Investimento cresce 11% em infraestrutura puxado pelo setor privado
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Em meio a um cenário que une crédito caro e sinalização de mudança de rumos na condução de políticas em energia e saneamento básico, a infraestrutura no país deverá receber R$ 204,6 bilhões em investimentos neste ano, uma alta nominal de 11,1% em comparação a 2022. Do total de recursos, 65% sairão da iniciativa privada.

É o que indica a recém-concluída Carta de Infraestrutura 2023 elaborada pela Inter.B Consultoria Internacional de Negócios. Puxados por energia elétrica, transportes e saneamento básico, os aportes poderão representar 1,95% do Produto Interno Bruto (PIB), se o Ministério dos Transportes cumprir seu plano, ressalva a Inter B. Em 2022, a investimento em infraestrutura somou o equivalente a 1,86% do PIB. Os cálculos da consultoria consideram a projeção de PIB de R$ 10,5 trilhões, de acordo com o relatório de acompanhamento fiscal de março da Instituição Fiscal Independente (IFI). Telecomunicações, único segmento a ter redução de aporte na comparação anual, devem receber injeção maior a partir de 2024, com o avanço da implementação do 5G no Brasil. O levantamento aponta aporte de R$ 26,5 bilhões no segmento em 2023, contratação de 2,2% em um ano.

Em energia elétrica, os investimentos devem crescer 15,5% nominalmente ante 2022; em saneamento básico, 12,4%; e 11,2% em transportes. “Não é [um aumento total de aporte] espetacular, mas é um avanço”, avalia Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B.

As incertezas ocasionadas por imprevisibilidade regulatória (como a ação do governo para alterar o marco do saneamento, derrubada pela Câmara Federal) e o crédito caro não são fatores suficientemente fortes para causar uma mudança material “muito significativa” nos compromissos já assumidos pelo universo privado, disse.

“A maior parte dos recursos que serão investidos em 2023 já está em caixa ou contratada”, continua. A Inter.B considera o que está no capex (despesa prevista para investir), e não os anúncios de intenções de aporte. São compromissos que não sofrem alterações da noite para o dia.

Projetos menos maduros, contudo, podem sofrer postergações. Se ainda estão em estágio de negociação de crédito, ou contratando prestadores de serviços, por exemplo, poderão caminhar mais lentamente caso o patamar de juros continue elevado por mais tempo, dizem especialistas setoriais.

Frischtak reforça que, para os negócios já encaminhados, o país não está em situação que leve a uma “mudança dramática” ou remapeamento dos negócios.

“A lógica em infraestrutura é a de contratação de compromissos de investimento ao longo do tempo. Não há obrigatoriedade de aporte ano a ano”, diz Fernando Camargo, sócio-diretor da LCA Consultores. Então, as companhias têm a possibilidade de empurrar um pouco o programa de investimentos assumidos de um ano para outro se necessário for – o que vale para concessões e autorizações, afirma.

O crédito não ficou caro agora. Mas como em infraestrutura as negociações levam mais tempo devido ao volume vultoso de recursos necessários pode haver certo atraso para entender o impacto do cenário de crédito mais caro desde o ano passado aos aportes setoriais.

“Há sempre aqueles projetos com uma natural dificuldade de mobilização dos recursos necessários. Mesmo que se espere uma queda tímida [dos juros] para os próximos meses, o atual patamar traz dificuldades que já vêm se arrastando nos últimos meses, e pode começar a se revelar a partir de agora”, disse Eric Brasil, sócio da Tendências Consultoria.

A sinalização do governo de retomar espaços em infraestrutura é um ponto de atenção a observar, assim como o do patamar de juros. “Olhando o histórico, quem segurou o investimento em infraestrutura no país foi o setor privado. Eu não consigo ver um cenário em que o aporte público tenha fôlego suficiente para suprir eventual dificuldade do [setor] privado”.

“A lógica em infraestrutura é a de contratação de compromissos de investimento ao longo do tempo. Não há obrigatoriedade de aporte ano a ano” — Fernando Camargo

Segundo a Inter.B, R$ 132 bilhões do total de investimentos previstos para 2023 virão do setor privado. O aporte público, concentrado em transportes e saneamento, é de cerca de R$ 73 bilhões.

A PEC da Transição abriu espaço fiscal para investimentos do governo federal, e a maior parte deverá ser empregada em rodovias. O setor de transportes deverá receber injeção de R$ 67,5 bilhões no ano. “A dúvida, contudo, é a capacidade de execução do Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes]”, afirma Frischtak.

Trata-se da capacidade de “gerir adequadamente os recursos, de planejar, contratar e avaliar a qualidade e integridade dos investimentos sendo realizados por terceiros” – um gargalo de eficiência velho conhecido do país.

A Inter.B projeta crescimento de 1,5% da economia brasileira em 2023, pouco acima do estimado por outros agentes, e Frischtak avalia que a demanda de empresas e famílias poderá incentivar alguns segmentos.

Ainda em transportes, por exemplo, há uma necessidade crescente por serviços de logística em ferrovia, rodovia ou hidrovia, motivada sobretudo pela demanda do agronegócio. O país precisará escoar e armazenar 314 milhões de toneladas da safra 2023/23, que supera a anterior em 15%, segundo a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab).

“Isso é demanda na veia”, diz Frishtack. Ele também crê que a melhora de renda poderá trazer efeito positivo para outros segmentos, como transporte aéreo.

Energia elétrica, contudo, ainda é o carro-chefe dos investimentos em 2023, como ocorreu em anos recentes. O setor receberá pouco mais de R$ 86 bilhões – quase R$ 77 bilhões do setor privado. Os recursos são direcionados principalmente para a geração devido à expansão das renováveis, principalmente a solar, que vem crescendo rápido. As fontes renováveis foram responsáveis por mais de 92% da oferta de energia em 2022, segundo a Inter.B.

Ponto de atenção porque pode brecar alguns investimentos nos próximos anos, lembra Camargo, da LCA, é a definição de regras, pelo governo federal, para a renovação das concessões pelas distribuidoras. Pelo menos 20 contratos vencem até 2031, entre eles de companhias pertencentes às holdings CPFL, Energisa e Enel. Também é o caso da Light, em recuperação judicial.

A legislação que possibilita a abertura total do mercado livre de energia, parada no Congresso Nacional, também é uma pauta que precisa caminhar – e incentivará aportes futuros.

Já em saneamento básico, os investimentos projetados em R$ 24,4 bilhões resultam de efeito do novo marco legal do setor aprovado em 2020, diz o documento. Segundo a Inter.B, a nova legislação “impõe uma rápida ampliação dos investimentos dos concessionários” para que as metas propostas sejam alcançadas até 2033.

O objetivo é que 99% da população tenha acesso à água potável, e 90%, à coleta e tratamento de esgoto. A falta de água potável impacta quase 35 milhões de pessoas e cerca de 100 milhões de brasileiros não contam com a coleta de esgoto, informa um estudo divulgado em março pelo Instituto Trata Brasil.

O governo federal, contudo, apresentou neste ano decretos que foram barrados pela Câmara dos Deputados. O marco do saneamento estabelece uma data-limite para que as empresas apresentem sua capacidade de investimentos, caso contrário, não haverá mais renovações contratuais automáticas.

Segundo a LCA, parte dos projetos de empresas que estudam novas concessões pode parar por causa disso. “As [companhias] estaduais não conseguem cumprir compromissos de investimento há tempos e a agência reguladora não faz pressão porque não tem mecanismos para forçar a empresa a investir”, afirma Camargo.


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