
A crise de saúde mental no trabalho alcançou números alarmantes no Brasil. Em 2024, quase meio milhão de trabalhadores precisaram se afastar por transtornos mentais, o maior índice em uma década, segundo dados do Ministério da Previdência Social. O salto foi de 68% em relação ao ano anterior — um sintoma de que a pressão e o adoecimento emocional estão extrapolando limites.
A Organização Mundial da Saúde aponta o país como líder mundial em casos de ansiedade, atingindo 9,3% da população. Pesquisas nacionais reforçam o quadro: 86% dos brasileiros apresentam algum transtorno mental, como ansiedade e depressão, e índices extremos de estresse, depressão e ansiedade atingem mais da metade dos entrevistados.
Ainda são escassas pesquisas específicas sobre saúde mental no transporte e na logística, mas as que existem apontam para um quadro preocupante e persistente. Um estudo realizado em 2021, com 120 caminhoneiros, identificou desgaste mental moderado e revelou que 43% deles sofriam de sonolência diurna excessiva — sinal claro de jornadas desreguladas e descanso insuficiente.
Outro levantamento, com 400 motoristas na região de São Paulo, mostrou que mais de 58% relataram medo, estresse e sintomas de depressão, frequentemente associados a rotinas de trabalho que ultrapassam 12 horas diárias, combinadas a sono irregular e alimentação de baixa qualidade. O mais recente Perfil dos Caminhoneiros, publicado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em 2019, reforça o retrato de sobrecarga: motoristas chegam a percorrer mais de 9 mil quilômetros por mês e a manter jornadas médias de 11,5 horas diárias.
De fato, os setores de logística e transporte são marcados por longas jornadas, isolamento, prazos rígidos e ambientes de alta pressão. Mas uma mudança legal promete trazer um novo olhar para o tema. A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), aprovada pela Portaria nº 1.419/2024, passa a exigir que os riscos psicossociais sejam obrigatoriamente identificados, avaliados e controlados no Programa de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (PGR), ao lado dos riscos físicos, químicos, biológicos, de acidentes e ergonômicos.

Riscos psicossociais são fatores presentes no ambiente de trabalho que, de forma direta ou indireta, podem provocar estresse, adoecimento emocional ou impactos negativos à saúde mental e física dos trabalhadores. Como exemplo: jornadas excessivas, pressão por resultados, isolamento, falta de apoio e assédio.
Para ajudar no entendimento do tema, o governo lançou o Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho, um documento que orienta empresas e trabalhadores sobre como identificar, avaliar e controlar situações no ambiente laboral que possam comprometer a saúde mental. O guia reforça que todo o processo deve estar devidamente documentado no PGR ou na Análise Ergonômica do Trabalho (AEP), incluindo inventário de riscos, avaliação, medidas preventivas e resultados. Essa documentação não substitui a avaliação clínica individual, mas foca exclusivamente nas condições de trabalho que podem impactar a saúde mental.
Originalmente prevista para entrar em vigor em maio de 2025, a implementação da nova NR-1 foi adiada pelo Ministério do Trabalho e Emprego para 25 de maio de 2026, com caráter apenas educativo até lá. A fiscalização punitiva começará somente a partir da nova data, o que dá às empresas mais tempo para se adequar às novas exigências, especialmente no que diz respeito à gestão de riscos relacionados à saúde mental e ao assédio no trabalho.
A importância da NR-1
A atualização da NR-1 não se resume a acrescentar um item no manual de segurança do trabalho. Mais do que uma adequação técnica, essa mudança traz um grande desafio: a construção de um novo olhar sobre o trabalho e sobre as relações humanas dentro das empresas.
“Não basta mapear riscos psicossociais e propor ações, é preciso reconstruir formas de pensar e agir que, por muito tempo, foram naturalizadas”, diz Micael Vital, psicólogo organizacional e coordenador do Comitê de Diversidade, Equidade e Inclusão do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região (SETCESP).

Claro que o desafio não é exclusivo do transporte e da logística, mas, nesses setores, o peso é ainda maior. Urgência, resultados rápidos e foco extremo na operação são características importantes para o fluxo produtivo, mas que, se não forem equilibradas, tendem a levar a uma lógica de excessiva praticidade.
