributária.

O setor de serviços responde por 70% do PIB nacional segundo a última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao ano de 2022, e responde por mais de 70% dos empregos no País.

É fundamental que a reforma preserve o setor que mais gera empregos em vez de penalizá-lo. Essa deveria ser uma preocupação imediata, já nesta primeira fase da reforma que cuida da tributação sobre o consumo.

A Proposta de Emenda à Constituição estabelece uma verdadeira bitributação sobre a folha de salários ao criar a contribuição sobre bens e serviços (CBS), além do imposto sobre bens e serviços (IBS), que incide essencialmente sobre a remuneração do trabalho e o lucro da empresa.

Todos os negócios passarão a pagar a mesma alíquota sobre o valor adicionado, que se trata, essencialmente, da folha de pagamento de funcionários e dos lucros dos acionistas. A totalidade das demais despesas passa a poder ser deduzível dos tributos a serem pagos, incluindo marketing e serviços de terceiros.

Com efeito, todos os insumos utilizados na produção de bens e serviços poderão gerar créditos que serão apropriados pelo contribuinte, compensando o valor devido da contribuição nova, excluída apenas a folha de salários, sobre a qual passará a incidir duas contribuições: a previdenciária patronal de 20% sobre a folha e a CBS com alíquota estimada de 12%, ambas inseridas no artigo 195 da Constituição Federal e destinadas ao financiamento da seguridade social.

Uma solução que seria mais adequada é permitir o aproveitamento do valor da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários, efetivamente paga ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como crédito para compensação com o valor devido pela empresa a título de CBS.

A compensação é uma medida de justiça tributária que vai ao encontro da demanda de toda a sociedade pela desoneração da folha de salários. Ademais, valorizará as atividades de uso intensivo de mão de obra e contribuirá para a geração de novos postos de trabalho.

A proposta aprovada na Câmara dos Deputados contempla alguns setores de serviços com alíquota reduzida, como forma de compensar a impossibilidade de apropriação de crédito sobre a mão de obra, por serem serviços essenciais e de uso intensivo de mão de obra. No entanto, tais benefícios não estão previstos para o TRC, mesmo ele estando enquadrado nos parâmetros adotados para o tratamento diferenciado dispensado na proposta.

O transporte rodoviário de cargas é sim uma atividade considerada essencial para o desenvolvimento da economia do País, o que foi reconhecido pelo Governo Federal após o início da pandemia de Covid-19, indispensável para a garantia do abastecimento de gêneros de primeira necessidade da população (alimentos, remédios, insumos hospitalares) e também daqueles indispensáveis à continuidade das atividades produtivas.

Em determinados segmentos da atividade de transporte, o combustível é o insumo de maior peso nos seus custos, e a incidência de imposto sobre ele, ainda é uma incógnita. Tratando-se de uma tributação sobre produto que poderá ser considerado prejudicial ao meio ambiente, as alíquotas poderão assumir patamares insuportáveis aos usuários.

O que posso dizer é que a Reforma Tributária nasce com graves distorções e, como está colocada, o setor de serviços, em particular o transporte de carga está sendo prejudicado. Esperamos ajustes, para que o TRC não pague mais essa conta.


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