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28 de Março de 2018 – 15h53 horas / UOL

Aquela placa de trânsito amarela com a silhueta de um animal pode parecer simpática, mas alerta para um problema grave. Estima-se que 475 milhões de animais são atropelados a cada ano nas rodovias brasileiras. E não estamos falando de insetos — que se contabilizados, fariam o número saltar para a casa dos bilhões.

 

A imensa maioria dos animais atropelados não são notados pelos motoristas por serem de pequeno ou médio porte. No entanto, há 2 milhões de animais de grande porte mortos nas rodovias por ano. O estrago, nesse caso, é ainda maior, suficiente para provocar cerca de 300 mortes por ano.

 

É impressionante pensar que 15 animais são atropelados por segundo no Brasil. Ou 1,3 milhão por dia. A imensa maioria, cerca de 430 milhões, são pequenos vertebrados, como sapos, cobras e aves.

 

Amassados pelas rodas, acabam confundidos com o asfalto para quem passa em alta velocidade. Urubus e carcarás, quando não são também atingidos por algum carro ou caminhão, fazem o serviço de levá-los embora da pista.

 

Outras 43 milhões de vítimas são animais de médio porte como gambás, lebres e macacos. A menor parte, correspondente a dois milhões de mortes, é composta por animais de grande porte, como capivaras, tamanduás, veados e onças. Muitos deles são ameaçados de extinção.

 

As estimativas foram feitas pelo Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), da UFLA (Universidade Federal de Lavras), com base em 14 estudos científicos que abarcam todas as regiões do país.

 

Não há dados oficiais sobre atropelamentos embora o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) referende o número estimado pelo CBEE.

 

O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), responsável pela manutenção da malha rodoviária brasileira, diz que a quantidade de animais atropelados varia muito de acordo com o bioma e as características geográficas das diferentes regiões do país. Por isso, de acordo com o órgão, seria difícil estimar a quantidade de atropelamentos "com precisão científica minimamente razoável”.

 

Os dados sobre acidentes de trânsito não são menos gritantes. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, em 2017 ocorreram 2,6 mil acidentes em rodovias federais envolvendo a presença de animais na pista, sendo 434 graves, com 103 mortes. Não entram na conta acidentes em rodovias estaduais e em estradas de terra. O estudo do CBEE estima um total de 300 mortes por ano em todos os tipos de rodovia.

 

Apesar de representarem apenas 2,2% dos acidentes de trânsito em geral e 1,3% dos acidentes com mortes nas estradas federais (a lista é liderada por falta de atenção e alta velocidade), as colisões e capotamentos envolvendo bichos superam os relacionados a defeitos nas vias, de acordo com o Ipea (Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada).

 

O outro lado da pista

Rodovias e ferrovias permitem o deslocamento de pessoas, o escoamento de produção industrial e agrícola, a comunicação entre as diferentes regiões do país. Contudo, a estrada mal planejada é também um problema ambiental.

 

O som dos carros atrapalha o acasalamento dos sapos, animais que coaxam para encontrar o parceiro. A luminosidade das rodovias que cortam áreas de mata fechada impede a passagem de aves acostumadas ao ambiente mais escuro.

 

"Dependendo da região, um animal pode precisar de 50, 100 km² para viver, se alimentar e se reproduzir", diz o biólogo Alex Bager, do CBEE. Ao se depararem com uma estrada, muitos animais se assustam e ficam com medo de passar.

 

Segundo Bager, as rodovias causam impacto numa distância de ao menos 500 metros a partir de sua borda. Para algumas espécies mais sensíveis à poluição sonora, hídrica (sujeira da estrada que escorre com a chuva) e do ar (fumaça dos escapamentos), o impacto pode alcançar até 5 km. "Esses animais ficam presos em área que pode não ser suficiente para sobreviverem", afirma o especialista.

 

Aplicativo mapeia animais atropelados

O CBEE criou em 2012 um aplicativo em que os usuários podem tirar fotos de animais atropelados e alimentar um banco de registros de casos. As fotos são avaliadas por pesquisadores e voluntários que identificam cada animal morto.

 

O aplicativo já é utilizado por unidades de conservação e por usuários de todas as regiões do país, dando assim uma ideia de onde ocorrem os atropelamentos. Além disso, permitem o registro de casos que ocorrem em estradas de terra, que não costuma ser alvo das preocupações dos órgãos oficiais de fiscalização.

 

Foi em uma estrada de terra que liga cidades da região de São José do Rio Preto (SP) que Delcero Ravazzi, 54, encontrou um porco-espinho atropelado. Ver o animal morto o fez lembrar de um antigo ensinamento que recebia de um tio. "Eu tinha 11 anos, pescava com ele no rio Turvo, e ele me dizia: 'cuida disso tudo que um dia vai acabar'".

 

Hoje, Delcero, que é funcionário público, trabalha como voluntário do Sistema Urubu. Ele aprendeu sozinho os nomes científicos e as características de diversos animais e valida fotos enviadas por usuários do aplicativo.

 

Brasil precisa adequar pelo menos 55mil km de estradas

Quando uma estrada é projetada, é necessário saber em quais trechos há passagem de animais e minimizar os impactos sobre esse fluxo. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) exige o monitoramento de fauna em todos os processos de licenciamento de transporte terrestre.

 

O problema é que grande parte da malha rodoviária brasileira já existia antes da determinação legal do licenciamento ambiental, que é de 1981. De acordo com o DNIT, são 138 rodovias federais sem licenciamento, que totalizam aproximadamente 55.000 km.

 

Em 2013, foi criado o Profas (Programa de Rodovias Federais Ambientalmente Sustentáveis), um acordo entre os ministérios dos Transportes e do Meio Ambiente que prevê a regularização dessas estradas federais em até 20 anos. Não estão incluídas as estradas estaduais e de terra. Para ambientalistas, o período é considerado muito extenso.

 

De acordo com Bager, as estradas já licenciadas também possuem problemas, como passagens de fauna feitas em pontos que não são os mais usados pelos animais. Como não é possível fazer toda a rodovia ficar fora do chão para os animais passarem, são necessários estudos bem feitos para entender onde animais passam antes de realizar essas ações pontuais”, diz o biólogo.

 

O DNIT afirma que todo o traçado de novas rodovias é definido após pesquisas que identificam as espécies de animais existentes em determinadas regiões e os possíveis impactos. Também afirma que implanta redutores de velocidade, sinalização, telas e passagens subterrâneas para a travessia segura dos animais. 

 

"É importante destacar os programas de educação ambiental, o que inclui a conscientização contra o atropelamento intencional de animais, muito com comum no interior do país", diz o DNIT. Concessionárias como a Ecosul também realizam campanhas de educação ambiental.


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