Estradas precárias deixam a nossa comida mais cara e atrasam o agronegócio do Brasil
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Apenas 12,4% de toda malha rodoviária brasileira é pavimentada, algo que faz o país perder uma grande vantagem do seu privilégio agrícola

Independentemente da região ou do clima, o território brasileiro é extremamente privilegiado para a agricultura. O calendário de plantio e de colheita vai de acordo com o produto, mas há produção o ano inteiro, de norte a sul do país.

Na teoria, isso deveria garantir um alimento barato na mesa das pessoas, mas, na prática, o agronegócio do Brasil tem um grande inimigo que deveria ser um aliado: as estradas.

Responsável por movimentar mais de 60% das mercadorias no Brasil, o transporte rodoviário tem graves problemas de infraestrutura, pois somente 12,4% de toda a malha rodoviária é pavimentada, segundo a CNT (Confederação Nacional do Transporte). São 25,1 km de rodovias pavimentadas para cada 1.000 km² de área.

Deste total, a maioria está mais próxima dos grandes centros urbanos. Portanto, nas regiões agrícolas, as condições são muito piores. É ai que começam os problemas da logística dos alimentos.

Km de rodovias pavimentadas para cada 1.000 km²

Estados Unidos 438,1 km

China    359,9 km

Rússia   54,3 km

Brasil     25,1 km

Fonte: Confederação Nacional do Transporte

O primeiro deles é a velocidade média de um caminhão no Brasil, muito menor do que na Europa ou nos Estados Unidos. Enquanto lá essa velocidade média fica em torno de 80 Km/h, aqui o número cai pela metade. Ou até mais.

Na Europa há grandes investimentos para reduzir os aclives das estradas e assim fazer com que os caminhões tenham uma velocidade média cada vez maior. No Brasil, além de asfalto péssimo, as rodovias são marcadas por muitos aclives.

“Aclives são grandes inimigos dos caminhões porque fazem as reduções de velocidades serem muito constantes. Na Alemanha, onde há essa preocupação em reduzir os aclives, o peso bruto total de um caminhão é de no máximo 40 toneladas, enquanto aqui o número salta para 74 toneladas”, explica Roberto Leoncini, vice-presidente de Vendas e Marketing Caminhões da Mercedes-Benz do Brasil.

O peso bruto ser maior no Brasil não é um problema, já que ele permite transportar mais mercadoria. O problema é justamente o solo. É essa a grande barreira no transporte que gera impacto direto no preço final dos alimentos.

“Caminhões carregados cruzam pontes de madeira, enfrentam rodovias perigosas, estradas de terra, travessias por balsas, enfim, isso atrapalha toda a logística, aumenta o tempo de transporte dos alimentos, eleva o custo do frete, aumenta o consumo de combustível e gera maior necessidade de manutenção do caminhão. Quanto maior a dificuldade, maior será o preço da comida”, conta Leoncini.

Além de todo esse problema de infraestrutura que existe há décadas, as fabricantes precisam fazer adaptações em seus caminhões para que os motoristas consigam enfrentar essas estradas com mais segurança. E isso também vai refletir no preço final do veículo, encarecendo toda a cadeia até chegar ao alimento.

A Mercedes-Benz, marca que mais vendeu caminhões em 2020, com 30.081 emplacamentos, faz grandes revoluções em seus caminhões para rodar em solo brasileiro e atender ao agronegócio.

O Actros, lançado em 2019, passou por modificações nos freios, embreagem, suspensão, ar-condicionado, sistema de arrefecimento, para-choque e tecnologias de segurança.

“Se tivéssemos estradas melhores e mais seguras, a logística do agronegócio seria muito melhor, a frota de um produtor seria uns 30% menor, o consumo de combustível seria menor, o tempo de transporte seria menor, o valor do frente seria menor, o preço da comida seria menor e muitas vidas seriam salvas, mas essa realidade é distante e a pandemia deixou o cenário ainda pior”, exalta Leoncini.

