STF libera acordos individuais sem participação dos sindicatos
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Sessão de quinta-feira foi interrompida devido a problemas técnicos no sistema que permite a reunião online dos ministros

Por maioria de sete votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu liberar a negociação de acordos individuais entre empresas e seus funcionários para suspender contratos e reduzir salários e jornadas, sem que seja necessária a participação dos sindicatos. O resultado do julgamento mantém o texto original da medida provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, que foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli. De acordo com esses ministros, o momento excepcional de crise causado pela pandemia de coronavírus no país justifica a dispensa do aval dos sindicatos, em nome da manutenção dos empregos e da sobrevivência das empresas.

Ficaram vencidos o ministro relator, Ricardo Lewandowski, para quem os acordos individuais poderiam ser feitos, desde que comunicados aos sindicatos, que também poderiam deflagrar as negociações coletivas; e os ministros Edson Fachin e Rosa Weber, que entenderam ser imprescindível a negociação coletiva dos sindicatos para reduzir salários.

Pelo Twitter, o advogado-geral da União, André Mendonça, comemorou a decisão. “O Programa Emergencial de Emprego e Renda do governo do presidente Jair Bolsonaro está preservado! A maioria dos ministros do STF decidiu garantir que os empregos de milhões de brasileiros sejam preservados”, escreveu.

Detalhes dos votos

O relator

Em seu voto, Ricardo Lewandowski afirmou que os acordos individuais fechados entram em vigor imediatamente, mas devem ser comunicados em até dez dias aos sindicatos. Se as entidades não se manifestarem, o acordo estará consolidado.

No caso de ser deflagrada uma negociação coletiva, o trabalhador poderá, depois, aderir ao acordo celebrado pela entidade de classe. Em caso de conflito, prevalecerá o acordo que mais beneficiar o trabalhador.

O ministro também defendeu a importância da participação dos sindicatos nas negociações e disse que excluí-los seria “uma solução tupiniquim”, que poderia se traduzir em prejuízos aos trabalhadores.

A primeira divergência

Na divergência, o ministro Alexandre de Moraes argumentou que, no momento de crise aguda de saúde pública relacionada à pandemia de coronavírus, é “constitucional e razoável” a possibilidade de acordos individuais entre empregado e empregador, com o objetivo de reduzir proporcionalmente a remuneração e o tempo de jornada.

Para ele, isso é necessário “não só para garantir a manutenção de renda aos trabalhadores, mas a perpetuação do vínculo empregatício para além da pandemia, evitando a quebra de inúmeras empresas”. O ministro observou, ainda, que o empregado tem a opção de não aceitar as condições do acordo.

“A medida emergencial pretendeu, e conseguiu, compatibilizar os valores sociais do trabalho com a livre iniciativa, mantendo, mesmo que abalada pela crise, a saúde financeira da empresa e os empregos”, disse.

O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o entendimento, afirmando que, embora considere ideal o estabelecimento de negociações coletivas, o momento de crise exige que o Poder Judiciário analise o caso sob uma perspectiva prática.

“A grande heterogeneidade do sindicatos e as suas múltiplas deficiências exibem uma incapacidade para realizar, a tempo e a hora, no volume que será exigido e com proficiência e probidade, a chancela de milhões de acordos. Portanto, constato uma impossibilidade material que salta aos olhos: não há estrutura sindical no Brasil capaz de atender as demandas de urgência”, disse.

Para o ministro, se o STF conceder protagonismo aos sindicatos durante a crise, as empresas vão acabar optando pelo caminho mais fácil – o das demissões, aumentando a vulnerabilidade dos trabalhadores e frustrando a proteção ao emprego.

Luiz Fux concordou, dizendo que o “Direito não vive apartado da realidade” e que a MP editada pelo presidente Jair Bolsonaro, ao permitir os acordos individuais, “inaugurou a melhor forma de solução de potenciais litígios através da conciliação” entre empresas e seus funcionários.

