Novos hábitos e costumes
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Cesar Meireles está à frente da ABOL – Associação Brasileira de Operadores Logísticos, desde 2012. Em 2016, assumiu também a vice-presidência da ALALOG – Associação Latino Americana de Logística. Otimista convicto, mesmo em tempos de crise, falou com a Revista SETCESP sobre os novos modelos de comportamento que surgiram como reflexos da pandemia. Entre eles, o aumento de compras via e-commerce e fez questão de ressaltar que é preciso mais investimento em tecnologia para que os pedidos possam ser processados e entregues nos prazos  

Como foi o impacto desta pandemia para os Operadores Logísticos?

Considerando a característica dos Operadores Logísticos, por atuarem em mais de um setor da cadeia logística de valor, como transportes em qualquer modal, bem como em todas as cadeias produtivas, os impactos não foram lineares. Em alguns setores, a exemplo do e-commerce, da área de saúde, farmacêutica, alimentos e higiene, registramos impulso e crescimento, chegando, no caso do comércio eletrônico, a índices superiores a 40%.

Na sua opinião, em que essa crise se diferencia de tantas outras que o País já passou?

Tendo mais de três décadas de vida profissional, posso dizer que passei por todas as crises desde os anos 80, vivenciando o período da hiperinflação, planos econômicos diversos, crise do sistema financeiro, graves crises políticas com o registro de dois impeachments de presidentes da República, crises no sistema energético, de saúde e por aí segue… A questão maior desta crise foi a sua amplitude, dado ter afetado todos os países do mundo, naquele que é o mais sensível dos setores, o da saúde humana, pondo em alerta todo o planeta. No Brasil, a conjunção de fatores trouxe impacto maior. Além da crise na saúde, a qual afeta, inexoravelmente, a economia, teve durante todo o período mais crítico, a crise política, que poderia ter sido evitada.

O que o senhor acha que pode surgir de bom neste momento, que poderá ser levado como legado?

Penso que estamos diante de significativas mudanças. Começo registrando o salto qualitativo na tecnologia para atender à mudança nos hábitos e costumes. O home office, a telemedicina, o ensino à distância, as vídeo conferências, webinars, lives e etc, demandaram de imediato, e assim teve pronta resposta com melhores softwares de comunicação. O comércio eletrônico, da mesma forma, precisou contar com um atendimento mais seguro, confiável e célere, para atender o fluxo elevado na última milha, por exemplo. O sistema de delivery em muitos setores, mas, sobretudo na entrega de alimentos em domicílios, também ganhou mais efetividade. O período pós Covid-19 trará mudanças não só no comportamento do consumo, mas nas cadeias globais de produção, alterando o conceito que já havia consolidado do just-in-time (em inglês, na hora certa). A dependência demasiada do mercado globalizado mostrou fragilidades em algumas cadeias produtivas sugerindo que, a indústria nacional ganhe um redesenho, fortalecendo-se, portanto.

Neste cenário de recessão econômica, qual deve ser o papel do Estado, considerando, por exemplo, a difícil situação financeira das empresas de transporte e logística?

Nesse campo, penso que a pandemia ensinou a importância de um Estado forte e presente! Sempre que ouço ou leio teses de “Estado mínimo”, preocupo-me, pois o Estado tem que ter o tamanho e a estrutura coerentes com seu porte e complexidade dos seus problemas. Um país como o Brasil, com extensão continental, suas disparidades regionais, seus hercúleos desafios na área social, exige um Estado presente e capaz de suprir a necessidade plural de sua gente, de sua economia. Entramos na pandemia com 12 milhões de brasileiros desempregados. Segundo estudos recentes, sairemos com algo próximo a 15 milhões. Desta maneira, o momento exige posição firme do Estado na direção de estimular a geração de emprego e renda, ainda que, tais políticas venham afetar sua liquidez.

Quais foram as principais recomendações da ABOL para seus associados neste período a fim de garantir as atividades e, ao mesmo tempo, a segurança dos envolvidos?

Desde o instante zero, seguindo até o presente, adotamos todos os protocolos e melhores práticas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministério da Saúde e demais autoridades estaduais. O cuidado com as pessoas é a maior das prioridades, isso leva em conta os funcionários, parceiros terceirizados, fornecedores e clientes. Todas as nossas associadas tomaram medidas de proteção, direcionando o trabalho em home office na possibilidade máxima das suas atividades. Temos empresas que já deliberaram por manter o home office até o final do ano e, outras, aboliram o trabalho presencial em escritórios fechados, transferindo todo o backoffice (em inglês, por trás do escritório, – que significa trabalhos internos) e algumas atividades de overhead (em inglês, sobrecarga) para as unidades operacionais. Como atividade essencial, os Operadores Logísticos não pararam um só dia, mas, como atuam em todas as cadeias produtivas, terminaram promovendo, quando aplicável, movimentação de pessoal de uma área para outra, dando férias antecipadas àqueles que se enquadravam na legislação que emergiu ao longo da pandemia.

A Associação completou em julho, 8 anos de fundação. Quais as perspectivas futuras e metas para o setor e para a ABOL?

