As alterações na NR-1 e os riscos psicossociais
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Narciso Figueirôa Junior 
Assessor Jurídico do SETCESP

A saúde e segurança no trabalho possui previsão no art.7º, XXII, da Constituição Federal, que garante aos trabalhadores o direito a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” bem como no art.200, VIII, que atribui ao SUS a competência para “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

A CLT, em seu Capítulo V, arts.154 a 201, dispõe sobre a Segurança e da Medicina do Trabalho, tratando amplamente das obrigações relacionadas à saúde e segurança no ambiente de trabalho e no art.155, autoriza o Poder Executivo a aprovar normas complementares à CLT para garantir a segurança e medicina do trabalho.

As Nomas Regulamentadoras foram aprovadas pela Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e são separadas por temas e a criação de novas NR, bem com as suas alterações são discutidas e aprovadas no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, através da CTPP – Comissão Tripartite Paritária Permanente, criada pelo Decreto 9.944/19, sendo composta por representantes do Governo, Trabalhadores e Empregadores.

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) é um conjunto de diretrizes que estabelece as regras de segurança e saúde no trabalho no Brasil e foi criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 1978 e atualizada em 2024, passando a exigir o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (PGR). 

Através da Portaria 1.449, de 27/08/24, foi aprovada nova redação na Norma Regulamentadora 1 (NR-1) em relação ao capítulo “1.5 Gerenciamento de riscos ocupacionais” e alterado o “Anexo I “, para inserir e modificar termos e definições, nas disposições gerais e no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO).

A NR-1 trata, no item 1.5, do Gerenciamento de Risco Ocupacional, cujo objetivo principal é a busca da melhoria contínua da segurança e saúde de trabalho e que as empresas tragam ações concretas de gestão de riscos ocupacional para melhoria do ambiente e a segurança do trabalho.

A mudança mais importante trazida pela Portaria 1.449/24 na NR-1 foi a inclusão do item 1.5.3.1.4 que assim dispõe: “O gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho.” 

De acordo com a Agência Européia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA): “Os riscos psicossociais decorrem de uma concepção, organização e gestão inadequadas do trabalho, bem como de um contexto social de trabalho precário, e podem resultar em consequências psicológicas, físicas e sociais negativas. Alguns exemplos de condições de trabalho que levam a riscos psicossociais são: cargas de trabalho excessivas; demandas conflitantes e falta de clareza de papéis; falta de envolvimento na tomada de decisões que afetam o trabalhador; falta de influência sobre a maneira como o trabalho é feito; mudança organizacional mal gerenciada; insegurança no emprego; comunicação ineficaz; falta de apoio da gerência ou dos colegas; assédio psicológico e sexual; e clientes, pacientes, alunos difíceis, etc.” (https://osha.europa.eu/en/themes/psychosocial-risks-and-mental-health)

Não há uma definição de risco psicossocial na Portaria 1.449/24, mas podemos considerá-lo como condições existentes no ambiente de trabalho que possam causar problemas de saúde mental e física, mas a falta de clareza da nova Portaria sobre este conceito tem gerado dúvidas. 

O que se depreende da análise da Portaria 1.449/24, grosso modo, é que a empresa, na implementação do GRO, identifique os perigos ocupacionais, físicos, químicos, biológicos e de acidentes existentes no ambiente de trabalho e, com a alteração trazida com a Portaria 1.449/24, também os riscos psicossociais. 

Após a identificação dos perigos deve ser adotado o processo de avaliação dos riscos ocupacionais, fazendo uma combinação de probabilidade e de severidade, transformando os perigos identificados num nível de risco ocupacional através de gradações (alto, médio, baixo, etc). 

Em seguida, deve ser adotado o processo de controle dos riscos e a elaboração do Programa de Gerenciamento de Riscos que deverá conter o Plano de Ação, onde serão indicadas as medidas de prevenção a serem introduzidas, aprimoradas ou mantidas.

Dependendo dos riscos existentes, haverá necessidade de integração do GRO com outras normas regulamentadoras e não apenas considerar exclusivamente a NR-1 para o gerenciamento dos riscos.

