O Governo do Estado de São Paulo, sob a gestão Márcio França (PSB), quer paralisar por um ano e meio as já atrasadas obras do trecho norte do Rodoanel, com custo de quase R$ 10 bilhões. A obra é o maior projeto de infraestrutura no estado e a última parte do anel viário do entorno da Grande São Paulo.
A informação sobre o plano de congelamento da construção consta de ata de reunião com empreiteiras promovida em agosto pela Dersa, empresa estadual responsável por obras viárias no estado. França concorre à eleição para permanecer no posto de governador.
A suspensão dos trabalhos, ainda sem uma data definida, ocorreria em três dos seis lotes do empreendimento, nos de números 1, 2 e 3, mais próximos ao trecho oeste do Rodoanel, que já funciona.
O lote 1 é de responsabilidade do consórcio Mendes Júnior/Isolux Corsan, e os lotes 2 e 3 são tocados pela OAS.
A ata da reunião não aponta o motivo para a paralisação. Indagada pela reportagem, a Dersa também não explicou.
As duas construtoras desses lotes sofreram forte revés desde que passaram a ser investigadas na Lava Jato. Tanto a Mendes Júnior quanto a OAS estão em recuperação judicial e foram declaradas inidôneas pela União —o que as proíbe de assinar novos contratos com a administração federal e dificulta tentativas de obtenção de empréstimos.
Desde 2015, o governo pressiona as empreiteiras pelo ritmo das obras, que está mais lento do que o esperado. A gestão chegou a ameaçar a quebra de alguns dos contratos, o que até agora não ocorreu.
Executivos e um ex-presidente da Dersa foram denunciados sob suspeita de superfaturamento nos lotes 1, 2 e 3. Segundo a Procuradoria, fraudes nos contratos renderam R$ 480 milhões às empreiteiras. Eles negam.
Hoje, a Dersa prevê a conclusão da obra até o fim de 2019, mas, caso essa suspensão ocorra, a estrada ficaria apenas para 2021. A promessa inicial de entrega era 2014.
A Dersa já estuda também oferecer a continuação dos trabalhos para a empresa que recentemente ganhou a licitação para operar a estrada quando ela estiver pronta.
Para suspender a obra, a Dersa já adotou medidas preventivas como obras emergenciais só para resguardar a segurança das estruturas já construídas. Além disso, resolveu uma série de pontos críticos da construção. Essas intervenções beiram os R$ 50 milhões, segundo os projetistas. Relatórios técnicos dizem que, se nenhuma ação fosse tomada, haveria o risco de colapso de túneis e queda de uma torre de transmissão.
Thomaz Buttignol, professor de engenharia da Universidade Mackenzie Campinas, explica que esse tipo de ação tem como objetivo mitigar eventual ação do tempo e o natural desgaste de estruturas.
"Idealmente, uma obra não deveria parar. É preciso saber o que será feito com o cimento que está no canteiro, por exemplo. Se as estruturas de aço estiverem expostas, pode-se gerar até fissuras no concreto", afirma.
Na reunião, ocorrida no dia 2 de agosto com as empreiteiras, a Dersa requisitou estudos sobre quais medidas preventivas deveriam ser tomadas. "O relatório deve conter alternativas de solução com estimativa de custos para que a obra seja paralisada por até 1,5 anos de forma segura, levando em consideração uma obra totalmente desmobilizada", diz a ata da reunião.
Os três lotes somam 15 km dos 44 km do trecho norte. Os lotes 1 e o 3 são os que mais preocupam, já que têm obras mais atrasadas. Em junho, esses trechos tinham 74% e 83% das obras concluídas.
Em resposta à Dersa, as empresas projetistas apresentaram seus relatórios sobre o estado das construções.
Em uma dessas análises, sobre o lote 1, a Engevix-Pron disse destacar "as situações que necessitam de tratamento emergencial, sem o qual o risco de acidentes é eminente". Ali, uma das principais preocupações é com a segurança de um dos túneis. Cerca de 20% dele não tinha um revestimento definitivo, o que seria essencial para garantir sua estabilidade, de acordo com os projetistas.
"A não realização das recuperações estruturais exigidas representa um risco estrutural de colapso do suporte."
Apenas para o lote 1, a empresa projetista calcula o valor das obras de emergência em R$ 6,4 milhões a R$ 32,2 milhões, a depender das ações.
No lote 3, outra análise constatou as ações urgentes que devem ser feitas para evitar "risco imediato de perdas de vidas ou prejuízo financeiro de grandes proporções". O relatório é da Maubertec – Setepla.
A principal preocupação também é com um túnel que, segundo os projetistas, deve ter sua estrutura monitorada e reavaliada a cada seis meses.
A empresa aponta ainda que o revestimento de outros túneis aparenta ter infiltrações e espessura menor que a recomendada. Afirma ainda que "o não atendimento da espessura mínima pode acarretar um colapso do túnel como última consequência".
O relatório também alertou sobre a segurança de uma torre de transmissão de energia elétrica, que abastece parte da cidade de Guarulhos.
"As leituras dos instrumentos estão indicando que a torre tem se deslocado, principalmente após o início das obras de reforço nas fundações", diz a Maubertec – Setepla.
No lote três, a estimativa de custo das ações emergenciais antes de se paralisar as obras é de R$ 19 milhões.
OUTRO LADO
Confrontada com os relatórios e a ata da reunião obtido pela reportagem, a Dersa não nega o estudo para paralisar a construção do Rodoanel. A estatal diz que tenta retomar a negociação para a volta das obras nos lotes 1, 2 e 3.
Ainda assim, ao considerar a obra como um todo, a Dersa diz que o Rodoanel não está parado, uma vez que os outros lotes estão em atividade. Segundo ela, o empreendimento está com 85,1% concluídos e todos os pagamentos às contratadas estão em dia. Dos R$ 4,99 bilhões de custos com a obra bruta, o governo já pagou R$ 3,89 bilhões.
Em relação às ações de segurança, a Dersa diz que todas as medidas de engenharia foram adotadas pela equipe da companhia. "Na hipótese, ainda não confirmada, de incapacidade das empresas de continuidade das obras, a Dersa proporá ao governo do estado a possibilidade de o consórcio que operará o trecho Norte assumir a conclusão no lugar das empreiteiras Mendes Jr e OAS", afirma.
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