O Brasil tem caminhões em excesso – e terá ainda mais
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Parecem cenas de países distintos. De um lado, a Ford fecha uma unidade de fabricação de caminhões e a GM cobra a subsidiária brasileira a voltar ao azul. De outro, o governo anuncia, num agrado aos caminhoneiros, uma nova linha de financiamento para aumentar ainda mais a frota brasileira.

No ano passado, segundo a Anfavea, associação que representa as montadoras, foram vendidos 76.000 caminhões no Brasil, o melhor resultado em cinco anos, mais ainda assim 45% abaixo do melhor ano da história, o de 2014. A venda recorde em 2014, ano em que o PIB cresceu apenas 0,1%, é decorrência do Programa de Sustentação ao Investimento, de 2009, que incluía uma linha de financiamento especial do BNDES, num arranjo semelhante ao anunciado nesta terça-feira pelo governo de Jair Bolsonaro.

De 2008 a 2014 a frota de caminhões cresceu 5% ao ano, o dobro do ritmo do mercado de transportes. No período, as estradas brasileiras ganharam 770.000 novos caminhões com juros subsidiados. Segundo dados informados pela consultoria NTC & Logística durante a greve de 2018, o Brasil tem cerca de 2 milhões de caminhões em atividade, num excesso de 300.000 caminhões.

A situação, naquele momento, se agravou porque em 2015 o mercado de transportes encolheu 10%. Se a economia voltar a acelerar a partir de 2020, o excesso de caminhões nas ruas brasileiras pode ser um problema jogado para o futuro. Mas as incoerências do setor tendem a continuar como um barril de pólvora: fretes subsidiados e combustível com preços artificialmente baixos para compensar uma desastrada política de incentivo ao aumento da frota.

Ontem, o governo anunciou a abertura de uma linha de crédito do BNDES para caminhoneiros autônomos no valor de 500 milhões de reais. A ideia é que a compra de novos caminhões seja financiada pela Caixa. No ano passado, o então presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, chegou a dizer que o país não tem caminhões demais, mas PIB de menos. O PIB “de menos”, como se sabe, continua: o Brasil deve avançar pouco mais de 1% em 2019.

Um problema adicional está na falta de estímulo para a modernização da frota, tida como desatualizada na comparação com Europa e Estados Unidos. O programa Rota 2030, que visa o aumento da eficiência para automóveis, caminhões e ônibus, e substituiu o antigo Inovar-Auto, pode ajudar a reduzir a lacuna tecnológica no longo prazo. O problema é que as demandas dos caminhoneiros não visam o futuro, mas sim a conta no fim do mês.


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