Marcando posicionamento
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Neta e filha de transportador, ela iniciou sua carreira no setor aos 16 anos. Passou por diversos departamentos dentro da empresa da família, o que incluiu áreas administrativas e operacionais, junto aos motoristas e ajudantes de caminhões. Seu trabalho na transportadora, a possibilitou fazer parte das entidades de classe, e hoje, integra instituições em todas as esferas: nacional, estadual e municipal. Sua atuação mais abrangente é como presidente executiva do maior sindicato empresarial do país, onde fundou um movimento de apoio às mulheres do TRC, o Vez & Voz. A revista SETCESP foi ouvir nesta edição, Ana Jarrouge, uma das vozes femininas mais potentes do transporte rodoviário de cargas do Brasil.

1 – Nos conte um pouco da sua trajetória profissional. 

Meu avô, dois irmãos dele e meu pai, foram motoristas de caminhão. Eles puxavam carga para todo o Brasil. Então juntos, resolveram montar uma empresa, que é a Ajofer, inclusive, ela completa 50 anos agora em 2022. Após algum tempo, meu pai começou a administrar a empresa, e quando eu fiz 16 anos ele me chamou para trabalhar lá. Entrei no setor administrativo, e daí em diante, passei por diversos departamentos. Trabalhei no operacional na parte do armazém, ajudava na conferência e na distribuição de cargas e o último setor que eu trabalhei lá, foi no Departamento Pessoal. Me formei em 2000 como advogada, e depois assumi todos os processos da empresa na parte contenciosa. Após isso, assumi a gerência Administrativa e Jurídica. Fiquei 20 anos na Ajofer, e neste meio tempo eu conheci o ambiente das entidades e passei a orbitar neles. Em 2004 fui participar da COMJOVEM. Na época só tinha eu de mulher, e eu fiquei um pouco chocada, mas eu estava acostumada porque na transportadora, tirando a parte administrativa, todos os outros setores ainda são bastante masculinos. Em 2008, foi fundada a COMJOVEM Nacional e eu assumi a vice-coordenação e, posteriormente, a coordenação até o encerramento do meu mandato. Em 2019, fiquei sabendo da vaga aberta aqui no SETCESP para presidência executiva, então resolvi tentar.

2 – Foram mais de 200 currículos recebidos de candidatos à vaga de presidente executivo do SETCESP. Como se sentiu sendo escolhida entre muitos?

Eu estava acostumada a fazer entrevistas de seleção com os outros, uma experiência bem diferente é quando você está do outro lado. Quando recebi a ligação dizendo que eu tinha passado, fiquei muito feliz. Deu um medo por ser um desafio novo, mas o fato de já ter trabalhado em uma transportadora, em diversos setores e transitar pelas entidades de classe ajudou muito com isso. Os desafios foram e estão sendo aceitos (risos).

3 – Poderia falar sobre a importância da COMJOVEM para desenvolvimento profissional dos sucessores e de novos líderes no setor?

Quando a gente fica apenas no nosso mundo a gente cai em um círculo vicioso, não consegue se desprender e imaginar como encontrar outras soluções diversas. A COMJOVEM possibilita ao jovem estar junto com pessoas do mesmo setor que possuem dificuldades semelhantes, viabiliza encontrar as soluções a partir de outros pontos de vista. Dentro da COMJOVEM é possível encontrar experiências que não estão disponíveis em nenhum tipo de graduação, não está nos livros. E sem falar, na própria inserção que a Comissão promove para que as pessoas adentrem em outras entidades de classe.

4 – Na sua visão, quais são os maiores desafios no TRC? E que alternativas vê como soluções para superá-los?

O que se discute bastante é a própria valorização do setor. Nós, como entidade, sempre estamos falando de tarifas adequadas e cobrança justa pelo frete. Porém, tem muitas empresas que acabam operando e trabalhando sob condições inadequadas, que assumem compromissos que vão além da capacidade delas, seja financeira ou operacional, e isso é muito ruim para o mercado, porque cria uma concorrência desleal. Preço não é valor. Então tem que ter uma conscientização do empresário que não é só fechar as contas, qualquer negócio precisa ter rentabilidade.

5 – Desde 2017, as empresas não são mais obrigadas a pagar a contribuição sindical. Como a entidade pode agregar valor às empresas, para que elas vejam vantagens em se associarem?

