A carga tributária que integra o Produto Interno Bruto (PIB) caiu em 2023 ao menor patamar desde 1998 como proporção da soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país. No ano passado, os impostos como proporção do valor adicionado mensurado dentro do PIB caíram para 14,4%, depois de alcançarem 16,8% e 15,4%, respectivamente, em 2021 e 2022.
A carga tributária atinge patamar baixo em um momento em que ela pode ser considerada nas discussões de calibragem da alíquota de referência para o período de transição dos tributos criados pela reforma tributária, aprovada no ano passado. Os termos para definição da alíquota tanto do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser cobrado por Estados e municípios, quanto da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União, deverão ser definidos por lei complementar que vai regular a Emenda Constitucional 132/2023 e estão entre os temas mais sensíveis após a aprovação da reforma. O governo tem até meados de junho para encaminhar a lei complementar ao Congresso.
Fonte do Ministério da Fazenda diz que a calibragem da alíquota de referência durante a transição “tende a usar a arrecadação de um período mais próximo ao da fixação da alíquota, mas é preciso esperar o fim do trabalho de elaboração do projeto de lei complementar para ter clareza sobre qual será esse período”.
A queda dos impostos sobre produtos líquidos de subsídios (ver reportagem Entenda como funciona cálculo que mede proporção de imposto no PIB) no ano passado é creditada à convergência de dois fatores. Um deles é a composição do PIB de 2023. O crescimento agregado da economia de 2,9% foi puxado pela agropecuária do lado da oferta e pelas exportações líquidas do lado da demanda, atividades que geram menor recolhimento de tributos indiretos em relação a outras. No caso da exportação, há desoneração na operação final de embarque.
Outro fator é a dificuldade de recomposição por Estados e governo federal das desonerações estabelecidas em 2022, tanto para o ICMS como para tributos recolhidos pela União, como PIS, Cofins e IPI.
“Os impostos que estão no PIB a preços de mercado não são todos os tributos. São aqueles que incidem diretamente na formação dos produtos e serviços. Pode-se dizer que são, majoritariamente, os tributos que entraram na reforma tributária sobre consumo”, explica Roberto Olinto, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e que, em 24 anos de IBGE, foi coordenador de Contas Nacionais, diretor de pesquisas e, de 2017 a 2019, presidente do instituto. O dado dos impostos no PIB, diz, se harmoniza totalmente com as informações primárias de arrecadação, que são da Secretaria do Tesouro Nacional, órgão ligado ao Ministério da Fazenda.
“O IBGE não tem ingerência na queda desses tributos. Isso é uma consequência do que acontece na atividade produtiva e no consumo, além de refletir as desonerações estabelecidas”, afirma Olinto. A carga dos impostos como proporção do valor adicionado caiu porque o total desses impostos cresceu em ritmo menor que a geração agregada de renda na produção.
Bráulio Borges, também pesquisador do FGV Ibre e consultor da LCA, observa que a carga de impostos em 2023 não só é a menor desde 1998 como está muito abaixo da média de 16,3% de 2017 a 2019, antes de eventuais distorções causadas pela pandemia. “E esses 16% era o que vinha, mais ou menos, desde 2014.” Em 1998, a carga foi de 13,65%. Calcular os impostos sobre produtos líquidos de subsídios em relação ao valor adicionado é o mais correto porque se está comparando os impostos com a sua base de incidência, explica Borges.
Fernando Montero, economista-chefe da Tullet Prebon, ressalta que, considerando uma métrica de quatro trimestres móveis, não só os impostos indiretos “nunca foram tão baixos” no PIB, na série iniciada em 2000, como “sua queda nunca foi tão pronunciada”, igualando em intensidade, mas superando em duração a contração na erupção da pandemia. Isso remete, segundo Montero, às desonerações e à composição do crescimento recente.
As reonerações em curso, diz Montero, podem ter começado a aparecer no quarto trimestre de 2023, “com leve avanço da participação comparativamente a um ano atrás”, afirma.
O total dos impostos como proporção do valor adicionado já havia caído abaixo da média pré-pandemia em 2022, diz Borges. Para ele, a queda de carga tributária nas Contas Nacionais tem contribuição do “efeito composição” da atividade em 2023, mas “o grosso” vem de desonerações tributárias.