Dos 63.447 acidentes registrados em rodovias federais em 2020, 17,6% envolveram caminhões, segundo a CNT. As vidas perdidas, os caminhões destruídos e a perda de mercadoria também contribui para o valor do produto final subir.

O preço dos alimentos subiu 15% na comparação entre o primeiro trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número é quase o triplo da inflação geral do país no mesmo período, que foi de 5,20%. Claro que a pandemia do coronavírus teve influência no número.

Por que a comida está ainda mais cara?

“O problema das rodovias é antigo, mas permanece atual porque não melhora. Somado a tudo isso, o cenário atual ainda tem a alta do dólar, o que acarreta em um combustível mais caro e na escassez de suprimentos na importação, deixando a manutenção e o frete dos caminhões ainda mais caros. E o preço da comida acompanha a alta”, analisa Josian Teixeira, Gestor da Lifetime Asset, empresa que atua no mercado financeiro.

Enquanto o preço dos alimentos subiu 15%, o dólar subiu 10% neste mesmo período. Em março do ano passado a média da moeda era de R$ 4,64, enquanto em março deste ano ficou em R$ 5,70.

Atualmente, a moeda está em R$ 5,06, em média, mas o preço do alimento continua em alta por todos os reflexos criados durante este último ano.

Muitos alimentos consumidos pelos brasileiros são derivados de grandes commodities, tais como milho, soja, trigo, e derivados de animais, como aves, carnes bovina e suína. Todos sofreram muito com a desvalorização do real em relação ao dólar.

“Outro fenômeno que acontece também é que o agricultor, em muitos casos, prefere exportar o alimento porque ele vai receber em dólar e não vai ter todos esses problemas na logística que o abastecimento interno traz, tais como longas jornadas em rodovias altamente perigosas e consumo de combustível muito elevado. Isso faz diminuir a oferta interna e subir o preço da comida”, diz Josian.

Autoesporte também conversou com José Antônio Gorgen, o Zezão, diretor presidente do Grupo Risa, que possui quase 45 mil hectares de plantações de soja e milho, com a maior parte no Piauí e extensões menores no Maranhão.

“Os políticos não imaginam toda a dificuldade que existe no transporte. Se eles passassem uma semana acompanhando as plantações e os transportes, entenderiam a necessidade de melhores condições, e isso ajudaria muito na logística do agronegócio e no preço final dos alimentos. O Brasil precisa de uns 50 anos de muito trabalho para melhorar nossas rodovias”, conta Zezão.

Para se ter uma ideia, da fazenda do Grupo Risa que conhecemos no Piauí, em Baixa Grande do Ribeiro, a 600 km de Teresina, até o Porto de São Luís, no Maranhão, todo o percurso de deslocamento dos caminhões é feito por estrada de terra e por trechos de pouca pavimentação em condições precárias. Ao todo, são mais de 800 km.

De acordo com dados divulgados pela Mercedes-Benz, se pegarmos dois caminhões, um no Brasil e outro nos Estados Unidos, e traçarmos um trajeto com a mesma distância, aqui o tempo levado será três vezes maior para ser completado.

O pavimento usado no asfalto mais comum no país tem vida útil estimada entre 8 e 12 anos, mas esse número é muito menor em rodovias onde o fluxo de caminhões carregados é intenso. Grande parte das estradas brasileiras foram construídas na década de 1960 e estão exatamente iguais até hoje, sem qualquer manutenção, de acordo com a CNT.

Os estragos são tão grandes que grande parte da malha precisaria ser feita do zero novamente. A principal alternativa que temos são os programas de concessão das rodoviárias para a iniciativa privada feitas por meio de leilões.

O Programa de Privatização das Rodovias começou a crescer em 1995 com a gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso. Atualmente, a maioria está concentrada nas regiões Sul e Sudeste, principalmente. Como Zezão disse, se houver um trabalho intenso, serão necessários pelo menos 50 anos até nossa malha ser devidamente pavimentada e segura.

Enquanto isso, teremos grande parte dos privilégios da produção agrícola no Brasil afetados pelas condições precárias das rodovias. E quem vai continuar pagando a conta por tudo isso? A comida que está na sua mesa.

 


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