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19 de Dezembro de 2018 – 03h17 horas / Omnilink

(*) Michel Levy

Em outubro de 2016, a startup Otto, adquirida pela Uber por US$ 680 milhões, realizou a primeira entrega do mundo com um caminhão autônomo, transportando uma carga de 51.744 latas de Budweiser. O teste foi uma demonstração de um modelo híbrido, no qual o motorista dirige o caminhão até a rodovia e, a partir daí, a Inteligência Artificial assume o controle. Durante o percurso de 160 km entre Fort Collins e Colorado Springs o condutor sequer esteve na cabine, preferindo ficar confortavelmente acomodado em seu beliche. Ele só assumiu novamente o controle do caminhão quando entrou no perímetro urbano.

 

Este foi só o começo de uma nova era no mercado logístico. Em março de 2018, Waymo e Uber anunciaram o início de seus serviços de transporte autônomo de cargas em diferentes localidades dos Estados Unidos. A Waymo escolheu a cidade de Atlanta, na Georgia, para que seus caminhões possam realizar entregas aos data centers do Google. Já o Uber anunciou o serviço Uber Freight, que une caminhões autônomos e caminhoneiros para realizar entregas no Estado do Arizona.

 

A corrida pela liderança em carros autônomos colocou na pista as montadoras tradicionais, como Volvo, Scania, Audi, Ford, Honda e BMW, mas atraiu também gigantes de tecnologia interessadas em disputar o futuro do setor automobilístico, agora conectado e dotado de Inteligência Artificial, entre elas Google, Apple, Intel, Uber, Baidu e Didi. A CB Insights listou nada menos que 46 empresas atuando no novo mercado entre fabricantes de automóveis e empresas da indústria digital.

 

A expectativa é para saber qual será a primeira empresa a lançar comercialmente um carro que dispense qualquer ação do motorista ao volante. Mas antes mesmo de fazer sua primeira viagem em um automóvel totalmente ‘driverless’, é bem provável que você irá receber alguma encomenda entregue por um veículo sem ninguém na direção. E não estou falando de drones.

 

Do ponto de vista tecnológico, é mais simples programar a navegação para trafegar nas estradas, que têm fluxo mais estável e previsível, do que em ruas urbanas caóticas, repletas de cruzamentos, semáforos, pedestres, ciclistas e muito mais obstáculos. Basta o caminhão ficar dentro de sua faixa e manter uma distância segura dos demais.

 

Aqui no Brasil, dependendo do tipo de estrada, a precariedade da infraestrutura ainda pode representar uma barreira para a adoção em escala dessa modalidade.

 

Os analistas de risco preveem, e não há motivos para duvidar, que os caminhões autônomos serão mais seguros, o que não quer dizer, cabe logo salientar, que dispensarão a presença humana (não necessariamente um motorista) na cabine.

 

Para redução dos acidentes a tecnologia é mais que bem-vinda. Nos Estados Unidos, são quase 4 mil mortes causadas por ocorrências com caminhões todos os anos, alguns deles provocados pela fadiga ao volante. No Brasil, o transporte rodoviário é o principal modal para movimentar cargas e passageiros. Pela malha de 1.751.868 quilômetros de estradas brasileiras, a quarta maior do mundo, passam 56% de toda a carga movimentada no País. E o número de acidentes fatais também é alto. No período de 2010 a 2014, os que envolveram caminhões e ônibus registraram aumento de 15%, atrás apenas dos ocupantes de motocicletas (16% no mesmo período), segundo levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV).

 

A chegada da Inteligência Artificial na indústria de caminhões ocorreu junto com a de carros e começou a ganhar tração em 2016. Em setembro do ano retrasado, ao mesmo tempo em que a Uber lançava seus primeiros veículos autônomos, em Pittsburgh, a Tesla e a Mercedes apresentavam seus sistemas de condução driverless e cidades ao redor do mundo começaram a discutir com empresas do setor o tráfego de carros e caminhões autônomos em suas ruas.

 

Desde então, todas as grandes montadoras anunciaram passos relevantes no desenvolvimento de veículos majoritariamente ou inteiramente elétricos e mais investimentos foram feitos em veículos autônomos, com os caminhões assumindo a dianteira. O desenvolvimento acelerado da tecnologia de baterias, é um fator decisivo na viabilidade econômica dos veiculos autônomos.

 

Com o salto significativo nos últimos dois anos a tendência é de uma aceleração contínua, aumentando o interesse de novos empreendedores e investidores. Uma crescente lista de empresas, desde pequenas startups até as maiores frotas de caminhões dos Estados Unidos, aposta que esta realidade chegará nas rodovias mais cedo do que se imagina.

 

Rumo à conquista do espaço com a SpaceX, a Tesla, de Elon Musk, é uma das gigantes da tecnologia disposta a ganhar também rapidamente as estradas. Em novembro do ano passado, o visionário empresário apresentou o Tesla Semi, seu primeiro caminhão elétrico equipado com o sistema de condução autônoma Autopilot, que já é utilizado nos carros de passeio da fabricante. O destaque fica por conta da cabine altamente confortável. Há apenas um assento para o motorista, uma espécie de apoio de braços e duas telas de 15 polegadas, uma de cada lado do volante. É por elas que o motorista pode acompanhar a rota, acionar o sistema autônomo, controlar o som, o ar-condicionado, entre outras funções. De resto, é só relaxar.

