Depois de quase um mês de negociações, o governo anunciou oficialmente na quarta-feira (27) o pacote de corte de gastos para tentar dar sustentabilidade ao novo arcabouço fiscal, mas surpreendeu o mercado ao comunicar também a ampliação da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. A notícia, antecipada pelo Valor, fez o dólar e os juros futuros dispararem ao longo do dia de ontem. A reação do mercado, contudo, não mudou os planos.
O anúncio da isenção entrou como um contraponto às medidas impopulares do pacote de ajuste, que, segundo o governo, terá um impacto de R$ 70 bilhões até 2026. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já afirmaram que a intenção é aprovar o pacote no Congresso ainda neste ano. Assim, parte das mudanças já produziria efeitos a partir de 2025. Lira convocará sessões de segunda-feira a sexta-feira para tentar votar a medida ainda em dezembro.
Em pronunciamento de 7 minutos e 18 segundos em rede nacional de televisão e rádio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou que o salário mínimo continuará crescendo acima da inflação, mas com o mesmo teto do novo arcabouço fiscal, o que significa um reajuste real de até 2,5% ao ano. Hoje, não há limite, e o piso varia conforme a inflação do ano anterior e o crescimento da economia de dois anos anteriores.
O piso salarial dita os gastos do governo com a maior parte das aposentadorias e pensões, além do Benefício de Prestação Continuada (BPC), abono e seguro-desemprego. Por isso, a equipe econômica avalia que essa medida será importante para segurar o crescimento das despesas obrigatórias. Ela entrou como uma alternativa à ideia inicial de limitar todos os gastos do governo à trava de alta real de 2,5%.
Ainda assim, a limitação do crescimento do salário mínimo é uma medida considerada impopular por parte do governo. Por isso, foi incluída junto ao anúncio do pacote de corte de gastos a isenção do IR, uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com forte apelo entre os mais pobres e parte da classe média.
O governo propõe aumentar a faixa de isenção do IR dos atuais R$ 2.824 para R$ 5 mil. A Fazenda estima que a ampliação teria impacto fiscal de R$ 35 bilhões, segundo fontes. Já a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) estima custo de cerca de R$ 45 bilhões a R$ 50 bilhões por ano.
A renúncia de arrecadação, segundo o ministro, será compensada por quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. Ele não detalhou como será a cobrança, mas o Valor apurou que será proposta uma alíquota mínima efetiva de 10% no IR para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês.
O cálculo da alíquota efetiva considerará todas as rendas, inclusive as tributadas exclusivamente na fonte e isentas, como distribuição de lucros e dividendos e rendimentos financeiros isentos. Se a alíquota efetiva paga pelo contribuinte estiver abaixo de 10%, haverá um adicional para chegar aos 10%.
É possível, segundo apurou o Valor, que haja algum fator de redução para quem tenha renda total de R$ 600 mil a R$ 1,2 milhão por ano. Já para quem ganha mais de R$ 1,2 milhão, a alíquota efetiva de 10% incidirá integralmente.
O líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG), disse que o governo enviará ainda este ano o projeto de lei de reforma dos tributos sobre a renda, mas que a ideia não é que seja votado ainda em 2024.
Para atingir seu potencial máximo de R$ 70 bilhões, além de limitar o crescimento do piso salarial, o pacote prevê que o abono salarial ficará restrito para quem ganha até R$ 2.640. Esse valor será corrigido pela inflação ao longo dos anos até se tornar permanente quando corresponder a um salário mínimo e meio. Hoje, quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824) tem direito ao abono.
O pacote também incluirá medidas para “corrigir excessos e garantir que todos os agentes públicos estejam sujeitos ao teto constitucional”, o chamado supersalário do funcionalismo.
Mudanças na previdência dos militares, como a instituição de uma idade mínima para a reserva, também entrarão no pacote. Por outro lado, ele não incluiu mudanças no seguro-desemprego, ideia defendida pela equipe econômica, mas rechaçada pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho. Alterações nos pisos de saúde e educação também não entraram, apesar da tentativa da equipe econômica.
Com as discussões inicialmente restritas à equipe econômica e à Casa Civil, o presidente Lula decidiu incluir os ministérios setoriais nas discussões do pacote, o que levou à desidratação da proposta durante as reuniões que aconteceram ao longo deste mês.
Parte das medidas em discussão não foi anunciada no pronunciamento. Em reunião com deputados da base do governo, Haddad teria mencionado que o pacote incluirá um novo pente-fino no BPC e no Bolsa Família, além de um enquadramento do Fundo Constitucional do Distrito Federal na regra de crescimento dos demais fundos constitucionais.
Em outra frente, o Valor apurou que o governo não deve mais repassar aos Estados e municípios os R$ 3 bilhões anuais para fomento à cultura previsto na Lei Aldir Blanc. Essa é uma medida que deverá constar na conta do pacote de corte de gastos, segundo relataram parlamentares. Neste ano, já houve um corte de R$ 1,3 bilhão no repasse, devido ao fato de os entes subnacionais não terem conseguido executar os recursos recebidos desde o ano passado.
Uma novidade anunciada por Haddad é que o pacote proibirá a “criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários” em caso de déficit primário. Ele não detalhou se esse dispositivo considerará o resultado primário efetivo do governo ou o previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA).
No pronunciamento, o governo também reafirmou que o montante global das emendas parlamentares crescerá abaixo do limite das regras fiscais, bem como também que 50% das emendas das comissões do Congresso passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública, reforçando o Sistema Único de Saúde (SUS).
As medidas serão explicadas nesta quinta-feira (28) às 8h em entrevista coletiva e ainda precisam ser enviadas ao Congresso na forma de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e em projetos de lei complementar (PLP).
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