Após exame toxicológico obrigatório, habilitações para caminhoneiros e motoristas de ônibus caíram 18%
Compartilhe

Desde que o exame toxicológico se tornou obrigatório em 2016 para motoristas profissionais que transportam passageiros ou cargas — medida que pode ser derrubada pelo projeto de trânsito enviado pelo governo Bolsonaro ao Congresso — houve redução de 1,16 milhão de habilitações ativas para as categorias C, D e E em todo o país. O total de licenças para dirigir passou de 6,2 milhões, em julho de 2016, para 5,1 milhões em julho de 2019, de acordo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

A queda de 18% em quatro anos, nas categorias que compreendem caminhoneiros e motoristas de ônibus, vai na contramão do aumento geral das habilitações no país, que passaram de 66,6 milhões para 72,9 milhões no mesmo período. As licenças para moto e carro, por exemplo, subiram 19%.

Os dados do Denatran apontam que as maiores quedas de habilitações C, D e E foram registradas em São Paulo (25%) e em Santa Catarina (22%). Marcio Liberbaum, presidente do Instituto de Tecnologias para o Trânsito Seguro (ITTS), explica que, na prática, a diminuição de habilitações para veículos pesados no Brasil foi ainda maior, de cerca de 2 milhões, se consideradas as renovações esperadas para o período, com base na projeção histórica de crescimento destas licenças no país. As habilitações vinham subindo antes da obrigatoriedade do exame.

— É uma relação de nexo causal. Tivemos liminares contra o exame toxicológico obtidas pelos Detrans nos estados. Assim que foram derrubadas, em momentos diferentes, houve queda logo em seguida de habilitações. Onde houve liminar, no momento exato em que foi derrubada, houve também queda imediata de acidentalidade. Os veículos pesados são uma fração pequena da frota, mas são responsáveis por mais da metade dos acidentes com vítimas fatais. É uma proteção a todos nós. Estamos economizando vidas. O exame está produzindo resultado pro Brasil — defende Liberbaum.

Cocaína e opiáceos

O exame toxicológico é feito na emissão e renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e, para empregados no regime CLT, quando o motorista é contratado. O teste aponta o uso regular de drogas nos últimos 90 dias ou em período ainda maior de tempo, a partir da queratina, célula que compõe o cabelo e as unhas. A obrigatoriedade do exame é um dos alvos do projeto de lei com alterações nas regras de trânsito apresentado pelo governo Bolsonaro em junho. A proposta é analisada por uma comissão especial criada no último dia 10 na Câmara dos Deputados.

Um levantamento da Associação Brasileira de Toxicologia (Abtox), com 130 mil exames em todos os estados do país, revela que 69% dos testes positivos para drogas, realizados entre 2016 e 2019, detectaram uso de cocaína. Em segundo lugar, aparecem os opiáceos (19%), remédios derivados da papoula, a flor usada para fazer ópio e heroína.

— A droga psicoativa, como a cocaína, é utilizada não para lazer, mas como instrumento de ativação do sistema nervoso central, como estimulante, para a pessoa dormir menos. O motorista busca nas substâncias estimulantes algo que o faça dirigir mais tempo e ser mais competitivo. É como se fosse um atleta profissional que usa dopping para vencer uma competição. Ao mesmo tempo, fica inabilitado a exercer uma profissão de risco, seja ele motorista de caminhão, piloto de avião, ou comandante de embarcação — afirma José Martins, da Abtox.

Rodolfo Rizzotto, do SOS Estradas, avalia que a obrigatoriedade do exame não só tira das estradas usuários de drogas, mas acaba ajudando na recuperação dos motoristas:

— Estudos realizados (antes do exame se tornar obrigatório) mostravam positividade para drogas de 20% a 30% entre os caminhoneiros. Para motoristas de carga perecível, chegava a 50%. Isso caiu brutalmente. Muitos condutores começam a entender que precisam parar de usar drogas para renovar a CNH. É o que chamo de abstinência induzida. Você tem um percentual considerável de motoristas que para de usar.


voltar