Longe de ser uma atividade relativamente simples, o ato de dirigir é uma tarefa complexa. O condutor recebe informações continuamente, analisa-as, identifica situações de risco e toma decisões. Dessa forma, é necessário que o motorista não esteja com as atividades motoras e cognitivas comprometidas de alguma maneira.
Nesse espectro, há doenças que impedem definitivamente o condutor de tirar ou renovar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Outras causam inaptidão temporária. Além disso, qualquer uso de substâncias que interferem ou influenciam nas funções cerebrais ou nos processos mentais envolvidos na condução veicular certamente afeta o desempenho do condutor.
A questão veio à tona com intensidade, em janeiro deste ano, em decorrência de dois casos que alarmaram os brasileiros. Luciana Pupe Vieira, 46 anos, atropelou um casal de idosos no Lago Norte, em Brasília (DF). A família alega que ela sofreu um mal súbito por causa de uma crise de hipoglicemia, já que é diabética. A brasiliense, desde então, não teve melhora no quadro de saúde, e, até o fechamento desta edição, permanecia em coma induzido, em estado gravíssimo. Ainda não há certeza em relação à versão apresentada pela defesa da motorista. A Justiça do Distrito Federal trabalha para determinar se ela poderia estar embriagada ou se tinha feito uso de drogas.
No Rio de Janeiro, outro caso ganhou as manchetes dos jornais brasileiros. Antonio de Almeida Anaquim, 41 anos, atropelou pedestres ao invadir o calçadão de Copacabana, na Zona Sul carioca. Um bebê de 8 meses morreu, e outras 17 pessoas ficaram feridas – algumas em estado grave. O motorista foi detido e levado para a delegacia, onde disse que perdeu o controle do carro porque “apagou” após sofrer um ataque epilético. A Polícia Civil abriu inquérito para investigar a omissão do motorista ao não relatar ao Detran-RJ sobre sua condição médica. O condutor também não poderia estar dirigindo, pois estava com a habilitação suspensa.
Os dois acidentes chamam atenção para a importância dos procedimentos adotados no ato de tirar ou renovar a CNH. A médica e diretora da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), Rita Moura, explica que, caso a pessoa possua alguma doença que a torna inapta definitiva ou temporariamente a dirigir, deve informar o fato nos formulários dos Detrans (Departamentos de Trânsito) no momento de tirar ou renovar a habilitação. Segundo ela, isso pode ser feito listando os remédios de uso contínuo que utiliza. “O médico responsável, então, tomará conhecimento da doença e pedirá que o candidato forneça um relatório médico afirmando que ele está bem. ”
Rita ressalta, nesse sentido, que o Detran não pode ter controle sobre as doenças. Ela esclarece, porém, que, se a pessoa mentir ou omitir informações no formulário, pode ser enquadrada no artigo 299 do Código Penal, que prevê de um a cinco anos de reclusão em caso de informações falsas ou faltantes em documento público com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. “Isso é falsidade ideológica”.
Em situações de cirurgia, fica a cargo do médico que acompanha o paciente determinar quando ele pode voltar a dirigir. “Se a pessoa se nega a dizer que tem alguma doença, não cabe ao médico do tráfego pedir comprovantes de que ela está falando a verdade”, argumenta a diretora da Abramet.
De acordo com ela, o questionário a ser respondido não tem o objetivo de vetar o fornecimento da licença, mas sim conceder ao condutor uma dirigibilidade mais segura tanto para ele e outras pessoas ocupantes do veículo quanto para todos os usuários do sistema de trânsito.
O Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) informa que os condutores ou candidatos a tirar a CNH em todas as categorias passam por avaliações cardiológicas, auditivas, neurológicas e oftalmológicas. No caso de motoristas profissionais – habilitados nas categorias C (caminhão), D (ônibus) e E (reboque) –, eles são submetidos a exame para detectar distúrbios de sono.
Todos são obrigados a preencher um questionário com dez perguntas que abordam se a pessoa faz uso excessivo de álcool e/ou drogas, já sofreu acidentes, tem diabetes, toma remédios ou faz tratamento de saúde. Respostas falsas, se comprovadas pelo envolvimento posterior do motorista em um acidente por uso de drogas, por exemplo, implicarão responsabilidade criminal.
A depender da avaliação, um condutor pode ser considerado apto, apto com restrições (nesse caso, pode ser obrigado a passar até por avaliações anuais para renovação da CNH), inapto temporário (por causa de pressão alta, por exemplo) ou inapto.
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