“E, quando a praticidade vira regra para tudo, esquecemos que as pessoas têm complexidades. E para perceber isso, a gente precisa parar, ouvir, pensar, mesmo em meio às urgências. Afinal, isso também é urgente!”, alerta
Portanto, a atualização da norma representa um convite — e também uma exigência — para que o fator humano seja observado com mais profundidade, estimulando a criação de espaços de escuta, estratégias sustentáveis de cuidado e ambientes mais saudáveis, sem abrir mão da produtividade. “É um movimento urgente e necessário. E embora traga, sim, certo desgaste inicial – como toda mudança cultural –, os ganhos a médio e longo prazo serão enormes”, ressalta.
Para Marcella Cunha, diretora-presidente da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL), é natural que o primeiro impacto seja de cautela por parte das empresas. “O pensamento mais convencional é: ‘lá vem mais uma obrigação para lidarmos e maiores custos’. Mas é preciso calma. É importante entender o que está por trás.”
Ela destaca que a norma atua a favor dos trabalhadores e que o setor já possui áreas de RH sensíveis à pauta da saúde mental. O desafio, porém, é lidar com a diversidade de vínculos: do profissional CLT que também atua home office ao operador de armazém com horários controlados, além de terceiros, agregados e contratações temporárias, como motoristas parceiros e reforços de equipe em datas sazonais. “A diversidade de vínculos é muito grande, e as áreas trabalhistas e de RH precisam estar atentas a registrar tudo que surge”, conta.
Marcella observa que a atualização da NR-1 chega no rastro das discussões sobre saúde mental que ganharam força na pandemia e permanecem atuais. Ela diz que os Operadores Logísticos associados à ABOL têm adotado abordagens modernas e criativas para cuidar do “chão de fábrica”, elo mais sensível da cadeia.
Entre os exemplos, cita programas de valorização profissional, premiações e cafés da alta liderança com equipes operacionais. “É sobre humanizar, fazer o profissional da ponta sentir que o trabalho que ele realiza é fundamental para o abastecimento nacional.”
E reforça: a postura do setor não deve ser de resistência, mas de assimilação. “Tudo que surgir de novo em saúde mental, queremos internalizar, nos apropriar e fazer as adequações necessárias. Não rechaçar”, disse.
Falar de saúde mental não é luxo, é necessidade
A saúde mental no transporte tem urgências que a estatística não mostra. Para Vital, do SETCESP, um dos principais sofrimentos, entre os motoristas, é a solidão. “O trabalho na estrada, apesar de ter seus encantos, impõe longos períodos de afastamento da família, dos amigos e de toda uma rede de apoio afetiva e emocional. Somos seres profundamente sociais, e estar distante de quem faz parte do nosso ciclo de cuidado e pertencimento pode, sim, representar um fator de risco para a saúde mental”, expõe.

Além disso, muitos motoristas enfrentam uma rotina marcada pela incerteza, pela pressão do tempo, pelo cansaço físico e pela preocupação constante com a segurança. A precariedade da infraestrutura rodoviária em algumas regiões, o medo de assaltos, a falta de locais adequados para descanso e alimentação, tudo isso gera desgaste emocional e psicológico.
“Esse acúmulo de tensões pode levar ao desenvolvimento de quadros como ansiedade, estresse crônico e até sintomas depressivos. Por isso, falar de saúde mental nesse setor não é um luxo, é uma necessidade”, aponta Vital.
Assim como se aceita sem questionamento que um caminhão pare para abastecer ou passar por manutenção, garantindo sua eficiência, por que não é natural criar pausas para pensar, ouvir e fortalecer um ambiente emocionalmente seguro?
Estudos reforçam essa lógica: equipes que se sentem cuidadas e valorizadas têm maior engajamento, menos afastamentos por adoecimento, menor rotatividade e uma cultura organizacional mais sólida. O problema, segundo Vital, é que muitas empresas ainda enxergam ações de cuidado como perda de tempo ou gasto extra. “Enquanto continuarmos presos a essa lógica, desgastamos pessoas e enfraquecemos resultados. Quando entendemos que são práticas inteligentes e sustentáveis, tudo muda”, defende.