“Ao longo de 2022, que foi ano de eleição, o governo federal, primeiro, aprovou várias reduções de impostos, como de IPI, de importação e de PIS/Cofins em combustíveis. E, na segunda metade do ano, veio a redução a fórceps do ICMS sobre combustíveis e transporte público, além de sobre energia elétrica e telecomunicações, antecipando decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] que valeria apenas a partir de 2024”, diz Borges.
Citando estimativas do economista e especialista em contas públicas Sérgio Gobetti, Borges diz que os Estados tiveram perdas anualizadas de ICMS da ordem de R$ 100 bilhões, ou cerca de 0,9% do PIB. “Na prática, estamos vendo esses números do IBGE [sobre impostos] confirmando isso”, afirma.
O economista e tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, acredita que a reforma tributária trará maior equilíbrio federativo. A uniformidade de regras entre o IBS e a CBS, avalia, deve limitar o poder da União de impor restrições à tributação de Estados em medida semelhante à de 2022. “Qualquer alteração terá que valer igualmente para IBS e CBS. Cutucou de um lado, cutuca de todos.”
Em 2022, as medidas de redução de impostos começaram a valer apenas ao redor da segunda metade do ano, observa Borges. Já em 2023, diz, elas pegaram o ano cheio, por isso a queda da participação dos impostos no valor adicionado foi ainda maior. Os cortes sobre IPI e impostos de importação, por exemplo, ainda não foram recompostos, diz Borges. O PIS/Cofins sobre combustíveis retornou ao longo de 2023, mas de forma gradual, começando com a gasolina em março e chegando ao diesel apenas em janeiro de 2024, diz.
Alguns Estados, diante das reduções de tributos impostas pelo governo em 2022, também elevaram sua alíquota-padrão, aquela que vale praticamente para todos os produtos, lembra Borges. “Mas foram poucos Estados que fizeram isso e no fim de 2022. Não deu tempo de salvar a arrecadação de 2022, mas pode ter ajudado um pouco 2023 nesses locais”, afirma.
Levantamento feito pelo Valor com base nos relatórios fiscais estaduais mostra que, mesmo com a elevação de alíquota-padrão desde abril de 2023 em parte dos entes, a arrecadação de ICMS no agregado dos 26 Estados e Distrito Federal caiu no ano passado 3,2%, em termos reais, ante 2022.
Para Fleury, a maior dificuldade de recomposição da arrecadação tributária deverá ser no ICMS. Os Estados que elevaram a alíquota-padrão têm participação relativa pequena no agregado da arrecadação. Além disso, diz, a base em 2023 não contou mais com alguns efeitos, como a alta de preços de commodities, que ampliaram a base em 2021 e parte de 2022.
Olhando para 2024, só a volta do PIS/Cofins sobre diesel a partir de janeiro deste ano já deve representar cerca de 0,3 ponto percentual a mais para os impostos sobre produtos líquidos de subsídios, estima Borges. “Mas ainda não deve ser um retorno para os níveis de 2017 a 2019”, afirma.
Borges lembra que, na reforma tributária aprovada no fim do ano passado, a ideia ao criar um imposto sobre valor agregado (IVA) era manter a carga tributária constante. Ou seja, manter o quanto se arrecada em proporção do PIB. “Mas vai ficar constante em qual nível, o de 2017-2019 ou o de 2023-2024? Se a alíquota padrão do IVA para 2026, 2027 for calibrada para voltar à arrecadação que tinha na média de 2017-2019, vai ter aumento de carga tributária em relação a 2023-2024. Isso ainda não está muito claro”, afirma.
O texto da emenda da reforma não é claro sobre o período que será considerado nessa calibragem, mas o que se espera é que isso deve se dar no período de transição, até 2032, diz Fleury. Ele lembra que, a partir de 2035, a emenda estabelece a chamada trava com redução de alíquota, para CBS, IBS e Imposto Seletivo (IS), outro tributo que resultará da três tributos, como proporção do PIB, ultrapasse a média arrecadada com o ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins, também em relação ao PIB, durante o período de 2012 a 2021. A média dos impostos sobre o valor adicionado dentro do PIB nesse período foi de 16,35%.
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