Existem insatisfeitos em diferentes graus, mas há quem afirme que ficará de fora e acredite que o edital traz todas as características de uma licitação deserta, ou seja, sem nenhuma proposta.O governo paulista está testando na licitação do Rodoanel uma mudança no modelo de concessões rodoviárias. No novo sistema caberá ao setor privado a gestão do trecho Sul, já pronto e funcionando, e simultaneamente a construção e operação do trecho Leste. No jargão do setor, é um projeto do tipo greenfield, erguido a partir do zero, algo inédito no ramo rodoviário. Mas as críticas se concentram em um ponto: os riscos ambientais e os custos decorrentes das desapropriações ficarão a cargo das empresas.
No modelo tradicional de concessões rodoviárias, usado pelo governo paulista na concessão do trecho Oeste do Rodoanel, o Estado se responsabiliza pela construção da obra e o ativo é entregue pronto à inciativa privada, em troca do pagamento de uma outorga. No caso do trecho Oeste do Rodoanel, deu certo: a concessionária de rodovias CCR levou o trecho, ofereceu um deságio de 61% no pedágio sugerido e ainda pagou uma outorga de R$ 2 bilhões pelo trecho.
No novo modelo, a outorga é pequena – R$ 370 milhões – mas a responsabilidade na construção do trecho Leste é grande. “Tudo o que não é comum, se feito em grande escala, dá medo“, diz fonte do ramo. São comuns desapropriações associadas às concessões tradicionais, mas normalmente poucas e pequenas, direcionadas a algumas obras – viadutos, pistas marginais, etc. No caso do trecho Leste, trata-se de uma faixa de 42 km de extensão por 130 metros de largura cruzando a zona Leste da capital, exigindo a desocupação de 1.070 imóveis. O governo estima que haverá um custo de R$ 1,1 bilhão em desapropriações.
No trecho Sul, de 57 km, esse valor superou R$ 1,3 bilhão e os custos ambientais ficaram próximo de R$ 500 milhões, segundo informações divulgada na época.
Pelo modelo, o governo entrega ao concessionário as declarações de interesse público e a empresa negocia com cada proprietário o preço do negócio. O negócio depende da concordância do proprietário e da realização de perícias. No fim quem tem poder para fechar o negócio é a Justiça.
Um advogado especializado em disputas em desapropriações movidas pela Dersa, estatal paulista de obras rodoviárias, e Metrô, avalia que, além do custo, há o risco do prazo. O edital exige que a rodovia seja entregue exatos 36 meses após a assinatura do contrato. Segundo o especialista – que preferiu não se identificar -, é impossível dizer quanto tempo demora uma desapropriação. “Se eu fosse advogado das empresas, não recomendaria a assinatura do contrato“, diz.
As críticas foram tratadas com insistência pelos investidores durante a audiência pública sobre o edital, realizada em janeiro deste ano, mas sem resultado. Um representante da CCR, a maior concessionária do país, sugeriu ao Estado que ele deveria assumir as despesas com desapropriações e compensações ambientais, ou fixar um teto máximo de despesas assumidas pelo setor privado.
Outra questão é a taxa interna de retorno (TIR) calculada para o negócio, de 8% – equivalente à usada nos editais das concessões mais recentes. Na audiência pública, o ponto foi levantado por um representante do Itaú BBA, para quem “seria mais prudente partir de uma TIR superior, haja vista os maiores riscos deste projeto em relação ao lotes anteriores“, diz a transcrição da audiência, anexada ao edital.
Há ainda a previsão de R$ 105 milhões em programas ambientais. Dizem fontes do setor, entre a licença ambiental prévia emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, que garante o início da obra, e a licença definitiva, os custos podem aumentar. Além disso, há o risco de o Ministério Público entrar na disputa exigindo na Justiça novas despesas. Foi o que ocorreu no trecho Sul do Rodoanel, que começou estimado em R$ 3,5 bilhões e acabou custado R$ 5 bilhões, em parte devido a custos ambientais – mas naquele caso, são custos de responsabilidade da Dersa.
Além dos questionamentos quanto aos custos da rodovia, há o risco da evolução do tráfego, em especial no trecho Leste. Segundo uma das críticas, o volume estimado para o tráfego no trecho Leste não leva em conta o impacto do prolongamento da avenida Jacú Pêssego, que passará a ligar o Rodoanel Sul até a rodovia Presidente Dutra, do outro lado da cidade, criando uma espécie de rota de fuga não-pedagiada, paralela ao trecho Leste – onde a tarifa-teto estimada pelo governo é a mais alta do conjunto do Rodoanel, de R$ 6,00.
O secretário paulista dos transportes, Mauro Arce, minimiza as críticas. Diz que os consórcios de fato questionaram o problema do risco de desapropriação, alguns representantes com mais ênfase do que outros, mas não acredita que isso ameaçe a licitação. Para Arce, faz parte do jogo os interessados criticarem o edital para afastar a concorrência. “É como comprar um carro usado. Ninguém fala bem antes de fechar negócio“, diz.
O secretário também avalia, no caso das desapropriações, que o valor apresentado como estimativa pelo governo pode variar para mais ou para menos na hora em que as empresas assumirem o custo – e fecharem negócio com os proprietários. E o risco dessa variação faz parte da natureza do negócio. Para Arce, as empresas possuem bons negociadores, e devem se sair melhor até do que o Estado ao fecharem as desapropriações.
voltar