E essa mudança não precisa começar com grandes programas. “O importante é que seja verdadeiro e intencional. Pequenas ações consistentes fazem uma diferença enorme”, comenta.
Estereótipo negativo
De acordo com o psicólogo do SETCESP, um dos fatores mais marcantes para o adoecimento mental — e talvez o menos discutido — é o estereótipo que ainda recai sobre o caminhoneiro. Há uma imagem socialmente construída de que esse profissional é rústico, durão e pouco sensível. “E o problema disso é que, quando acreditamos que alguém não sente e não sofre, também deixamos de cuidar.”
Em suas interações frequentes com motoristas e outros trabalhadores do setor, Vital ouve repetidamente queixas sobre a forma como são tratados no dia a dia — muitas vezes com frieza, indiferença ou até desrespeito, seja por clientes ou por lideranças diretas. No entanto, na maioria das vezes, não se trata de má intenção, mas de uma consequência da rotina intensa, marcada por prazos apertados, pressão constante e necessidade de decisões rápidas.
“Esse ritmo nos empurra para um modo automático de ação e reação. Assim, perdemos o cuidado com a comunicação e esquecemos do impacto que as palavras, o tom de voz ou mesmo a ausência de reconhecimento podem ter sobre o outro”, comenta.
Vital ressalta que falta também “estrutura humana”, como escuta ativa e habilidades sociais. E lembra que, especialmente para o motorista, somam-se a isso longos períodos de isolamento e dificuldade de acesso a serviços básicos. “É um cenário que exige resiliência, mas ninguém é invencível”, afirma.

Cultura de acolhimento e liderança
A cultura organizacional é determinante para a saúde — ou o adoecimento — nas empresas. “Se entendermos cultura organizacional como o conjunto de valores, práticas e normas que moldam o comportamento no ambiente de trabalho, fica claro que ela influencia diretamente o bem-estar emocional das pessoas”, afirma Vital.
Empresas sem uma cultura bem definida, ou que ignoram o respeito, a valorização e o cuidado, tendem a se tornar ambientes hostis, com impacto coletivo sobre a saúde mental. Um relatório da Great Place to Work confirma: organizações com cultura positiva têm maior engajamento, mais produtividade e menor rotatividade. “Pensar em cultura não é apenas ‘bonito’. É estratégico e inteligente!”, reforça o psicólogo.
Nesse cenário, a liderança exerce papel decisivo. “Líderes são multiplicadores e guardiões da cultura. Quando não estão alinhados aos valores da empresa, criam-se diversas subculturas, muitas vezes desconectadas do propósito maior. Isso fragmenta a identidade organizacional e mina a segurança psicológica do time”, explica.
O silêncio institucional, alerta ele, é outro obstáculo: “Antes de esperar que as pessoas falem sobre suas dores, é preciso perguntar se a empresa oferece um ambiente psicologicamente seguro. Ou será que, mesmo sem querer, transmite a mensagem de que falar sobre sofrimento é sinal de fraqueza?”
Para Vital, do SETCESP, se a cultura empresarial enxerga colaboradores adoecidos como “frágeis” ou “descartáveis”, ninguém se sentirá seguro para pedir ajuda. Por isso, o primeiro passo para quebrar o silêncio é garantir uma cultura de acolhimento, onde a vulnerabilidade seja reconhecida como parte da experiência humana. “A escuta só é verdadeira quando existe segurança para falar.”
Faltam preparo, informação e espaço
Tanto na clínica quanto no ambiente institucional, Vital já presenciou situações graves envolvendo depressão, burnout e ideação suicida no setor de transporte e logística. Ele ouve relatos extremos, como “a empresa é o único lugar onde me sinto bem” ou “só de pensar em ir trabalhar, fico apavorado” — prova de que o ambiente organizacional pode influenciar profundamente o estado emocional, para o bem ou para o mal.
Em contextos hostis, marcados por pressão excessiva, metas irreais, assédio moral ou ausência de acolhimento, o risco de agravamento do sofrimento é alto. “Já acompanhei casos em que a empresa foi o fio que manteve a vida de alguém, oferecendo apoio real, mas também situações em que a falta desse apoio teve consequências sérias”, relata.
