Trata-se de uma demonstração de força. 120 policiais bem armados. No comando, um pelotão de 20 delegados. A operação de guerra é contra uma quadrilha de falsificação de documentos para caminhões roubados.
Era madrugada quando o comboio partiu para a missão. O destino: Volta Redonda e Barra do Piraí, no Sul Fluminense; e Rio Preto e Santa Bárbara do Monte Verde, em Minas Gerais.
Um motorista – que não quer se identificar – foi uma das vítimas do bando. “Quatro homens armados, dando tiro, mandando que eu parasse. Eu só pensava que não ia ver meus filhos mais, pensava que eles iam me matar”, contou o motorista.
Segundo a polícia, a quadrilha agia principalmente no cruzamento das BR-262, que liga Belo Horizonte ao Espírito Santos, com a BR-116, também conhecida como Rio-Bahia. Boa parte da frota de caminhões que circulam pelo país passa por essa região. São trechos cheios de curvas e muitas subidas, que fazem o motorista diminuir a velocidade. São nesses pontos que os criminosos entram em cena.
Presos no final do ano passado, dois rapazes faziam parte do esquema, praticando assaltos nas estradas. No depoimento, obtido com exclusividade pelo Fantástico, eles dizem quanto ganhavam com o roubo de cada caminhão. “Ia ganhar mais ou menos R$ 500”, disse um dos rapazes, que revelam ainda quem encomendava os caminhões roubados. “O cabeça forte é o Ronaldo. Zé Luiz tinha contato com o Ronaldo, e o Ronaldo passava as coordenadas para o Zé Luiz de qual caminhão queria”.
Ronaldo José Fernandes é vereador de Pedra Bonita, cidade do interior de Minas. Ele tinha dois comparsas: José Carlos de Oliveira, que já foi candidato a prefeito na cidade, e José Luiz, que fazia a ponte entre os políticos e os assaltantes. Os três foram presos em dezembro do ano passado.
De acordo com a polícia, a quadrilha também estava infiltrada em Ciretrans, que são as subdivisões dos departamentos de trânsito. Os criminosos conseguiam com facilidade falsificar os documentos e emplacar os veículos.
Muitos caminhões eram supostamente licenciados em Rio Preto, a cidade mineira que fica na divisa com o Rio de Janeiro. No município, com pouco mais de cinco mil habitantes, quase não se vê caminhões rodando pelas ruas, mas na cidade estão registrados quase mil. É como se a cada cinco moradores um tivesse caminhão, um número bem diferente da média nacional, que é de 1 para cada 77 moradores.
Muitos dos veículos supostamente emplacados em Rio Preto pertenceriam a uma pessoa que mora na Rua São José, número 50.
Repórter: Número 50, sabe onde fica?
Homem: Número 50?
Repórter: Procurando Dona Isolda.
Mulher: Tem aqui não.
Repórter: Não tem?
Mulher: Garanto.
O Fantástico também foi até Venda Nova do Imigrante, no Espírito Santo. No estado, os licenciamentos e transferências não precisam ser feitos em Ciretrans. O processo pode ser conduzido por despachantes como um casal que, segundo a polícia, também fazia parte do esquema. Eles transferiam para a cidade caminhões sem qualquer vistoria.
Repórter: É comum vir emplacar aqui, mesmo não vindo carro aqui?
Despachante: Sim e Não.
Repórter: Como assim, sim e não?
Mulher: Um erro nosso, NE: Porque vieram alguns… Uma falha nossa neste caso.
O homem acabou revelando que usava o endereço de outras pessoas para conseguir o licenciamento.
Delegado: Se o senhor arranjava os endereços? Por que aqui?
Mulher do despachante: A gente que arranjava.
O pedreiro Antônio Guimarães, que nunca imaginou ser o dono de um caminhão, teve o endereço usado pelos criminosos.
Repórter: O senhor sabia que no Detran aqui consta aqui quatro caminhões foram registrados com esse endereço?
Pedreiro Antônio Guimarães: Não. Não sei, não.
Repórter: Qual carro que o senhor tem?
Pedreiro Antônio Guimarães: É Fusca, Fusquinha antigo.
A quadrilha, para justificar a procedência do veículo, informava que os carros haviam sido adquiridos em leilões realizados pela Aeronáutica. Esses leilões foram forjados, como revelam documentos obtidos com exclusividade pelo Fantástico. Os militares da Força Aérea analisaram o material, encaminhado pela polícia, e encontraram erros grosseiros.
“São cerca de dez caminhões por ano que nós colocamos no leilão para venda, num processo que é metódico, extremamente organizado e público”, explica Coronel Henry Munhoz, assessor de imprensa da Aeronáutica.
Os chassis e data do leilão foram publicados no Diário Oficial na seção quatro – seção quatro no Diário Oficial não existe. Outro erro está na nota fiscal, que deveria ser emitida por um leiloeiro cadastrado na junta comercial. A nota apresentada é de uma pessoa que não existe em nenhuma junta.
Por último, no ofício da Aeronáutica autorizando a venda do caminhão, o erro mais grosseiro: quem assina é um capitão-tenente, cargo que existe somente na na Marinha.
Na última quinta-feira (14), a polícia fechou o cerco contra o chefe da quadrilha, na casa de André Lanes, em Volta Redonda. Ele é quem, de acordo com as investigações, comprava documentos falsos e revendia os caminhões roubados.
“O André é o cabeça da organização. Ele é quem estabelecia contatos em todas as Ciretrans que até agora nós levantamos”, afirmou o delegado Carlos Roberto Souza.
Os policiais agiram rápido e acabaram invadindo a casa. Dentro, sinais de uma vida confortável e cheia de luxo, com uma piscina e carros caros na garagem. André não reagiu à ação policial. O homem acusado de ser o chefe do esquema é dono de um escritório de despachantes e de algumas lojas de revenda de carros. A polícia também fez buscas nesses locais. Centenas de documentos, computadores e 24 carros foram apreendidos.
Em uma escuta telefônica, gravada com autorização da Justiça, a mulher de um dos integrantes do bando pede a André ajuda para soltar o companheiro, o ex-candidato a prefeito José Carlos de Oliveira, conhecido como Carlinhos, que está preso.
Esposa de Carlinhos: André?
André Lanis: Isso, é o André
Esposa de Carlinhos: Eles prenderam o Carlinhos e o Ronaldo aqui, você podia mandar esses advogados pra cá.
André Lanis: Eu vou tentar falar com o advogado aqui e te falo aí.
André nega que arrumou o advogado para o vereador: “Mulher de alguém tinha pedido ajuda de advogado, nada”
Dez pessoas foram presas quinta-feira passada (14). Ao todo, já são 23 presos. Em vários documentos falsos apreendidos pelos policiai, aparecem a assinatura do delegado Alexandre Figueira Pereira autorizando o licenciamento dos caminhões roubados.
Com uma microcâmera, o Fantástico tentou negociar com o delegado o licenciamento de um carro, mesmo sem endereço fixo na cidade, o que não é permitido por lei. O delegado indica um despachante amigo dele. “Pede até orientação com ele lá, que arruma ‘procê’ até um endereço lá em Santa Bárbara”, disse o delegado.
Segundo a polícia, os criminosos faturaram com o esquema R$ 2 bilhões. Eles vão responder por roubo, adulteração de documentos, estelionato, corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
“Além de responderem por crime na Justiça comum, responderão com certeza por crime praticado contra a administração pública militar e federal”, afirmou o delegado Carlos Roberto Souza.
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