“Não é só sobre as relações empregatícias, mas também sobre o aspecto da ordem econômica. Quando as empresas vão à bancarrota, não há empregos”, observou.

De acordo com o ministro, a histórica interferência dos sindicatos pressupunha interesses divergentes entre as empresas e seus funcionários – mas, agora, em um estado de calamidade pública, esses interesses são comuns. “Empregados e empregadores querem manter empregos e evitar crises sociais e econômicas”, disse.

“A autonomia, à luz do realismo jurídico, não pode ser abandonada. O sindicato não pode fazer nada que supere a vontade das partes”, disse Fux, que elogiou as contrapartidas previstas na MP, como os subsídios complementares da União.

“Uma interpretação que imponha necessariamente a participação condicionante dos sindicatos, além de gerar insegurança jurídica, incide numa proteção deficiente, viola a valorização dos empregos e incide naquilo que o Supremo denominou como vedação ao retrocesso”, continuou.

“Neste momento, e com mais de 2 milhões de acordos já firmados, eu voto no sentido de negar a cautelar proferida pelo ministro Ricardo Lewandowski”, disse a ministra Cármen Lúcia.

Para o ministro Gilmar Mendes, “aguardar a participação do sindicato para referendar os acordos individuais muito provavelmente vai custar o emprego de milhões de brasileiros”. Ele observou que o texto ainda está sujeito a aperfeiçoamento no Congresso Nacional, mas disse que, do modo como está hoje, a MP já cumpre o seu propósito de tentar evitar a destruição das empresas e dos empregos. “É um esforço que se faz, e oxalá seja exitoso, para que não haja um esgaçamento do sistema produtivo.”

Segundo o ministro, a concessão da liminar para derrubar a MP colocaria em xeque milhões de acordos individuais que já foram assinados. “Precisamos dar segurança jurídica para o sistema produtivo, que precisa confiar nesta solução alvitrada, e bem, pelo governo”, concluiu.

A terceira corrente

O ministro Edson Fachin abriu uma terceira vertente e votou no sentido de que é imprescindível o aval dos sindicatos para reduzir salários ou suspender contratos. Para ele, a participação dos sindicatos nessas negociações “é imperativo consoante norma constitucional”.

Segundo Fachin, “a emergência internacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, não implica – nem muito menos autoriza – a outorga de discricionariedade sem controle ou sem contrapesos típicos do Estado Democrático de Direito”.

“A emergência, por mais grave que seja, não traduz incompatibilidade entre liberdade e saúde pública. No presente caso, não há como se relativizar o grave quadro de emergência sanitária porque passa o mundo. Medidas urgentes e necessárias devem ser tomadas, mas é imperioso que elas sempre sejam feitas em conformidade com a Constituição”, disse.

Para o ministro, com a MP do governo, “nasce uma possibilidade real de negar-se direitos fundamentais dos trabalhadores, o que não se pode admitir”. “A exigência de que a flexibilização de direitos fundamentais sociais, tais como salários, jornadas ou a continuidade do próprio contrato de trabalho, seja feita sob o olhar protetivo do respectivo sindicato da categoria, tem a função de resguardar o empregado”, afirmou.

A ministra Rosa Weber seguiu essa interpretação, considerando que as outras enfraquecem os sindicatos. “Entendo que a inversão da lógica pode até conduzir ao recrudescimento o conflito social”, disse.

Segundo ela, o momento atual exige sacrifício coletivo, mas não há como adotar solução jurídica que implique excluir do debate as entidades sindicais “em momento que tanto se apregoa em mobilizar todos os atores sociais para pensar soluções”.

“Em tempos que reclamam por simplicidade, uniformidade e confiança, a arquitetura criada pela medida provisória em verdade, estimula o conflito social e consequentemente a sua judicialização. E deixam desprotegidos exatamente os trabalhadores mais vulneráveis a informalidade”, afirmou.

 

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