Greve reavivou discussão sobre monopólio dos Correios
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20 de Agosto de 2008 – 10h00 horas / Consultor Juridico

Os efeitos da última greve dos Correios ainda se fazem sentir não apenas nas empresas que tiveram de arcar com prejuízos por correspondências retidas e atrasos em pagamentos, mas também no campo jurídico, onde se espera uma definição que irá afetar diretamente milhares de empresas de transporte de encomendas. Ao julgar a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que questiona o monopólio postal da União, o Supremo Tribunal Federal poderá selar o destino de mais de 15 mil empresas privadas envolvidas com a logística de distribuição de papéis e encomendas, além de um contingente estimado em 1 milhão de trabalhadores. Somente em São Paulo, o setor emprega 180 mil motoboys, que durante a paralisação dos carteiros evitaram o colapso do sistema. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Menezes Direito, que acabou se declarando suspeito, e agora aguarda a marcação de nova data. Até agora, os Correios levam vantagem na disputa. Os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso e Ellen Gracie votaram pela improcedência da ação — ou seja, pela manutenção do monopólio. Os ministros Carlos Britto e Gilmar Mendes julgaram o pedido parcialmente procedente: Britto votou por excluir do monopólio a correspondência de caráter mera e exclusivamente mercantil; Gilmar Mendes deixou de considerar crime a violação do monopólio. O ministro Marco Aurélio, relator da ADPF que entrou no Supremo em 2003, votou pelo fim total do monopólio ao julgar procedente a ação. De acordo com Antonio Juliani, presidente da Especialidade de Encomendas Expressas do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo (Setcesp), ainda há muita desinformação a respeito do tema. Ao contrário do que se imagina, a ação não se destina a reduzir o papel dos Correios no mercado, mas apenas a definir marcos regulatórios que assegurem a atividade de empresas que já trabalham com encomendas, estabelecidas há muitos anos. Conforme dados disponíveis no site do Ministério das Comunicações, os Correios faturam em torno de R$ 10 bilhões por ano, sendo 50% provenientes de cargas e 50% de cartas. A empresa emprega 102 mil trabalhadores, dos quais 70 mil são carteiros. Inúmeras empresas privadas atuam no mesmo mercado, na entrega de encomendas e até prestando alguns serviços que os Correios não oferecem, como determinados tipos de entregas expressas. “Caso seja reconhecida a existência do monopólio, haverá um colapso no setor”, diz Juliani. “Todas as empresas nacionais e internacionais de encomendas expressas correm o risco de fechar suas portas, gerando desemprego, queda na geração de receita, redução na arrecadação de impostos, redução do PIB e nas margens de crescimento econômico.” O problema existe porque a Constituição de 1988, ao definir os monopólios existentes no Brasil no artigo 177, não incluiu o serviço postal. A Constituição apenas obriga a União a manter o serviço postal. Ao mesmo tempo, a Lei 6.538, de 1978, define monopólio para carta, cartão postal e correspondência agrupada. Os Correios têm defendido que a definição de carta prevista na lei de 1978 alcançaria indiscriminadamente toda a comunicação escrita, de qualquer natureza, de interesse específico do destinatário. Isso incluiria contratos, documentos de importação e exportação, extratos e boletos bancários, cheques, carnês, cartões de crédito, faturas etc. Na APDF, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (Abraed) destaca que a lei é incompatível com a Constituição por instituir monopólio não previsto constitucionalmente e por impedir o livre exercício do trabalho, ofício ou profissão. Embora sete ministros já tenham se manifestado, o Supremo pode aguardar uma definição do assunto no âmbito do próprio Poder Legislativo. Em meio à última greve dos Correios, que durou 21 dias em julho, o deputado federal Regis de Oliveira (PSC-SP) apresentou, na Câmara, projeto que altera a Lei 6.538, para explicitar que o regime de monopólio da União seria restrito à entrega de cartas em sentido estrito, não alcançando documentos de natureza mercantil. Pela proposta, também ficaria excluída do monopólio a entrega de carta e cartão postal em localidades ou horários não atendidos pela ECT e quando executados para endereços não fixos. Os números oficiais apontam que mais de 37 milhões de brasileiros não contam com entrega domiciliar e mais de 30 milhões não têm acesso a um atendimento postal adequado. Para o setor privado, a Lei 6538 foi editada em contexto inteiramente diverso do atual, não sendo possível ignorar as mudanças vivenciadas pelo setor no Brasil e no mundo, uma vez que a imensa maioria das economias desenvolvidas é caracterizada pela abertura do setor postal. Segundo Juliani, “a lei encontra-se defasada, pois ignora a Constituição de 1988, que não prevê tal monopólio, e ignora também a realidade consolidada de milhares de empresas que operam há muitos anos de forma legalizada, gerando empregos e renda. As empresas privadas não atuam na entrega de cartas pessoais, provendo serviços específicos como as entregas super-expressas de encomendas”.


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