Real é pior moeda global em 2020
Compartilhe

Entre as 33 divisas mais negociadas do mundo, o real ficou entre as oito que perderam a chance de surfar na onda de um dólar mais fraco entre julho e setembro – a moeda americana encerrou o trimestre com valorização de 3,28% no Brasil. E, com isso, o real se mantém como a pior divisa de 2020. No ano, o dólar sobe 40,11% em relação à moeda brasileira, alta muito mais intensa do que a registrada contra a segunda colocada, a lira turca (+29,80%).

Ontem, influenciada por uma trégua na aversão ao risco global, a moeda americana interrompeu uma sequência de três sessões de alta em relação ao real e recuou 0,37%, a R$ 5,6181. Na mesma linha, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 caiu de 3,17% no ajuste anterior para 3,05%, enquanto a do DI para 2025 recuou de 6,62% para 6,52%.

Sinal de que os riscos fiscais dominam os preços, a última pesquisa Focus indica um dólar a R$ 5,25 no fim de 2020, patamar bastante diferente do atual, mas que era visto no mercado há apenas duas semanas. “As projeções da Focus são feitas contando que o arcabouço fiscal será preservado. Este nível de dólar a gente tinha antes de o governo divulgar o projeto do Renda Cidadã”, diz o economista da Tendências, Silvio Campos Neto.

Para o profissional, estamos próximos do “momento da verdade”. “Ou a gente decide seguir o caminho da responsabilidade fiscal ou parte para alguma flexibilização. Se optarmos pelo primeiro caminho, dá para pensar em câmbio mais perto de R$ 5 ou até abaixo disso no ano que vem. Se a decisão for pelo segundo, é possível pensar em um cenário mais perto de R$ 6”, afirma. A Tendências projeta uma taxa de câmbio de R$ 5,30 no fim do ano no cenário-base, com a manutenção do teto de gastos. Já no cenário alternativo, a moeda americana poderia chegar a R$ 5,85.

Economista-chefe para o Brasil do Barclays, Roberto Secemski observa que sua projeção para o dólar no fim de 2020 se mantém em R$ 5,50 desde meados de junho justamente porque a casa já contava com um aumento dos riscos fiscais à medida que o ano fosse se aproximando do fim, ao mesmo tempo em que os juros curtos continuariam a cair. “A combinação de maiores riscos ao teto com um diferencial menor de juros nos sugeria que a fraqueza do real perduraria, o que tem sido o caso e a despeito da melhora no déficit de transações correntes”, afirma.

Essa discussão sobre manutenção ou não do arcabouço fiscal, continua Secemski, deve perdurar mesmo após o fim da eleição americana, quando espera-se que a tendência de dólar fraco globalmente possa voltar a operar. “Penso que questões domésticas continuarão a se sobrepor às demais, embora possa haver momentos pontuais de menor pressão em resposta aos movimentos globais do dólar. O primordial é que a ancoragem fiscal permaneça intacta.”

O preço bastante descontado da moeda local e a alta dos juros longos poderiam, num primeiro momento, inclusive devolver alguma atratividade para o ativo. No entanto, essa possibilidade esbarra justamente no fato de que ambos ocorrem em função do aumento do prêmio de risco exigido pelos investidores. “Pode até aparecer algum fluxo pontual, mas dificilmente este será duradouro. Até porque o carry trade [operação que lucra com o diferencial de juros entre países] é descontado pelo risco e, se o risco Brasil cai, cai também o próprio prêmio”, lembra Roberto Campos Neto, sócio e gestor da Absolute Investimentos.

A perspectiva de que o arcabouço fiscal sofrerá alguma forma de flexibilização, no entanto, já começa a ser incorporado nas projeções de algumas casas. Em relatório recente, em que discute o câmbio em 2030, a MB Associados coloca em seu “cenário realista” a perspectiva de que ocorra “desmonte gradual do arcabouço criado ao longo dos últimos anos, especialmente a regra do teto”. Mesmo com a aprovação de medidas positivas nesse período, a consultoria prevê deterioração contínua da economia, com crescimento abaixo de 2% nos próximos dez anos. Neste caso, a moeda americana encerraria a próxima década em R$ 6,70. “Seria um cenário de crescimento relativamente medíocre, mas sem crise profunda”, diz o texto assinado pelo economista-chefe da casa, Sergio Vale.

Já no “cenário pessimista”, que tem a segunda maior probabilidade de ocorrer, a deterioração fiscal ficaria mais evidente a partir de um segundo mandato do atual presidente Jair Bolsonaro, reeleito sacrificando o compromisso fiscal e apostando em políticas como o Renda Cidadã. “A partir daí, seria a sequência já conhecida na América Latina de descontrole fiscal levando a fuga de capitais, pressão cambial e volta da inflação”, diz o relatório.

Neste ambiente, semelhante ao vivido pela Argentina na década passada, a taxa de câmbio poderia chegar a R$ 10 por dólar.


voltar