Na maioria das vezes, não há intenção deliberada de adoecer equipes — faltam informações, preparo e espaço para desenvolver habilidades relacionais. Não se trata de buscar culpados, mas de assumir uma responsabilidade coletiva. “Quando uma organização não promove saúde, ela adoece a si mesma”, afirma Vital.
O caminho passa por desenvolvimento, escuta ativa e cuidado mútuo. Treinar e capacitar lideranças, construir e manter ambientes positivos e fortalecer a segurança psicológica não são ações complementares: são estratégias vitais para preservar vidas.

Divisor de águas
Qualquer transformação real no cuidado com a saúde mental no transporte e na logística começa por uma mudança de mentalidade. “Se continuarmos agindo da mesma forma, colheremos os mesmos resultados. E a pergunta é: estamos satisfeitos com eles?”, provoca.
Na visão do psicólogo, um divisor de águas seria olhar de forma crítica para a cultura organizacional — não a que está descrita nos manuais, mas a que é praticada no dia a dia. “A cultura orienta comportamentos, decisões e relações. E é preciso se perguntar: ela está sendo uma aliada ou um obstáculo para a saúde dos colaboradores?”
O ponto de partida não exige grandes investimentos, mas sim compromisso genuíno com as pessoas: fortalecer uma cultura de escuta, incentivar o diálogo e criar espaços psicologicamente seguros para trocas francas. O termômetro para medir o progresso é simples, diz o psicólogo: observar se as pessoas se sentem vistas, ouvidas e valorizadas — e isso vai muito além do salário.
“Quando conseguimos responder ‘sim’ a essas perguntas, com segurança, significa que estamos construindo um ambiente mais saudável. E isso transforma tudo”, salienta.
Inspirações
No dia a dia do SETCESP, Vital tem acesso privilegiado a uma ampla variedade de transportadoras — de diferentes portes, estruturas e regiões — e coleciona exemplos de práticas simples, mas de impacto profundo.
Uma das que mais o inspiram é a criação de momentos breves, porém genuínos, de troca entre equipes. São cafés da manhã com o time, encontros rápidos para conversas sinceras ou comemorações mensais de aniversariantes. Na maioria das vezes, não é sobre o que se come ou quanto custa, mas sobre criar um espaço de escuta, olhar nos olhos e reconhecer a presença do outro.
Ele também destaca o valor de uma comunicação humanizada, clara e respeitosa no dia a dia — algo que ainda é um grande desafio para muitas organizações. Gestos simples, como um “bom dia, tudo bem com você?” ou o acompanhamento atento em momentos difíceis, podem ter um efeito transformador no clima organizacional.
“Tratar os colaboradores com o mesmo cuidado que tratamos os clientes é uma escolha estratégica. Onde há cuidado, há conexão. E onde há conexão, há potência”, afirma.

Protocolo de primeiros passos
Vital propõe um caminho simples e estruturado para iniciar a virada cultural:
- Passo zero – Pare para pensar
Antes de qualquer ação, respire e reflita: como está a empresa hoje, o que se quer construir e para onde se quer chegar. Em um setor acelerado, essa pausa é o mapa que orienta o caminho.
- Levantamento de demandas
Ouça todos os níveis hierárquicos com abertura e disposição. Garanta segurança psicológica para que informações críticas cheguem sem medo ou censura.
- Planeje com base na realidade
A partir da escuta, desenhe estratégias que funcionem tanto para o negócio quanto para as pessoas. Nada de modelos prontos — o ajuste fino é o que gera resultado.
- Fortaleça a liderança
Alta gestão, RH e líderes precisam estar juntos, alinhados e capacitados. São eles que sustentam e multiplicam a transformação no dia a dia.
- Revise processos e sistemas
Verifique se é preciso adaptar ferramentas e rotinas para atender às novas demandas da norma e da cultura desejada.
- Reinterprete a crítica
Reclamações e insatisfações não são ameaças — são sinais valiosos do que precisa ser revisto. Trate-as como oportunidades de ajuste.
