A colunista Sofia Esteves escreve sobre os riscos para a imagem profissional de um uso superficial da tecnologia
Se tem um assunto que se manteve em alta ao longo de todo 2025 foi a inteligência artificial. O tema da vez permanece firme no fim do ano e, inclusive, aquecido com toda a discussão sobre a bolha da IA.
Até agora, não há consenso: de um lado, há quem enxergue o cenário como parte natural de um ciclo de maturação tecnológica; de outro, quem veja sinais claros de um excesso de entusiasmo e de investimentos sem lastro real em inovação. Como entusiasta da inteligência artificial, acompanho de perto essa discussão; e um dos aspectos que tem me interessado é como o debate traz alertas importantes para o nosso presente – em particular, para a nossa carreira.
Ao ter contato com diferentes visões sobre a bolha da IA, comecei a pensar sobre o risco do modismo. Não que a inteligência artificial seja uma tendência passageira. Longe disso! Acho que todo mundo concorda que se trata de uma das transformações tecnológicas mais profundas das últimas décadas, com potencial real de redefinir como pensamos, trabalhamos e criamos. Ainda assim, ela não faz milagres: para dar resultado, é necessário entendimento, propósito e método. Precisa ter conhecimento, intenção e discernimento sobre o que realmente faz sentido aplicar.
Contudo, o que acontece muitas vezes é o uso da IA como um acessório para chamar a atenção. Vi especialistas se referindo a isso como uma “etiqueta” para atrair a empolgação de investidores.
Essa abordagem, infelizmente, também tem sido adotada no nível individual. Ou seja, não são só as empresas que “colam o rótulo” da IA para parecer inovadoras, mas também as pessoas. Me refiro a profissionais que usam a versão mais atualizada do ChatGPT, por exemplo, só porque é o padrão na empresa ou para poder afirmar em uma entrevista que adotam IA no dia a dia. Porém, a experiência se limita a isso.
Não há curiosidade genuína, nem aprofundamento, nem reflexão sobre como aquela ferramenta poderia realmente ampliar a performance ou resolver um problema concreto. É um uso automático – quase simbólico – que reforça a aparência de modernidade, no entanto, não constrói competência.
O resultado é um tipo de profissional que sabe “usar” IA, mas não sabe pensar, atuar e inovar com a tecnologia. E essa diferença, que pode parecer tão sutil, é determinante para o desenvolvimento de uma carreira nos tempos atuais.
Veja que a demanda não é por conhecimento técnico acerca da inovação. Ninguém está pedindo que os novos talentos tenham pós-doutorado em ciência da computação ou engenharia de dados. O ponto é ser capaz de ir além do modismo porque tendências vêm e vão, porém, a capacidade de pensar de forma crítica, conectar ideias e aprender de forma contínua permanece.
A inteligência artificial é uma ferramenta poderosa, só que, como toda ferramenta, seu valor depende de quem a utiliza, como ela é usada e do propósito com o qual ela é aplicada. Quando a adoção da IA ou de outra tecnologia se limita a seguir o fluxo, apenas para não parecer ultrapassado, a chance é que o resultado seja raso: pouco aprendizado, pouca diferenciação e, no fim, nenhuma transformação real.
No entanto, se há um conhecimento mais profundo e uma estratégia realmente pensada, a tecnologia deixa de ser vitrine e passa a ser alavanca. Ela amplia a visão, impulsiona a tomada de decisão e fortalece competências humanas que continuarão sendo essenciais, como análise, empatia e criatividade.
Quem acredita que a bolha deve estourar argumenta que esse efeito vem, em parte, do mau uso da IA. Muitos negócios que receberam investimentos, na verdade, utilizaram a inteligência artificial apenas como uma “nova embalagem” para serviços que já existiam e isso, inevitavelmente, cria uma quebra de expectativa. A frustração é grande, afinal as promessas eram de revolução, mas o que se entregou foi apenas uma versão repaginada do que já existia.
Por um tempo, essa estratégia até sustenta manchetes, atrai capital e gera visibilidade. Contudo, sem inovação concreta, a confiança se desgasta.
Da mesma forma, profissionais que apenas “se vestem” de digitais, sem mudar de fato a forma de pensar e atuar, também acabam gerando essa quebra de expectativa. No início, o discurso pode até convencer – um currículo atualizado, menções a ferramentas da moda, palavras-chave alinhadas às tendências -, só que, com o tempo, a prática revela o quanto há (ou não) de consistência por trás da aparência.
O problema de tratar a IA como uma embalagem também vale para a carreira: quando a forma se sobrepõe ao conteúdo, o resultado pode até parecer moderno, mas é vazio. Como se diz na moda: o visual não para de pé. E o mercado, assim como os investidores, têm cada vez menos paciência com a estética vazia disfarçada de inovação.
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