Proposta reconhece que a saúde mental não é estática e aposta é na prevenção para frear a perda de milhares de vidas no trânsito todos os anos
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (12/11) o parecer favorável ao Projeto de Lei 4111/2023. A medida institui a obrigatoriedade do exame psicológico em todas as renovações da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para todos os condutores e significa uma conquista para profissionais e entidades que há anos defendem: o trânsito brasileiro, um dos mais violentos do planeta, é um problema de saúde pública que exige atenção imediata. E o elemento crucial por trás dessa realidade não está somente na situação das vias ou dos automóveis, mas na condição mental de quem está ao volante.
O Brasil figura entre as nações com os mais altos índices de fatalidades no trânsito. E isso representa um grande ônus: uma análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) calculou o impacto em alarmantes R$ 132 bilhões por ano, incluindo custos hospitalares, prejuízos de produtividade e estragos em veículos e infraestrutura. O cerne da questão, destacado pela Organização das Nações Unidas (ONU), é que 90% das colisões têm como causa elementos comportamentais. É nesse contexto que a sanção do projeto se transforma em um marco decisivo.
Para Adalgisa Lopes, psicóloga voltada para o trânsito e presidente da Associação de Clínicas de Trânsito de Minas Gerais (ACTRANS-MG), a norma ajusta uma lacuna de risco no modelo vigente. “Ninguém obtém um certificado de ‘bom condutor’ permanentemente. Imprevistos ocorrem: tensão, perdas, crises de ansiedade, transtornos depressivos. Desconsiderar que o equilíbrio emocional de um indivíduo se transforma ao longo dos anos é equivalente a fornecer um instrumento perigoso a alguém sem averiguar se ela está apta a utilizá-lo”, analisa.
No momento, o teste psicológico é solicitado só na emissão da primeira habilitação ou para condutores profissionais. A nova legislação amplia essa pré-condição para todos os habilitados, a cada vez que a CNH for revalidada. A explicação é clara: o bem-estar psicológico não é imutável e descuidar da sanidade dos motoristas resulta na perda de milhares de vidas anualmente.
Foco na precaução
Profissionais da área esclarecem que os laudos psicológicos funcionam como um mecanismo de proteção e antecipação de problemas. Giovanna Varoni, psicóloga com foco em Trânsito, detalha que a análise é um gesto de zelo. “É a oportunidade de orientar um chefe de família, sob pressão e angustiado, que possivelmente ele requer um respiro e acompanhamento antes de se transformar, sem querer, no responsável por uma fatalidade”, comenta Varoni. “O objetivo é resguardar a coletividade, mas igualmente amparar o próprio cidadão.”
Essa compreensão é respaldada por estatísticas da OMS que situam o Brasil como o país com a maior taxa de transtornos de ansiedade no globo (9,3% dos habitantes). Quadros como esse, somados à depressão e ao esgotamento, interferem de forma direta na concentração, nos reflexos e nas escolhas do motorista.
Para Carlos Luiz Souza, psicólogo e vice-presidente da instituição, a questão econômica oposta à regra é inconsistente se analisada com visão ampla. “Os cidadãos questionam o valor de uma avaliação, mas ninguém mede o preço de uma vida ceifada. O gasto com o procedimento é mínimo comparado aos milhões que o Brasil desembolsa todo ano com as consequências humanas e patrimoniais que os sinistros provocam”, defende.
Diante do consentimento da CCJ, o texto que já foi acatado pelo Senado (surgiu como PLS 98/2015), ainda precisa ser submetido ao plenário da Câmara para, posteriormente, ser encaminhado para a assinatura do Presidente da República.
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