- Aja com coerência
Mais do que orçamento, é atitude: intenção, coragem e humanidade. Caminhe passo a passo, garantindo que o que se diz seja o que se faz.
Cuidado com a saúde mental na prática
Neste cenário, algumas empresas do setor logístico começam a transformar discurso em prática. Entre elas, a Log-In Logística Integrada — grupo que atua com soluções logísticas, movimentação portuária, navegação de cabotagem e Mercosul, além da ponta rodoviária — que incorporou o bem-estar emocional como pilar estratégico para produtividade e segurança.

Com esse propósito, a companhia estruturou o programa Viva Bem Log-In, que integra ações voltadas à saúde física, emocional e social, envolvendo recursos internos e parcerias especializadas. Dentro dele, destaca-se o Mente Plena, que oferece suporte psicológico contínuo, acolhimento e encaminhamentos personalizados, com atendimento ágil e sigiloso.
Segundo Andréa Simões, diretora de Gente, Cultura e Transformação Digital da Informação, a estratégia parte da convicção de que colaboradores equilibrados emocionalmente são mais engajados, criativos, colaborativos e resilientes.
Para isso, toda a equipe de saúde em terra recebeu treinamento específico sobre as diretrizes da NR-1 e a abordagem emocional necessária, enquanto o time embarcado é capacitado para identificar e gerenciar questões de bem-estar mental em contextos de alto isolamento e pressão. Também há treinamentos focados em gerenciamento de estresse e gestão das emoções.
A liderança ocupa papel central nessa estrutura. Gestores recebem capacitação para apoiar as equipes, identificar sinais de sofrimento mental e adotar medidas preventivas, sempre alinhados aos parâmetros da NR-1. Essa formação inclui escuta ativa, empatia e criação de ambientes seguros para o diálogo. “A liderança deve atuar como exemplo, sustentando uma cultura organizacional que valorize o bem-estar e o suporte mútuo”, reforça Andréa.
As ações são acompanhadas de forma sistemática por indicadores mensais, monitorados em parceria com consultoria especializada. Métricas como absenteísmo, clima organizacional e engajamento orientam ajustes estratégicos e permitem mensurar resultados. Essa abordagem baseada em dados já aponta melhorias no ambiente de trabalho e redução de faltas, confirmando que a saúde mental é um investimento que se converte em produtividade e segurança operacional.
O programa também demonstra capacidade de resposta rápida. Em casos de crises emocionais, burnout ou conflitos interpessoais, há protocolos para atendimento imediato, acolhimento psicológico e encaminhamento a suporte especializado — interno ou externo. Essas experiências fortalecem o ciclo de aprimoramento contínuo, capacitando líderes a identificar sinais precoces e agir preventivamente.
Para Andréa, o maior desafio do setor é superar o estigma que associa vulnerabilidade à fraqueza — herança de uma cultura marcada por resiliência silenciosa. Romper esse padrão, diz ela, exige campanhas permanentes de conscientização, workshops que desmistifiquem o tema e canais de escuta protegidos por sigilo e confiança.
Entre as práticas estruturadas pela Log-In, destacam-se:
- Programas contínuos de suporte à saúde mental;
- Capacitação de equipes e líderes para prevenção de riscos psicossociais;
- Criação de canais seguros para busca de ajuda;
- Campanhas e workshops regulares sobre autocuidado;
- Monitoramento de impacto por meio de dados objetivos.
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Para empresas que desejam iniciar ações semelhantes, o conselho é simples: “Comece pequeno e com empatia”, recomenda Andréa. Espaços seguros de escuta, mesmo que informais, ajudam a mapear necessidades reais e a construir confiança, criando base para evoluir em treinamentos e campanhas. O essencial é tratar o tema como investimento estratégico e permanente.
O compromisso da Log-In nessa frente garantiu à companhia participação na primeira edição do Vittude Awards, premiação nacional voltada à saúde mental — reconhecimento que reforça a motivação para avançar. E, para Andréa, a equação é direta: “Cuidar da saúde mental no setor de transportes é investir na força humana que move toda a cadeia logística com segurança, eficiência e humanidade.”
