Recuperação da economia global será muito mais lenta
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Uma recuperação completa aos níveis anteriores à crise parece impossível até que a covid-19 seja controlada

A economia mundial entrou no segundo semestre de 2020 ainda profundamente afetada pela pandemia de covid-19. Uma recuperação completa ainda neste ano já está descartada e mesmo uma virada em 2021 dependerá de muitas coisas darem certo.

É um cenário que quase ninguém previa no início do ano, quando a maioria dos economistas apostava em mais um ano de expansão e um acordo comercial entre EUA e China que proporcionaria um choque de confiança às empresas e investidores.

Em vez disso, a pandemia obrigou parcelas da população mundial a entrar no que o Fundo Monetário Internacional (FMI) chama de “O Grande Confinamento”. Os bancos centrais e os governos reagiram com trilhões de dólares de apoio sem precedentes para impedir o colapso dos mercados e manter os trabalhadores em licença e manter as empresas em dificuldades até a epidemia acabar.

Mesmo com essas iniciativas, o mundo ainda sofre sua pior crise econômica desde a Grande Depressão. Embora alguns indicadores de produção industrial e de vendas no varejo nas principais economias deem sinais de melhora, as esperanças de uma recuperação em forma de “V” têm sido destruídas diante das dificuldades enfrentadas pelos governo em reabrir suas economias sem desencadear uma nova onda de infecções. Trata-se de uma trajetória econômica que o presidente do Fed de Richmond (unidade regional do Fed, o banco central americano), Thomas Barkin, comparou a descer de elevador, mas tendo de subir as escadas para voltar.

“Existe um risco real de confundir retomada com recuperação”, disse a economista-chefe do Banco Mundial, Carmen Reinhart, no fim de junho. “Uma verdadeira recuperação significa que você está tão bem quanto estava antes de a crise começar e acredito que estamos muito longe disso.”

Muita coisa depende da disseminação do novo coronavírus, para o qual ainda não há uma vacina. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o pior da pandemia ainda está por vir, enquanto os casos confirmados chegam aos 11 milhões e as mortes a mais de 530 mil. E mesmo países onde a covid-19 parecia contida novos surtos têm sido frequentes.

O FMI estima que até o fim deste ano 170 países – ou quase 90% do mundo – terão uma renda per capita mais baixa. Esta é uma reversão em relação a janeiro, quando o Fundo previa que 160 países terminariam o ano com crescimento da renda per capita.

Agora é provável que o Produto Interno Bruto (PIB) global no fim de 2021 seja, em muitos casos, ainda menor do que o de 2019, segundo estimativa do HSBC.

Os BCs continuam em alerta para fazer mais. O presidente do Fed, Jerome Powell, alertou que as perspectivas são “extraordinariamente incertas” e a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, vê uma recuperação “limitada” que mudará partes da economia de forma permanente.

Mas existem bolsões de recuperação que podem ganhar força. Economistas do Morgan Stanley mantêm sua previsão de uma recuperação em “V”, e apontam para surpresas positivas em dados econômicos recentes, especialmente nos EUA e na zona do euro.

Lições sobre como se dá a recuperação são tiradas da Ásia, onde o vírus foi controlado, mas a retomada tem sido desigual. A atividade manufatureira da China subiu em junho, assim como em outros países da região, mas os de novos pedidos continuam fracos.

Essa perspectiva preocupante significa que as empresas caminham às cegas, segundo o presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China, Joerg Wuttke, que espera que a incerteza dure por mais dois anos.

“A recuperação não é um V, não é um W, ela parece mais com as bordas de uma motosserra”, disse Wuttke. “Para cima e para baixo, para cima e para baixo, e dolorosa ao longo de toda essa trajetória.”

Isso também significa que as economias emergentes em rápida expansão não serão mais as locomotivas do crescimento mundial que têm sido. O Banco Mundial prevê que esse grupo de países encolherá 2,5% em 2020 – seu pior desempenho desde o início da séria histórica em 1960. A América Latina está agora nas linhas de frente da pandemia.

Uma recuperação completa aos níveis anteriores à crise parece impossível até que a covid-19 seja controlada – uma perspectiva que é especialmente verdadeira a setores como turismo, transportes e entretenimento, cuja expectativa é de prolongamento das restrições.

O impacto no mercado de trabalho tem sido pior do que o estimado inicialmente, e não será possível uma recuperação significativa neste segundo semestre mesmo no cenário mais otimista, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na semana passada, a OIT estimou que a média de horas de trabalho no segundo trimestre foi 14% mais baixa do que antes do vírus, o que equivaleria a uma perda de 400 milhões de vagas de período integral.

“Embora pareça provável que haja um repique de curto prazo na atividade econômica como reação ao abrandamento das medidas de confinamento, nossa expectativa é de que a subsequente retomada seja longa e árdua”, disse Joachim Fels, do fundo hedge Pacific Investment Management (Pimco).

Há ainda outros desafios. Níveis recordes de dívida restringirão o quanto os governos poderão oferecer em termos de apoio adicional – além do estímulo fiscal de US$ 11 trilhões já em andamento.

Os governos discutem como prorrogar ou acabar medidas com curto prazo de alto custo para financiar salários e manter empresas vivas ao mesmo tempo em que se preparam para adotar estímulos de longo prazo destinados a impulsionar uma recuperação.

Essa tomada de crédito não ocorrerá sem que hajam efeitos colaterais, como manter empresas “zumbis” funcionando, de acordo com Alicia Garcia Herrero, economista-chefe para a região Ásia-Pacífico da Natixis.

“Se não houver uma redução da dívida, voltar aos níveis anteriores à crise levará ainda mais tempo”, disse Garcia Herrero.

Enquanto isso, os BCs reduziram as taxas de juro de referência para novas mínimas, com alguns adotando taxas negativas. Em uma tentativa de limitar as taxas de mercado, os BCs vêm comprando vários tipos de ativos e continuam a ajustar seu conjunto de instrumentos de política monetária, sugerindo que podem vir mais inovações pela frente.

Economistas do Morgan Stanley preveem que a expansão acumulada dos balanços patrimoniais dos bancos centrais dos EUA, zona do euro, Japão e do Reino Unido chegue a US$ 13 trilhões até o fim de 2021.

Mesmo assim, ainda é muito cedo para concluir que essas medidas serão suficientes, disse Kazuo Momma, que já foi o responsável pela política monetária do Banco do Japão (BC japonês). “A crise está longe de terminar”, disse.

 

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