
A mobilidade é um dos principais desafios – e também uma das maiores oportunidades – para a descarbonização no Brasil. Ao conectar pessoas e mercadorias, o setor de transportes impacta diretamente a economia, a qualidade de vida e o meio ambiente. Hoje, ele responde por cerca de 11% das emissões brutas nacionais – o que corresponde a 260 milhões de toneladas de CO2 em 2023, considerando a visão “poço à roda”, que vai da extração até o consumo de combustível. Reduzir essas emissões é estratégico para acelerar uma transição para uma economia de baixo carbono, atraindo investimentos verdes e fortalecendo a competitividade da economia nacional.
Eletrificação de frotas em larga escala, rebalanceamento da matriz de transporte de cargas, com maior participação dos modais ferroviário e hidroviário, e a ampliação do uso de biocombustíveis, especialmente em veículos pesados e aviação: essas medidas podem reduzir em até 60% as emissões de gases de efeito estufa do setor de transportes previstas para 2050, além de atrair mais de R$ 600 bilhões em investimentos verdes ao Brasil. As demais alavancas de eficiência e otimização, que respondem por cerca de outros 10% do potencial de descarbonização, também têm papel relevante. Muitas delas têm alta viabilidade de implementação imediata, como melhorias em infraestrutura, renovação de frota, incentivo ao transporte coletivo e tecnologias de gestão e roteirização.
Os dados vêm do estudo da Coalizão para a Descarbonização dos Transportes, uma iniciativa inédita que lideramos ao lado de grandes nomes do setor, reunindo mais de 50 associações setoriais, empresas e academia, com o objetivo de contribuir de forma concreta para reduzir as emissões do setor.
A Coalizão oferece à sociedade um plano de ação estruturado, fundamentado em dados operacionais e projeções técnicas, que propõe 90 medidas concretas – as chamadas “alavancas de descarbonização” -, medidas que, integradas, podem posicionar o Brasil como protagonista global em mobilidade sustentável.
Para que essas iniciativas saiam do papel, o trabalho aponta a necessidade de avanços em cinco frentes fundamentais: 1) evolução regulatória, com a atualização e o aprimoramento dos marcos legais que viabilizem novos modelos de negócio e tecnologias; 2) incentivos financeiros, com regras claras e arcabouços regulatórios que ofereçam segurança ao investidor privado; 3) fortalecimento de um ambiente propício à inovação, com a consolidação de centros de pesquisa e instituições técnicas; 4) articulação de colaborações estratégicas multissetoriais, estimulando parcerias entre governos, empresas e academia; e 5) capacitação e formação técnica, com foco na qualificação da mão de obra.
Além de propor soluções, a Coalizão quantifica caminhos possíveis. No cenário mais transformacional, por exemplo, aponta a possibilidade de mais de 50% da frota de veículos leves ser eletrificada, com cerca de 300 mil ônibus elétricos em circulação, e uso crescente de hidrogênio, especialmente nos setores mais difíceis de descarbonizar, como o aquaviário. Isso exigirá não só marcos legais adequados, mas também expansão da capacidade de recarga para veículos elétricos, chegando entre 990 mil e 1,9 milhão de pontos de abastecimento nas próximas décadas.
O Brasil tem um diferencial competitivo importante: uma matriz elétrica majoritariamente renovável, uma indústria de biocombustíveis consolidada e um setor empresarial que deseja liderar a agenda ESG ao conjugar a produção com o desenvolvimento sustentável. Estamos confiantes no papel estratégico da COP30 como vitrine internacional para o Brasil consolidar seu protagonismo em um país com soluções climáticas de impacto e inovadoras. Este é o momento ideal para apresentar um plano sólido, coordenado e baseado em evidências.
A ideia da Coalizão nasceu a partir de uma provocação do embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, durante um encontro do Conselho de Líderes do CEBDS, fórum que reúne os CEOs das empresas associadas. Na ocasião, executivos de diferentes setores foram convidados a articular propostas concretas para a descarbonização de cinco áreas-chave da economia brasileira. O segmento de transportes foi o primeiro a responder ao pedido, evidenciando o esforço coletivo e coordenado das organizações de toda a cadeia setorial para liderar essa agenda com responsabilidade e celeridade.
A construção conjunta de um plano de ação desta magnitude simboliza o modelo de cooperação necessário para enfrentar os desafios climáticos globais. A iniciativa é liderada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Motiva, Confederação Nacional do Transporte (CNT) e Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper, com contribuições de empresas e associações dos segmento rodoviário, ferroviário, aéreo, hidroviário, aquaviário, de mobilidade urbana e do setor de infraestrutura em geral. A força deste documento está justamente na sua representatividade: não vem de uma única organização, mas de uma aliança multissetorial, fruto de um consenso ambicioso para acelerar a descarbonização de um setor vital para a economia brasileira.
Este plano é apenas o começo. O consenso construído precisa agora ser traduzido em implementação. A Coalizão se prepara para entrar em sua nova fase: a de advocacy, em curso, e execução. Há um trabalho importante a ser feito para garantir que os investimentos e marcos regulatórios necessários avancem.
No fim das contas, trata-se de um convite – e também de um chamado. Um chamado à construção de um grande mutirão, como destacou a Presidência Brasileira da COP30 em sua primeira carta. Um mutirão de empresas, instituições e lideranças que decidiram se unir voluntariamente e agir de forma coletiva, coordenada, colaborativa e ambiciosa para transformar o setor de transportes em vetor de soluções climáticas.
Essa é, em essência, a natureza da Coalizão para Descarbonização dos Transportes, na qual diferentes mãos se unem para realizar algo que nenhum indivíduo conseguiria fazer sozinho. Com esse espírito, seguimos adiante firmes e confiantes de que, juntos, podemos fazer da COP30 em Belém um marco não apenas climático, mas civilizatório.
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