Felicidade como prevenção de riscos psicossociais
Além de seguir as exigências da NR-1, empresas podem fazer mais: o Grupo Heineken criou uma Diretoria de Felicidade, reunindo profissionais de RH e saúde para integrar o cuidado físico e mental dos colaboradores. A área atua em temas como prevenção de assédio, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e fortalecimento das lideranças, além de manter indicadores de diversidade, equidade e inclusão.
Com iniciativas como Laboratórios de Felicidade e uma rede de embaixadores internos — que já ultrapassa 200 pessoas, com meta de chegar a 800 — a empresa busca transformar valores como respeito e cuidado em práticas concretas que reduzem riscos psicossociais, aumentam a sensação de pertencimento e fortalecem a cultura organizacional.
A experiência, embora nascida no setor de bebidas, pode inspirar empresas de qualquer segmento a repensar suas políticas de bem-estar e gestão, mostrando que investir na felicidade corporativa é também investir em produtividade e sustentabilidade a longo prazo.
Prorrogação da Nr-1 não é motivo para adiar a adequação

O prazo para adequação à NR-1, estendido até 25 de maio de 2026, demonstra que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) reconhece os desafios para atendimento às novas exigências, especialmente para empresas de pequeno e médio porte, que muitas vezes precisam de mais tempo e recursos para implementar mudanças.
Segundo Neide Leite Galante, diretora de Recursos Humanos, Gestão e Desenvolvimento de Pessoas do ButtiniMoraes Advogados, o período extra deve ser encarado como oportunidade de aprofundar a compreensão das diretrizes, capacitar equipes e aprimorar processos. “É o momento de realizar levantamentos e avaliações de riscos com mais rigor, elaborar planos de ação robustos e ajustar rotinas internas para que a implementação do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) seja eficaz”, avalia.
A nova redação do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), disponível na Portaria MTE nº 765/2025 e na NR-1, estabelece uma abordagem mais ampla e preventiva. Entre as mudanças, destacam-se:
- Gestão contínua — o gerenciamento de riscos passa a ser um processo dinâmico, com atualizações regulares no PGR;
- Envolvimento dos trabalhadores — participação ativa dos colaboradores na identificação de riscos e proposição de melhorias;
- Responsabilidades claras — empregadores e empregados com papéis bem definidos na implementação das medidas de segurança;
- Documentação detalhada — inventário de riscos e planos de ação claros, completos e revisados periodicamente.
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Mais do que atender a uma obrigação legal, a proposta busca criar ambientes de trabalho mais seguros, prevenindo afastamentos e controlando situações como sobrecarga de trabalho, assédio e jornadas extenuantes — fatores diretamente ligados à saúde física e mental das equipes.
“Embora a prorrogação seja um alívio, não se deve esperar até o último momento. O planejamento estratégico agora evitará correrias e penalidades no futuro, que podem incluir multas e sanções”, reforça Neide.
Para uma transição eficiente, especialistas recomendam:
- Estudar a nova legislação — consultar a Portaria MTE nº 765/2025 e a NR-1 para compreender as exigências;
- Capacitar equipes — investir em treinamentos para profissionais de RH e segurança do trabalho;
- Iniciar o PGR o quanto antes — realizar o levantamento de riscos e elaborar o plano de ação;
- Contar com especialistas — buscar apoio de consultorias ou profissionais experientes em segurança e saúde ocupacional.

A advogada lembra que o cumprimento proativo da norma também é um diferencial competitivo. “Empresas que demonstram compromisso genuíno com saúde e segurança se tornam mais atrativas para profissionais de alto potencial e fortalecem o vínculo com seus times. É um investimento que gera retorno em produtividade, retenção e reputação”, conclui.
De fato, na logística e no transporte, cuidar da saúde mental não é um gesto opcional nem um benefício de ocasião — é uma estratégia para manter a operação viva e sustentável. Entre prazos, pressões e jornadas intensas, a capacidade de um setor inteiro de entregar com segurança e eficiência depende, antes de tudo, da preservação de quem faz acontecer.
O cuidado com a mente é a engrenagem que mantém todas as outras rodando. Quando essa engrenagem falha, toda a cadeia sente o impacto; quando ela funciona bem, o resultado é um fluxo contínuo de produtividade, engajamento e humanidade.
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