Hoje, a entidade sindical é semelhante a um Clube, em que o associado tem acesso a serviços e benefícios. Um lugar onde as empresas vão encontrar o que elas precisam em termos de conhecimento, de boas práticas, de network, e outras soluções atrativas. Então, posso dizer que estamos todos os dias pensando em coisas novas para nossos associados. Nós enxergamos o associado como cliente, e queremos atender à necessidade dele. Nosso objetivo é aumentar o nosso número de associados, porque a gente representa uma base grande. Não queremos apenas representá-los, queremos que eles estejam aqui usando os nossos serviços. Pretendemos ampliar o leque desses serviços para atender bem o público, principalmente, o de pequenas e médias empresas.

6 – Por que criar um movimento de apoio à mulheres do TRC. Qual a sua visão sobre as empresas terem uma diversidade maior de profissionais para serem mais inclusivas?

Quando eu comecei a participar da COMJOVEM eu era a única mulher, e por um bom período, haviam pouquíssimas. Daí tive a percepção de que havia a necessidade de se fazer algo para a valorização das mulheres no TRC. E, assim que sai da COMJOVEM, passei a integrar outro projeto que é o IT (Influenciadores do Transporte) e o Vez & Voz cresceu de uma sementinha de ideias e discussões com esse grupo. Isso aconteceu justamente no período que eu estava entrando no SETCESP, então eu trouxe a ideia, e teve muita aceitação. Foi como aliar o útil ao agradável, porque encontrei uma entidade que pode dar sustentação a isso. E dentro dessa temática temos falado de diversidade e inclusão no transporte. Se a gente vive em um mundo diverso, com pessoas diferentes e necessidades diferentes, não tem como não levar isso para dentro das empresas. As pessoas que vão atender o seu cliente que são diversos, também precisam ser diversas.

7 – Alguma vez já se sentiu intimidada ou teve alguma dificuldade de impor suas ideias e opiniões?

Sim, algumas vezes isso já aconteceu. No entanto, sempre tive essa postura, de que se eu estou aqui eu não posso sair despercebida. Porque senão será recorrente. Em todas as reuniões em que eu estou, nessa condição de única mulher, eu procuro falar alguma coisa, seja comentar, dar opinião ou até mesmo perguntar, justamente para marcar posição. Nunca me acuei, embora já tenha me sentido intimidada. Sempre procurei mostrar presença. Nós mulheres podemos estar onde queremos e sermos protagonistas de qualquer situação. Se temos capacidade de estar lá, por que não estar?

8 – Como funciona o trabalho da Seção II do Transporte Rodoviário de Cargas da CNT – Confederação Nacional do Transporte, a qual integra?

Lá ocorrem reuniões a cada três meses, em que discutimos assuntos a nível nacional de alta complexidade, que afetam todas as empresas do TRC. Eu tenho oportunidade de colocar assuntos na pauta e eu procuro sempre trazer as informações do que se discutiu para o SETCESP. É um trabalho que me ajuda muito a ter mais legitimidade nas decisões aqui na entidade.

9 – Pressão inflacionária e aumentos sucessivos do diesel. Qual a sua visão sobre a recuperação econômica pós-pandemia?

O que aconteceu na pandemia afetou a todos, e não só o Brasil. A alta do diesel não é uma prerrogativa apenas do nosso país. Entretanto, o nosso ambiente político está bastante complicado, e isso traz uma insegurança para o investidor, que quer crescer, mas que não consegue vislumbrar uma estabilidade econômica. Fora isso, algumas reformas estruturais, que eram para ter acontecido, não aconteceram. Mas, o empresário brasileiro é bastante resiliente, a gente passa por diversas coisas e se mantém aos trancos e barrancos. O brasileiro é criativo e vê oportunidades onde não tem para sobreviver com os negócios.

10 – Este é um ano de eleições, e o país passa por uma onda de polarização. Você acredita que com o próximo pleito eleitoral isso deve diminuir ou aumentar?

Os extremos não ajudam em nada, aliás parece que estamos regredindo. Eu acho, que na questão política ainda, vamos viver momentos turbulentos, porque as pessoas ainda estão muito radicais, com seus posicionamentos e as redes sociais até propiciam isto, pois as pessoas falam o que pensam e acabam gerando desconforto e certas situações desagradáveis. Então eu não consigo ver uma melhora a curto prazo.

11 – Que mensagem gostaria de deixar para os transportadores?

A entidade representativa é uma excelente ferramenta da sociedade organizada para conquistar melhorias. A partir do momento em que os nossos associados estão conosco, nos demandando problemas para que a gente os ajude a resolver, nós vamos evoluindo e fazendo com estas dificuldades desapareçam. Então, fica o convite: participem das entidades de classe, aqui é um centro de soluções e um meio eficiente para conseguir mudanças no setor. 


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