Sobreleva ressaltar que os riscos físicos, químicos e biológicos estão previstos na NR-9, ao passo que os riscos de acidentes estão em várias normas regulamentadoras, lembrando que os riscos ergonômicos estão tratados na NR-17 e possuem relação com os riscos psicossociais relacionados ao trabalho.

Neste passo, a Portaria 1.449/24 alterou o subitem 1.5.3.2.1 da NR-1 para dispor que: “A organização deve considerar as condições de trabalho nos termos da NR-17, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho.”

Quanto aos principais desafios para identificação dos perigos e avaliação dos Riscos Psicossociais no transporte rodoviário de cargas, podemos destacar os seguintes: a) predominância de pequenas e médias empresas; b) falta de clareza na NR-1 sobre as medidas preventivas; c) ferramentas e técnicas de avaliação de riscos e  identificação de perigos; d) distinção entre os riscos psicossociais sem relação com o trabalho e os que possui nexo de causalidade e; e) quais os profissionais que devem atuar no PGR. 

O assunto é extrema relevância para prevenção da saúde mental dos trabalhadores, pois os afastamentos médicos causados por transtornos mentais, tem crescido exponencialmente nos últimos anos.

De acordo com dados do Ministério da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho apontam para uma crise de saúde mental no Brasil.

Em 2024 foram quase meio milhão de afastamentos, o maior em 10 anos, segundo o Portal G1. Em comparação com 2023 foram 283.471 licenças médicas e em 2024 foram 472.328, que representa um aumento de 68% (https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/)

De acordo com a OMS, o Brasil é o país com mais casos de ansiedade no mundo atingindo 9,3% da população e segundo esquisa da Vittude, plataforma on-line voltada para a saúde mental, 86% dos brasileiros sofrem com algum transtorno mental, como ansiedade e depressão. 

O mesmo levantamento aponta que 37% das pessoas estão com stress extremamente severo, enquanto 59% se encontram em estado extremamente severo de depressão e a ansiedade extremamente severa atinge 63% (https://veja.abril.com.br/saude/pesquisa-indica-que-86-dos-brasileiros-tem-algum-transtorno-mental/).

 A Portaria 1.419/24 estabeleceu um prazo de 270 dias para entrada em vigor de suas alterações, ou seja, a partir de 26/05/25. 

Porém, em reunião realizada no Ministério do Trabalho no dia 30/04/25 com a presença do Ministro do Trabalho, representantes das Centrais Sindicais e das Confederações Patronais foram apresentadas as seguintes sugestões pela bancada patronal: a) elaboração de um guia sobre os riscos psicossociais e um manual orientativo detalhado a ser elaborado pelo MTE sobre a implementação das alterações na NR-1; b) criação de Grupo de Trabalho tripartite para acompanhar a implementação e; c) adiamento da vigência das alterações por mais 1 ano. 

O Ministro do Trabalho ficou de analisar as sugestões, mas acreditamos que há grande possibilidade de serem acolhidas.

Não há dúvidas da importância da avaliação dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho e que urge a necessidade de serem implementadas medidas preventivas pelas empresas, mas a Portaria 1.449/24 possui lacunas quanto ao conceito dos riscos psicossociais e ausência de critérios objetivos para sua identificação e avaliação, dificultando a sua aplicação prática, sobretudo pelas empresas de pequeno e médio porte.

Outrossim, há necessidade de se distinguir os riscos psicossociais que possuem relação com o meio ambiente de trabalho com aqueles que embora afetem o desenvolvimento do trabalho, não possuem relação direta ou indireta com a atividade laboral e sim com fatores externos ou pessoais do indivíduo, sob pena de onerar o empregador atribuindo-lhe responsabilidade que não é sua. Não identificamos na Portaria 1.449/24 esta preocupação.  

Esperamos que o Ministério do Trabalho, quanto antes, elabore um manual pormenorizado contendo todas as informações, passo a passo, sobre a aplicação prática das alterações na NR-1 e que sejam sanadas as dúvidas e omissões trazidas pela Portaria 1.449/24.                             

Narciso Figueirôa Junior
Assessor Jurídico do SETCESP


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