Com imensa satisfação brindamos nosso oitavo aniversário com um conjunto riquíssimo de realizações, como o reconhecimento da atividade pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dentre outros. Ao longo do período realizamos muitos estudos técnicos que nos deram visão e compreensão ampla e profunda do setor, além de termos nos filiado e nos engajado em entidades e fóruns de suma relevância como a Confederação Nacional do Transporte (CNT), Associação Latinoamericana de Logística (ALALOG), Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Deinfra/Fiesp) e Brasil Export. Para o futuro, continuaremos firmes na nossa agenda regulatória, dedicando-nos à tramitação do projeto de lei que visa o reconhecimento da atividade e a modernização do anacrônico decreto 1.102 da armazenagem geral, datado de 1903.

Com mais pessoas em casa por conta da quarentena, muitas transportadoras que antes eram voltadas para o B2B passaram a atender o B2C? O que o senhor acha dessa mudança?

É um movimento inexorável e, em muitos setores, irreversível. Como vimos, estamos experimentando novos hábitos e costumes, os quais, muitos deles, tornar-se-ão perenes. Vejo um redesenho da urbis (do latim, cidade) nesse novo cenário. No próximo normal, ou na era pós Covid-19, a tendência de se viver, trabalhar, consumir, e desfrutar do lazer no mesmo espaço urbano, será uma tendência na escolha das pessoas. O desenvolvimento das cidades convergirá para modelos de cidades inteligentes, em ambiente tecnológico inovador nos quais a internet das coisas, a inteligência artificial, os veículos sustentáveis e autoguiados, os multicanais ou omnichannel, estruturados no clouding computing, blockchain, big data, serão parte dessa nova plataforma urbana. Todo esse aparato tecnológico que está mudando a vida das pessoas, incrementará e sofisticar a logística na última milha. Assim, o business to consumer (B2C), ganhará ainda mais importância. Há de se considerar também o surgimento de negócios próprios se utilizando da internet, nos quais pessoas relacionam-se com pessoas, demandando uma logística de delivery eficiente no que vem sendo convencionado de P2P, ou person to person (em inglês, de pessoa para pessoa).

No seu ponto de vista, o que ainda falta para o e-commerce ganhar uma maior fatia de mercado no Brasil?

Acredito que o salto dado durante a pandemia foi fantástico! O Brasil registrou um aumento médio de 400% no número de lojas virtuais que foram abertas durante o período da quarentena. Os números mostram que o setor segue em crescimento acentuado, devendo manter-se após a pandemia, o que demonstra mais confiança dos consumidores. Para que haja crescimento continuado, faz-se extremante necessário maior capacitação das empresas de logística com investimento em tecnologia para que os pedidos sejam processados e entregues nos prazos acordados. Para um salto ainda maior e sustentado, temos que ter uma infraestrutura de rede capaz de trazer mais estabilidade na internet e maior capilaridade, para que o comércio eletrônico avance até os mais distantes rincões do país.

Como é a dinâmica de integração dos Operadores Logísticos com as transportadoras?

O Operador Logístico, por definição, é asset light, ou seja, detentor de poucos ativos. Desta forma, a parceria com as transportadoras e autônomos é total. A definição do Operador Logístico é a de uma “pessoa jurídica capacitada a prestar, através de um ou mais contratos, por meios próprios e/ou por intermédio de terceiros, os serviços de transporte (em qualquer modal), armazenagem (em qualquer condição física ou regime fiscal) e gestão de estoques (utilizando sistemas e tecnologia adequada).” Sendo igualmente uma transportadora, mas sem a necessidade de ser frotista, o Operador Logístico sempre será parceiro das transportadoras e dos autônomos. Por atuar em todas as cadeias produtivas, com uma gama ampla de serviços logísticos e em todo o país, o Operador Logístico precisa de flexibilidade e, para atender seus clientes, irá promover parcerias nos locais nos quais atuará, independentemente de ser com seus veículos ou com os de terceiros. Assim é que, o Operador Logístico não conflita nem pode conflitar com nenhum outro setor da cadeia logística, pois, para lograr êxito, todo o sistema precisa estar estável e funcionando em plena ordem.

Qual mensagem que o senhor gostaria de deixar para os nossos leitores?

Primeiramente que é uma honra estar presente no SETCESP, entidade de muito respeito, prestadora de serviços de superior qualidade aos seus associados, sendo uma casa de pessoas amigas, na qual nos sentimos muito confortáveis. Queria dizer também que temos todos um grande desafio, de trabalharmos unidos em favor do país, para a estabilidade econômica capaz de gerar emprego e renda para nossa gente! O brasileiro é um povo genial! Somos uma nação que se orgulha da sua miscigenação, detentor de uma capacidade de trabalho inigualável, com criatividade, muita dedicação e amor pelo que faz. Somos um povo generoso, que sabe acolher o próximo. Tenho a convicção que quando a pandemia passar, e vai passar, sairemos dela mais fortalecidos, desejosos de vermos o País no lugar que lhe é de direito, junto às nações desenvolvidas. Somos um País jovem, com uma democracia fortalecida, mais igualmente jovem e, assim como todo jovem, precisa dedicar-se muito e zelar bastante para que se veja cada vez mais fortalecida. Juntos somos maiores! Sou necessariamente um esperançoso e apaixonado pelo Brasil e pela logística, na qual labuto há mais de 30 anos!


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