Gylson Ribeiro fala sobre a logística de produtos farmacêuticos
Compartilhe

Gylson Ribeiro da Silva coordenou, nos anos 1980/1990, a CTI – Comissão de Transportes Itinerantes da NTC&Logística. Desde 2013 atua na Diretoria de Especialidade de Transportes de Produtos Farmacêuticos do SETCESP – Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas de São Paulo e Região. Ele é formado em Administração de Empresas e ingressou em 1980 no ramo de logística, gerindo a transportadora da família, e durante quatro décadas, trabalhou no segmento de transporte de produtos farmacêuticos.

Nesta entrevista exclusiva para Logweb, Gylson fala sobre as peculiaridades, os diferenciais, os desafios e as tendências da logística neste segmento, entre outros assuntos, bem como sobre os impactos da RDC Nº 304, de 17 de setembro de 2019, cujo objetivo é estabelecer os requisitos de Boas Práticas de Distribuição e Armazenagem e de Boas Práticas de Transporte de Medicamentos. Acompanhe.

Faça uma análise da logística neste segmento nos dias hoje.

O mercado farmacêutico brasileiro é considerado o sexto maior do mundo e nos próximos três anos deve se posicionar no quinto lugar. No ano passado, o segmento farmacêutico cresceu acima da média nacional. Embora esse fato demonstre uma perspectiva animadora, o resultado não atingiu os índices de crescimento que o mercado brasileiro potencialmente pode oferecer. A crise econômica que o nosso país atravessa afeta toda a cadeia produtiva, desestimula novos investimentos e, como consequência, inibe a produção, fazendo com que esta não tenha um crescimento maior que do ano anterior. Os transportadores especializados neste segmento de mercado passam exatamente pela mesma situação da indústria – têm um crescimento maior na carga farmacêutica que os outros tipos de carga, mas não o suficiente para atingir as metas.

Quais os diferenciais da logística no segmento farmacêutico em relação à de outros segmentos?

O transporte de produtos para a saúde humana, mais especificamente os farmacêuticos, tem como diferencial a outros tipos de cargas a necessidade de aplicar a este serviço uma série de procedimentos para que sejam asseguradas as “Boas Práticas de Transporte”, exigidas pelas Resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

O que se exige das transportadoras para atuarem neste segmento?

O transportador para atuar neste segmento tem de investir em equipamentos específicos para operação, sistemas de controle e gestão de qualidade, treinamentos e reciclagem de seus colaboradores, adequação de todas as suas instalações conforme exigem as resoluções da ANVISA, ser credenciado junto ao CRF – Conselho Regional de Farmácia, ter em seu quadro funcional um profissional farmacêutico, obter as licenças e autorizações para este transporte junto à Visa local e à ANVISA. Estas autorizações obtidas junto à ANVISA que o transportador necessita para efetuar sua atividade, no caso dos medicamentos, são duas: a (AFE), certificado de autorização de funcionamento para transporte de medicamentos e insumos, e (AE), autorização para transporte de produto sujeito a controle especial (medicamento controlado). Ocorre que, normalmente, a indústria farmacêutica tem em seu portfólio produtos como cosméticos, perfumarias e correlatos que também exigem, tal e qual o medicamento, autorizações específicas para o transportador poder carregar. Cabe salientar que anualmente é necessária a renovação da licença, cabendo à Visa Local fiscalizar a empresa, auditando suas instalações, veículos, as autorizações, bem como a documentação de Boas Práticas de Transporte. O mesmo acontece por meio do CRF, que envia um fiscal às sedes das empresas e faz uma auditoria semelhante.

Quais as exigências dos embarcadores do segmento com relação às transportadoras?

Os embarcadores exigem dos seus prestadores de serviços de transportes toda a documentação que as resoluções da ANVISA determinam para que este exerça a atividade de transporte de produtos farmacêuticos, basicamente as autorizações (AFE) e (AE), no caso de remédios e medicamentos controlados, além das autorizações para transporte de cosméticos, perfumarias e correlatos, quando necessário. O transportador também deve apresentar certidão de regularidade junto ao CRF. Auditorias periódicas dos embarcadores aos transportadores são realizadas, para que estes possam verificar toda a documentação emitida pela ANVISA e CRF e conferir todos os procedimentos e controles da gestão de qualidade, analisando as inconformidades registradas, os planos de ações e as contingências. Também são vistoriadas as instalações, constatando se são adequadas para o recebimento de produtos farmacêuticos. A segurança é outro requisito fundamental para os embarcadores no transporte dos produtos farmacêuticos, pois, em razão do alto valor agregado do medicamento, as operações destes produtos exigem um Gerenciamento de Risco robusto e eficiente no combate ao roubo destas cargas.