 

A Embark, uma empresa iniciante do Vale do Silício, anunciou também que está testando sua tecnologia autônoma como parte de uma parceria tríplice com a empresa de locação de caminhões Ryder e a gigante de eletrodomésticos Electrolux. Segundo Alex Rodrigues, executivo-chefe da Embark, a intenção é levar a tecnologia autônoma para as rodovias o mais rápido possível.

 

Enquanto o Uber colocou um caminhão auto-dirigível para cruzar 344 milhas no Arizona com um motorista treinado para assumir o volante em caso de qualquer imprevisto, a startup Starsky Robotics foi além e realizou uma “assustadora” viagem de 7 milhas pela Flórida sem ninguém dentro do caminhão. O plano da empresa é começar a fazer entregas sem motoristas a bordo até o final deste ano. Mesmo que um motorista tenha que assumir o controle em alguma situação, o comando será dado a partir de uma sala parecida com as de call centers. Cada um irá monitorar de 10 a 30 veículos por hora através de video links e assumirá a direção usando volantes como os de video game.

 

Passo a passo, carros e caminhões estão tomando caminhos muito semelhantes para autonomia. Ambos usam sensores comparáveis (ultrassônico, radar, câmeras), mas os caminhões utilizam evidentemente uma quantidade muito maior. Os fabricantes de caminhões estão começando a oferecer uma ampla gama de soluções avançadas de sistemas de assistência, como frenagem de emergência, monitoramento de ponto cego, controle de cruzeiro adaptativo, manutenção de faixa, auxiliar de engarrafamento, entre outros.

 

Além de maior segurança, melhor eficiência no uso de combustível e menor emissão de carbono, os caminhões autônomos irão trazer enorme redução de custos às transportadoras.

 

De acordo com o US Census Bureau, nos Estados Unidos existem aproximadamente 15 milhões de caminhões em circulação, dos quais 2 milhões são reboques de tratores ou veículos de longa distância. Para manter as grandes plataformas na estrada, o mercado emprega aproximadamente 1,7 milhão de motoristas. Os caminhões transportam 70,1% de todo frete doméstico do País, o que representou um movimento impressionante de US$ 726 bilhões em 2015. No Brasil, há mais de 888 mil caminhoneiros em atividade, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2016, do Ministério do Trabalho, ou 2,2 milhões, de acordo com a Associação Brasileira de Caminhoneiros.

 

Ao retirar o motorista da direção durante o trecho de rodovia, analistas financeiros do Morgan Stanley estimam uma economia de US$ 168 bilhões, sendo US$ 70 bilhões em redução de pessoal, US$ 35 bilhões com melhoria de eficiência no uso de combustível, US$ 27 bilhões de melhoria de produtividade e US$ 36 bilhões em reparos e litígios a partir de incidentes ocasionados por motoristas.

 

A quantidade de carga transportada por carretas longas na próxima década deverá aumentar em 27%. A indústria de caminhões já enfrenta dificuldades em contratar, treinar e reter motoristas deste tipo de caminhão. As tecnologias autônomas serão a resposta para enfrentar o desafio de aumento da demanda. Muitos especialistas acreditam que a tecnologia automatizada dificilmente substituirá os caminhoneiros em breve – mas certamente alterará a natureza do trabalho desses profissionais.

 

Robert Haag, vice-presidente de operações da Perfect Transportation, deu uma entrevista na qual disse não haver intenção em acabar com a profissão. O objetivo, ao contrário, é aumentar a segurança, permitir que os motoristas sejam mais produtivos, alcançar melhor retorno e fornecer melhor serviço aos clientes. “Os motoristas passarão a ter um envolvimento menos físico com a direção e mais de monitoramento do caminhão e de relacionamento com os clientes”, disse.

 

Não há como negar que a automação, como já ocorreu em outras indústrias na terceira revolução industrial, irá exterminar empregos, ainda que alguns profissionais continuarão contratados para os modelos híbridos de transporte e para assumir outras funções. Esta não será a única profissão a perder espaço na quarta revolução, mas abrirá, em contrapartida, um enorme mercado para especialistas em novas áreas, como Inteligência Artificial, Machine Learning, Internet das Coisas,  analistas de risco e, podem acreditar, até mesmo filósofos, que serão responsáveis pela criação dos códigos de ética das máquinas.

 

Então, caro leitor, não se assuste se cruzar algum caminhão fantasma. É só o futuro que já está circulando sem a menor cerimônia por aí.

 

(*) Michel Levy é CEO da Zatix/Omnilink, empresa que oferece integração de soluções para segurança e prevenção de risco, gestão de frotas, monitoramento de veículos e telemetria. Levy também atua como Conselheiro Independente do Grupo Benner e da Petronect Procurement Negócios Eletrônicos S/A.


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