O setor de transportes tem uma tributação aproximadamente 30% maior do que outras formas de prestação de serviços, segundo o advogado especialista em reestruturação de empresas e planejamento tributário, Jorge Marcelino, sócio do escritório Marcelino Sociedade de Advogados.
Em entrevista à Agência CNT de Notícias, ele explica por que a incidência de impostos é mais elevada e diz que a escolha correta do regime tributário a que as empresas devem se submeter pode reduzir em até 40% os impostos pagos pelas transportadoras.
Por que o setor de transportes é um dos mais tributados em todo o país?
O setor de transportes é um dos ramos que sofre grande incidência tributária no desenvolvimento de suas atividades; em média, os transportes têm uma tributação aproximadamente 30% maior do que outras formas de prestação de serviços.
A grande quantidade de tributos que incidem sobre estas atividades, somadas às elevadas alíquotas, acabam sendo um elemento determinante para a representatividade deste fardo, mas não é só isso. Um fator relevante é a incidência predominante do ICMS, ao invés do ISS, sobre a prestação de serviços intermunicipais e interestaduais. A alíquota deste imposto representa, sozinha, até 12% do valor do frete contra os 2% a 5% aplicáveis ao ISS. É certo que o ICMS é um tributo de natureza não cumulativa, o que gera ao empresário a possibilidade de aproveitar-se de créditos que são gerados pelos ativos e insumos utilizados na prestação de serviços, o que tende a diminuir o montante a ser recolhido. O problema é que a metodologia desta “tomada de créditos” é complexa e exige do empresário um certo planejamento e preparo, para que além de otimizar a sua utilização o faça de maneira a cumprir com os trâmites burocráticos, sob pena de ter tais créditos estornados juntamente com a aplicação de multa.
A realidade difere por modal?
Sim, a tributação acaba afetando os modais de forma distinta. Isso ocorre em função da estrutura de insumos inerentes à cada modal e os incentivos fiscais. No que concerne à estrutura de insumo, ao analisarmos os elementos de compõe o valor do frete em cada uma dos modais vemos que a representatividades dos custos fixos relacionados aos ativos utilizados no desemprenho dos serviços e custos variáveis, representados pelos consumíveis utilizados, varia conforme o modal de transporte. No ferroviário, por exemplo, tais custos fixos representam uma parcela predominante do frete em função do custo de aquisição de locomotivas e construção/manutenção de ferrovias. Já no modal rodoviário, os custos variáveis como combustível, pneus e pedágio representam a maior parte deste valor. Considerando que cada espécie de insumo pode comportar uma tributação distinta e uma geração de crédito também distinta, a composição dos custos fixos e variáveis que formam os valores do frete carrega consigo uma variação da carga tributária. Tudo isso acaba agravado pelo segundo fator: os incentivos fiscais. Note-se que incentivos concedidos recentemente ao transporte coletivo de passageiros, à aquisição de equipamentos ferroviários ou mesmo ao transporte aéreo acabam desonerando certos modais em detrimento de outros, seja de forma indireta, através da redução da incidência tributária nos insumos, seja de forma direta, através da redução da alíquota final.
O empresário, logicamente, sofre esses impactos economicamente. Mas para o consumidor final dos produtos ou usuários do sistema de transportes? Há uma estimativa do impacto no preço final dos serviços e/ou produtos?
Não existem levantamentos precisos que apontem o quanto a tributação impacta no valor final dos preços dos serviços logísticos, especialmente porque, além das peculiaridades inerentes a cada modal, devemos considerar a possibilidade de adoção de diferentes formas de apuração de lucro e adoção de créditos presumido. Segundo um levantamento realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a composição média do valor do frete no transporte rodoviário é composta da seguinte maneira: 20% com manutenção dos caminhões e carretas; 19% com despesas de pessoal; 14% com combustíveis e lubrificantes; 10% com material de consumo; e 30% com tributos incidentes direta ou indiretamente sobre a atividade. Tomando-se em conta tais números, nos parece clara a possibilidade de reflexo direto dos tributos na formação dos preços finais.
O tema da reforma tributária, sempre em voga e sempre tão “inalcançável”, deve ser pautado como forma de solução dessa problemática?
A reforma tributária é medida necessária em todos os setores da economia brasileira. O nosso sistema tributário, além do peso financeiro, carrega também o custo burocrático. Um recente levantamento estimou que hoje existem aproximadamente 320 mil normas de natureza tributária vigentes no país e que 36 novas normas surgem diariamente. Especificamente no setor de transportes, acredito que a reforma do ICMS seria a mudança de maior impacto. Na configuração atual, a competência estadual do tributo acaba por formar uma colcha de retalhos que dificulta não somente a tomada de créditos, mas também a determinação de quem deve recolher o tributo. Um exemplo disso ocorre com o ICMS no estado de São Paulo na prestação de serviços de transporte por empresa não detentora de Inscrição Estadual. Nesta hipótese, o contratante dos serviços, e não o operador logístico, é responsável pelo recolhimento do imposto e único detentor do direito de crédito decorrente dele. Note que isto tem um impacto enorme, pois retira do valor do frete o seu maior tributo. Por outro lado, obriga as empresas tomadoras do frete a manter procedimentos distintos para seus operadores logísticos. Mais um exemplo que verificamos no estado de São Paulo é o conceito restritivo para insumos. Em função disto, e segundo uma decisão administrativa recente, pneus e lubrificantes não devem ser considerados como insumos, o que é amplamente possível em outros estados. Assim, se a proposta para reforma tributária avançar nos termos propostos atualmente, a competência para a tributação sobre serviços e mercadorias passaria a ser da União, o que provoca uma unificação de alíquotas, incentivos, conceitos e procedimentos. Isso seria um grande avanço para o país.