Quais os desafios e os conflitos no relacionamento entre embarcadores e os prestadores de serviços de transporte? Por que ocorrem? Como poderiam ser resolvidos?

Os desafios são constantes na atividade de transporte, temos, por exemplo, a concentração de volume coletados em determinados dias do mês e ociosidade em outros, sendo que o transportador deve manter o lead time para entrega. Contamos, também, com restrições viárias nas grandes cidades, exigências dos destinatários quanto aos horários para entregas (agendamentos), demora nas entregas em função da ineficiência dos destinatários na recepção das cargas, entre outros. Todos esses pontos mencionados são desafios e, ao mesmo tempo, geradores de conflitos, pois o transportador não consegue repassar ao embarcador todos os custos gerados. O embarcador, por sua vez, alega que o causador é o destinatário e não tem como cobrá-lo, afinal ele é o cliente da indústria. Portanto, temos mais um desafio: como resolver esta equação? Um dos caminhos seria aprimorarmos os contratos de prestação de serviço, prevendo e documentando que o custo destas ocorrências será de responsabilidade de quem gerou o evento.

Quais os maiores desafios logísticos enfrentados para operar neste segmento, de um modo geral?

Um dos maiores desafios neste momento para o segmento é o desenvolvimento de tecnologia utilizando AI (Inteligência Artificial) e entrando no mundo 4.0, para criar um planejamento da atividade unindo embarcador, transportador e destinatário. Aprimorando um fluxo rápido e constante na cadeia de abastecimento, tornando a atividade de transporte mais eficiente, segura e com a qualidade que este tipo de produto exige, afinal tratamos com a saúde humana.

Quais as tendências no segmento farmacêutico, em termos de logística, considerando as questões econômicas e de mercado?

O segmento é economicamente forte, é um mercado que sempre manteve um crescimento acima da média de outras atividades e é uma indústria que sempre está se renovando, acredito que a economia é cíclica e que em breve o PIB nacional começará a reagir e a economia voltará a crescer.

Quais os impactos da RDC 304 no segmento? O que isto implicará?

Os 89 artigos da RDC 304, publicada em 17 de setembro de 2019 e que passará a vigorar em seis meses, trazem para o transporte, além de novos controles documentais, uma gestão de qualidade a ser aplicada nos processos operacionais e na documentação. Trazem, também, o controle de temperatura e umidade em 100% da operação de transporte e armazenagem em trânsito, causando, assim, uma enorme elevação de custos. Temos de analisar cuidadosamente e minuciosamente, pois se ela for aplicada na forma que está, acredito que boa parte da logística de transporte de produtos farmacêuticos, em especial medicamentos, ficará economicamente inviável e, se isso acontecer, a população poderá não ter o remédio disponível para o consumo.

O Sindicato e as transportadoras foram convidados a participar da elaboração desta RDC?

O SETCESP tem como base a maior cidade do país, que é a capital de nosso Estado e abrange também mais 49 municípios da Grande São Paulo. Trabalhamos com nossos associados discutindo os assuntos pertinentes ao segmento, trocando experiências e informações para obtermos uma visão real dos problemas que mais impactam esses transportadores. Quanto à participação na elaboração na RDC 304, a NTC&Logística – Associação Nacional do Transporte de Carga foi quem acompanhou este assunto junto à ANVISA, pois é a entidade que tem abrangência nacional e representa os transportadores de todo país e, por consequência, tem como uma de suas atividades o acompanhamento de assunto do setor junto aos organismos federais.

Quais as ações do SETCESP em prol das transportadoras que atuam neste segmento?

O SETCESP já promoveu algumas reuniões sobre este assunto com os associados que transportam medicamentos, nas quais dividimos os trabalhos em duas ações: adequação e custeio. A adequação é a análise de cada artigo desta norma, com o objetivo de adequá-la à realidade atual dos transportadores para que seja viável a sua aplicação. Já sobre o custeio, estamos atuando em parceria com o IPTC – Instituto Paulista do Transporte de Cargas para calcular tecnicamente o aumento de custo com a aplicação da nova norma. Definindo, assim, qual o percentual que irá impactar no preço atual praticado pelos transportadores na operação de transporte de medicamentos.

E de um modo geral?

Trabalhamos em busca de uma solução para minimizar o aumento dos custos para o atendimento desta norma, pois não podemos afetar a rentabilidade das empresas transportadoras, que já é muito baixa em relação a muitos setores da nossa economia. Por se tratarem de produtos que impactam diretamente a saúde humana, sempre buscamos melhorias nos processos, com o objetivo de oferecer ao mercado um trabalho de excelência, mas também não podemos arcar com os custos que esta regulamentação imposta traz ao setor de transporte de medicamentos – o repasse destes será inevitável.


voltar