A aposta do governo nas concessões rodoviárias para destravar o crescimento do país enfrenta um obstáculo nada trivial: os desfalques de recursos humanos da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável, entre outras coisas, pela fiscalização das estradas sob concessão. É um problema que afeta o órgão de alto a baixo, incluindo a cúpula e todo o corpo técnico.
No dia 18 encerra-se o mandato do diretor Jorge Bastos. Seria um evento corriqueiro na administração pública não fosse o fato de que ele é o único dos quatro diretores da agência com mandato de fato, depois de sabatina e chancela do Senado. Os outros três executivos em atuação foram nomeados provisoriamente, por meio de portaria, em março de 2012. Um quinto cargo semelhante está vago.
Graças à condição privilegiada entre os pares, o nome de Bastos é usado em outra gambiarra institucional: é o diretor-geral em exercício, já que ninguém foi indicado para a função desde que o governo sofreu uma das maiores derrotas políticas no Congresso: o veto, naquele mês de março, à recondução do então comandante da agência, Bernardo Figueiredo.
Todos os interinos contrariam a Lei 10.233, de 2001, que criou a ANTT. De acordo com o texto, “os membros da diretoria serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos a serem exercidos e serão nomeados pelo presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal”. Não se faz exceção nem mesmo nos casos de vacância do posto.
A defasagem na equipe operacional não é menos preocupante. “Entre todas as agências reguladoras, a ANTT é a que está mais distante do que seria necessário em termos de pessoal. Nem mesmo os quadros previstos na lei de criação dela foram completados até hoje”, critica João Maria Medeiros, presidente do sindicato que representa todos os funcionários do sistema regulatório, o Sinagências.
De acordo com informações da própria ANTT, das 1.705 vagas de trabalho que há na autarquia, 734 seguem sem ocupação, o que representa 43% do total. A situação é pior na tropa de elite do órgão regulador, os especialistas em regulação, entre os quais a vacância representa 56,4%. É um contraste com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), na qual quase todo o quadro de pessoal está completo.
PRIVATIZAÇÃO O quadro defasado da agência pode significar uma pedra ainda maior no sapato do governo. Segundo a ANTT, 200 servidores são responsáveis pela fiscalização das rodovias concedidas à iniciativa privada – um total de 9.488 quilômetros entre os contratos já firmados ou prestes a serem assinados, uma vez que os resultados dos certames foram divulgados. Em 31 de janeiro último, a presidente Dilma Rousseff anunciou, em cerimônia no Palácio do Planalto, mais um pacote de privatizações, de 2.600 quilômetros , dos quais 2.282 quilômetros devem ser duplicados.
Para Paulo Fleury, diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), não será possível conseguir o cumprimento da qualidade e dos prazos nas concessões sem uma fiscalização rigorosa. “Os empresários querem maximizar o retorno. Se não houver exigência, não vão fazer”, resume. Fleury, que é também professor da Coppead, escola de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que as carências, ainda que mais graves na ANTT, são um problema geral das agências reguladoras. “É uma questão ideológica. Lula disse, no começo de seu primeiro mandato, que elas eram a privatização da administração pública. Eles estão aprendendo. Mas não sei se houve convencimento. Acho que é um sapo que decidiram engolir.”
Ironicamente, o próprio governo ataca os erros da agência. Não houve interessados no leilão da concessão para a BR-262. E o ministro dos Transportes, César Borges (PR), culpou o quadro técnico da ANTT por uma resposta sobre a responsabilidade pública e privada da obra. Borges, porém, é uma das razões para a agência seguir com parte da cúpula incompleta. Ele e o partido reivindicam as nomeações. O Planalto resiste. E prefere deixar tudo como está.
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