Governo tenta corrigir programa de incentivo para caminhões
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No início de junho, o governo liberou incentivos fiscais para a venda de carros, caminhões e ônibus com descontos. Os recursos para carros se esgotaram em menos de um mês. No caso dos caminhões, no entanto, apenas 14% do dinheiro foi usado até agora. Uma nova portaria vai tentar corrigir as distorções da primeira fase do programa para veículos comerciais. Mas, segundo especialista, a mudança é insuficiente para resolver um problema que é estrutural.

Quando fez o primeiro anunciou de que criaria um programa de incentivos para baratear veículos, no fim de maio, o governo falou só em carros. Posteriormente, a Medida Provisória 1175/2023 incluiu ônibus e caminhões. Para carros, foram liberados R$ 800 milhões em duas etapas.

No caso dos caminhões e ônibus, para os quais foram destinados, R$ 700 milhões e R$ 300 milhões, respectivamente, a intenção do governo foi fazer uma espécie de renovação da frota. Para receber o benefício o dono de um caminhão ou ônibus com mais de 20 anos pode trocá-lo por um novo com descontos que variam de R$ 33 mil a R$ 99 mil, dependendo do tamanho do veículo. A condição é destinar o veículo velho a um local de reciclagem para ser transformado em sucata.

O governo percebeu – alertado pela indústria – que o proprietário de um veículo com esse tempo de uso, normalmente um caminhoneiro autônomo, não tem recursos para dar esse salto: sair do velho para o zero-quilômetro – mesmo com descontos.

Uma nova portaria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, anunciada na sexta-feira pelo ministro Geraldo Alckmin, dispensa a que o dono do veículo sucateado seja o mesmo que vai usar o programa para a compra de um novo.

Com a mudança, um caminhoneiro poderá, por exemplo, vender seu veículo com mais de 20 anos, para um frotista, por exemplo, interessado em obter os benefícios do programa. O novo dono do caminhão o entregará para a sucata e ganhará os bônus para a compra de um novo. Já o caminhoneiro, com o dinheiro da venda, poderia dar entrada em outro caminhão usado, menos velho. Resta saber se ele conseguirá crédito, um problema crônico para autônomos.

“O caminhoneiro hoje vende o almoço para poder pagar o jantar” — Eric Dervyshire

“O benefício é uma gota no oceano e visa, muito mais, passar uma sensação de alívio momentâneo ao mercado do que realmente corrigir o problema na sua essência”, destaca Eric Dervyshire, sócio consultor da RGF & Associados.

Especialista em transportes e logística, Dervyshire diz que os R$ 700 milhões serão suficientes para vender no máximo 2 mil veículos num país com frota de 3,5 milhões. Ele lembra que o valor médio do caminhão gira em torno de R$ 350 mil, chegando a quase R$ 1 milhão.

 

 

 

Apesar dos incentivos, a venda de caminhões caiu 28,2% em junho na comparação com o mesmo mês de 2022. A queda de demanda ocorre, principalmente, porque desde janeiro os preços subiram por conta de nova lei de emissões de poluentes, que incorporou equipamentos mais caros nos veículos comerciais.

“A nova portaria reconhece que o programa foi um fracasso – só usou R$ 100 milhões do total de R$ 700 milhões. Tenta criar uma manobra, ainda mais complexa, para atingir a meta”, diz. Segundo ele, o programa “não resolve o problema na raiz, que é o custo Brasil”.

O Brasil tem 1,25 milhão de transportadoras registradas na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Desse total, segundo Dervyshire, 945 mil são transportadoras autônomas, cujo proprietário do caminhão, muitas vezes é o próprio motorista. “Ele vende o almoço para poder pagar o jantar”, destaca.

Para o, consultor, essas transportadoras não conseguem renovar suas frotas na mesma frequência de anos atrás. “Desde 1995, o Brasil não possuía uma frota tão antiga, com média de 10 anos e 3 meses, sendo cerca de 900 mil caminhões com mais de 30 anos de fabricação”, completa.

No caso dos carros, no entanto, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) comemorou o resultado do programa de incentivos do governo. A entidade estima que 150 mil veículos serão contemplados no programa. Total de R$ 710 milhões de recursos já foram consumidos. Faltam, assim, R$ 90 milhões.

Em junho, as vendas de carros e comerciais leves aumentaram 8,6% na comparação com o mesmo mês de 2022. As vendas se concentraram no fim do mês. No último dia foram licenciadas 27 mil unidades, o equivalente a quase três vezes a média diária dos últimos meses. No dia 30, concessionários ainda venderam 79 mil carros, que foram emplacados no primeiro dia útil de julho. Isso ajudará a alcançar bons resultados em julho.

Depois disso, porém, as vendas vão refletir o aumento de preços, como resultado do fim dos descontos promovidos pelos incentivos fiscais, que variaram de R$ 8 mil a R$ 10 mil para cada carro com preços até R$ 120 mil.

O presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, aposta na queda dos juros. “Uma coisa compensa a outra e, assim, o mercado voltará à normalidade”, afirma Leite.


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