Há uma estimativa de quanto os tributos impactam sobre a lucratividade das empresas?
Da mesma forma que temos dificuldade em medir o quando da carga tributária é transferida ao consumidor final, em função da diversidade estrutural das operações logísticas, é muito difícil afirmarmos em que percentual os tributos afetam os lucros das empresas. De toda maneira, utilizando-se agora de levantamentos divulgados pelo Ipea e pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a margem de lucro do setor logístico costuma ser muito apertada. Segundo estes estudos a lucratividade destes operadores logísticos pode ser dividida em quatro patamares distintos: 25% das empresas fecharam suas contas no prejuízo nos últimos quatro exercícios; 25% das empresas apresentam lucro líquido entre 0% a 2%; 25% das empresas apresentam lucro líquido entre 2% a 5%; 20% das empresas apresentam lucro líquido entre 5% e 10%; e 5% das empresas apresentam lucro líquido superior a 10%. Se contrastamos estes dados ao percentual de quase 30%, que é a carga tributária média no setor de transportes segundo o IBPT, temos que a incidência tributária pode ser de três a quinze vezes maior que o lucro líquido obtido. Isso torna o planejamento tributário um dos aspectos mais importantes para o empresário que desenvolve atividades neste ramo.
O que pode ser feito, pelos empresários, para que sofram menos os impactos econômicos da elevada carga tributária? O que deve ser considerado na escolha do regime tributário com que a empresa trabalha?
A melhor e mais acertada medida é a escolha do regime tributário adequado à cada empresa e o correto aproveitamento de créditos e incentivos. Muitas vezes a escolha por regimes simplificados de apuração e a utilização de créditos presumidos costumam causar reduções drásticas na lucratividade, sem que o empresário se dê conta do que está ocorrendo. Veja-se, por exemplo, que a lucratividade estimada para serviços de transporte no regime de apuração do lucro presumido é de 8%, enquanto os estudos do Ipea indicam que quase 75% das empresas não detém esta margem. Se a presunção de lucro é maior que o lucro efetivo, isso significa que o empresário está pagando tributos sobre algo que não existe. É por isso que, na grande maioria dos casos, a adoção da apuração pelo regime do lucro real é a mais adequada. A realidade não é muito diferente no caso do ICMS: os estados costumam oferecer às empresas créditos presumidos, que reduzem a burocracia na apuração, em troca da adoção de um desconto padrão no valor a ser recolhido. Note, porém, que, enquanto os estados oferecem créditos presumidos em percentuais que variam de 20% a 30%, os insumos podem chegar a 44%, isso sem contar créditos gerados pelos ativos permanentes. O grande problema é que a readequação ou mesmo a revisão dos procedimentos de apuração não é tarefa simples. A mera opção pelo regime de apuração pelo lucro real ou a tomada de créditos efetivos no ICMS não é garantia de redução na carga tributária. Pelo contrário, as alíquotas efetivas são mais altas e a falta de reconhecimento de custos, despesas e créditos pode resultar em uma carga tributária proibitiva.
Que tipo de resultados podem ser obtidos com a escolha correta? Pode apresentar exemplos?
Os resultados podem ser sentidos em toda a operação. A correta implementação de um planejamento tributário para o setor de transporte se inicia já na estruturação de um plano de contas adequado. É através dele que o reconhecimento de todos os custos fixos e variáveis, assim como receitas, deve ser feito. A partir da correta classificação destes elementos, é possível fazer com que tributos Imposto de Renda e Contribuição sobre o Lucro incidam somente sobre os resultados efetivos, ou ainda que a empresa reduza em até 70% o ICMS incidente através da correta utilização dos créditos gerados, custos fixos e variáveis. Para termos ideia do que isso significa, tomemos em consideração dois exemplos: o primeiro é de uma empresa que está precisando renovar sua frota, mas em função dos resultados acredita não haver margem para pagamento de financiamentos. Ao adotar o regime do lucro real e a apuração efetiva dos créditos de ICMS, a empresa tem a possibilidade de tomar como crédito todo o PIS, COFINS e ICMS incidentes sobre um caminhão adquirido, além de considerar como “despesa” a depreciação do bem nos 48 meses seguintes a sua aquisição. Se créditos significam redução no valor do tributo a ser recolhido e se despesas significam redução do resultado efetivo, essa desoneração pode tornar viável a renovação da frota usando parte dos valores que antes eram recolhidos como tributos. Outro exemplo nos remete novamente ao ICMS do estado de São Paulo: se ter a inscrição estadual traz para o operador logístico a obrigação de recolhimento do tributo, bem como os ônus dos conceitos restritivos de insumos, eventuais operações lucrativas em outros estados podem não apresentarem os mesmos resultados em território paulista. Em conclusão, o planejamento tributário através da escolha correta do regime de apuração e o correto aproveitamento dos créditos, a despeito dos procedimentos extremamente rígido e burocráticos estabelecidos em lei, costuma impactar de forma significativa nos resultados da empresa, seja através do aumento da lucratividade, seja através do uso de créditos tributários como subsídio à renovação da frota.
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