Consequências
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* Por Urubatan Helou

Reflexões sobre a crise gerada pela pandemia

Quando a pandemia se apresentou aqui no Brasil, eu confesso que foi um grande susto para todos nós. A doença nos fazia imaginar que o mundo econômico pararia. Logo vieram as primeiras contenções, e no vácuo dessas restrições, o pensamento de que nós não teríamos nada a transportar. 

Não só pela possibilidade de assistirmos os nossos negócios ruírem como também pela probabilidade de observarmos uma grande devastação humana por meio da perda de amigos, de entes queridos e da nossa própria vida.

De fato, as primeiras notícias foram de grande impacto. 

Mesmo assim, diante da deflagração do processo epidemiológico o setor não parou. Ele diminuiu muito o seu volume, mas não parou. À medida que a atividade econômica sofreu uma abrupta interrupção, nosso setor sofreu a consequência disso. 

De qualquer maneira, termos sido considerados um setor essencial nos manteve vivos. Permanecemos realizando as operações de entregas em supermercados, em farmácias, em hospitais, em oficinas mecânicas, fazendo com que, efetivamente, a vida humana pudesse continuar tendo o mínimo de normalidade. 

Nosso setor é um setor multifacetado. Muitas transportadoras não tiveram nenhum problema com a questão da pandemia, notadamente, as transportadoras do agronegócio.

Já as empresas de transportes geral, de transporte industrial e as empresas de carga fracionada, como a Braspress, tiveram um impacto muito grande. Somos de uma atividade que atende o comércio e o varejo e estas foram as atividades mais sacrificadas do ponto de vista do isolamento social, trazendo uma grande redução no volume de carga transportada. 

Recuperar aquilo que nós não transportamos, isso não será mais possível. A carga não transportada ontem não será transportada no futuro. Poderemos, sim, assistir a ampliação dos volumes dos nossos negócios, na medida em que a economia for aumentando, reorganizando e criando mais musculatura. 

Agora, não vamos nos esquecer de que isso não vai acontecer daqui um ou dois meses.  Mas, para que nós possamos recuperar os oito pontos percentuais de PIB (Produto Interno Bruto) que os país está perdendo, seguramente, vamos precisar passar por 2021, 2022, para que em 2023 possamos assistir essa recuperação.

O Transporte Rodoviário de Cargas é uma atividade econômica de capital intensivo e de custos fixos muito altos. Junte a isso uma freada brusca da economia e as consequências são extremamente ruins. 

Porém, esses efeitos extremamente ruins não serão observados agora, serão vistos ao longo dos próximos seis ou sete meses pós-pandemia, pois será quando acontecerá a retomada econômica e as transportadoras que tiveram seus caixas prejudicados terão necessidade de capital de giro para financiarem as suas operações. 

E, ainda, tivemos a questão do desemprego. Segundo o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), geramos durante o período de pandemia mais de 1 milhão de desempregados no Brasil, sendo esses majoritariamente oriundos das empresas de serviços.

E muitas mudanças provocadas por esse processo pandêmico vieram para ficar. Durante esse período, todos nós pudemos fazer grandes ponderações sobre a vida humana e sobre a vida empresarial. Essas reflexões, se levadas a bom termo, seguramente nos farão evoluir como empresários e melhorar como seres humanos. 

Acredito que algumas coisas ficarão, como o trabalho por home office. Daqui por diante, o home office será utilizado em grande escala, trazendo grande economia para as empresas prestadoras de serviços. Portanto, teremos algumas vantagens no pós-pandemia. 

Ferramentas de conferência digital também já existiam, nós é que não utilizávamos com todo o potencial que ela poderia oferecer. É fato de que doravante essas ferramentas inibirão o deslocamento – nossos e dos nossos executivos – para as filiais. É evidente que, algum deslocamento haverá, mas não no volume que tínhamos anteriormente. 

Toda crise deixa seu legado, seja uma crise pandêmica ou econômica. Muitos legados ficarão, mas o principal deles que durará para sempre é que o ser humano precisa do ser humano. O isolamento social nos traz um sentimento muito grande de impotência quando estamos sozinhos. Quando nós estamos juntos, nós somos mais fortes. 

O setor de transportes já passou a ser mais reconhecido após o início da pandemia. O trabalho desenvolvido pelo nosso Sistema S (SEST SENAT), pela Confederação Nacional do Transporte e pelas entidades de classe deram relevo ao nosso setor e levaram à sociedade o sentimento de importância e essencialidade da atividade de transporte rodoviário de cargas e do transporte como um todo. 

Tenho 70 anos de idade, e nossa empresa acabou de completar 43 anos. Já vivemos diversas crises e passamos por diversos planos econômicos. Tivemos uma grande crise durante o plano Collor. Foi um momento em que houve um grande malefício à atividade econômica brasileira, porque logo nos primeiros seis meses passamos por uma paralisia econômica. Creio que a paralisia do pós-plano Collor tenha sido tão cruel quanto esta paralisia provocada pela Covid-19. Passamos por aquela crise e estamos passando por essa.

Crises nos calejam, mas quero dizer que prefiro viver em mar azul do que viver em mar vermelho. Essa coisa de adquirir experiência é muito boa, mas não devemos passar por isso novamente, o nosso povo não merece isso. Portanto, precisamos ter consciência política para elegermos bons políticos, que vão conduzir o país a um destino mais seguro.   

Estamos vivendo um período em que se quebra uma política econômica que vinha sendo desenvolvida no Brasil: a economia liberal. O liberalismo poderá ser exercido após a recuperação. Nesse momento, é fundamental a presença do Estado. O Estado precisa estar presente para socorrer pessoas e, também, empresas. Afinal, as empresas socorridas poderão gerar empregos. 

Só mesmo as empresas fortalecidas poderão fazer com que esses desempregados tenham novamente as suas vagas de trabalho preenchidas para, assim, vivermos o restabelecimento econômico. Esse momento passará e, com todas as providências devidamente tomadas na saúde e na economia, sairemos melhores que outrora. 

*Urubatan Helou é Diretor Presidente da Braspress Transportes Urgentes e Conselheiro do SETCESP.


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