Contabilizar funcionários como um custo pode ser problemático
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Você escuta o tempo todo: as empresas elogiam os funcionários como “seus ativos mais valiosos.” No entanto, do ponto de vista dos padrões de contabilidade, isso é simplesmente falso. Por definição, os funcionários não são ativos da empresa, uma vez que ela não detém controle sobre eles. Os trabalhadores têm de transformar a matéria-prima – sejam commodities ou telas vazias – em estoque a ser comercializada, mas se esses funcionários desejarem sair da empresa, eles poderão levar consigo todas as suas habilidades e treinamentos.

A diferenciação é importante pois permite que empresas se escondam atrás do clichê, não revelando se investem em seus funcionários de modo a incentivar o sucesso em longo prazo. A atual falta de transparência relacionada a práticas empregatícias impede que legisladores e investidores recompensem ou punam as empresas pela maneira como tratam seus funcionários. Atualmente não existe uma forma aprovada universalmente que monitore a gestão do capital humano. Necessitamos de um novo modo de contabilização de trabalho, para que possamos monitorar e recompensar as empresas pelo tratamento dado aos seus funcionários.

Os Princípios Contábeis Geralmente Aceitos nos Estados Unidos (US GAAP, em inglês) é uma ferramenta desatualizada e imprópria para documentar as ações das empresas modernas. As companhias registram informações detalhadas sobre o investimento de capital, mas quase não têm obrigações de informação relativas ao capital humano. Houve uma época em que essa prática fazia sentido: a fabricação exigia trabalho intenso. Então, abrir uma nova planta ou comprar uma máquina exigia a contratação de funcionários para operá-la. Os custos e benefícios de uma máquina são mais fáceis de se estimar do que aqueles destinados ao treinamento dos funcionários; portanto, a máquina era contabilizada no balanço patrimonial, e os gastos com funcionários eram classificados como despesas contraídas. No entanto, a automação e o distanciamento da fabricação criaram uma desconexão entre o capital físico e a necessidade de mão de obra. A economia cresceu de modo a deixar as regulamentações atuais para trás, o que está trazendo consequências negativas para os funcionários dessas empresas.

A ausência de relatórios sobre o capital humano desestimula o investimento eficaz em trabalhadores por conta de, pelo menos, duas razões. Primeiro, aquilo que não é mensurado não pode ser recompensado. O Senador Mark Warner, pelo estado da Virginia, sintetizou essa deficiência durante um discurso recente, quando destacou que o governo “oferece uma redução de impostos para as empresas que substituem pessoas por um robô, mas nada oferece à empresa que treina o trabalhador para que se mantenha empregável.” Os líderes eleitos que querem melhorar a economia por meio do aumento da empregabilidade não mais têm a garantia de um resultado desejável quando concedem incentivos fiscais para investimentos da iniciativa privada. Essa separação entre capital e trabalho também causa frustrações para investidores de responsabilidade social que querem compensar as empresas que tomam medidas para contornar a desigualdade de renda por meio do retreinamento da força de trabalho, ou ainda gestores fiduciários de ativos, cuja tese dita que o treinamento na empresa conduz as empresas a superarem os colegas.

Segundo que, devido à não contabilização detalhada e sistemática do investimento no capital humano, há poucas evidências de que tais investimentos valham a pena. A grande preocupação está relacionada a essa definição de ativo. As empresas não detêm seus funcionários; portanto, treinar um colaborador é um risco em torná-lo um atrativo para as concorrentes.

A sabedoria popular argumenta que investir em funcionários é praticamente dar dinheiro ao concorrente, uma vez que o funcionário pode deixar a empresa a qualquer momento. O problema dessa afirmação é que há poucas evidências que a comprovam. Ela se baseia na visão homo economicus do mundo, onde funcionários são mercenários, somente à espera daquela oferta melhor.

Evidências episódicas, no entanto, sugerem que a sabedoria popular é, na melhor das hipóteses, parcialmente verdadeira. Um artigo recente do Wall Street Journal se baseou numa planta da KitchenAid no estado de Ohio, que faz contratações em grande parte com base na disposição para trabalhar e concede seis semanas de treinamento, para mostrar aos recém-chegados como montar a batedeira onipresente da marca. Além da disposição para trabalhar, “o resto dá para aprender”, afirmou uma funcionária sênior que começou na Whirlpool – empresa controladora da KitchenAid – logo após o término do ensino médio na década de 1990, ainda estando lá, e a empresa continua a treiná-la e a ajudá-la a pagar a faculdade. Até empresas grandes apostam que o treinamento da força de trabalho compensa. A Starbucks publicou manchetes em 2015, quando anunciou um programa que dava aos funcionários a oportunidade de eles terem um diploma de bacharelado de graça enquanto trabalhavam na empresa.

Programas como estes compõem histórias corporativas positivas, mas ainda não foi constatado se causarão um impacto positivo nos lucros por meio de fatores como a redução na rotatividade e o aumento na produtividade. Lamentavelmente, sem uma divulgação aprimorada, é provável que não vejamos os efeitos.

É neste ponto onde legisladores, reguladores e gestores podem intervir. As empresas apresentam dez páginas de informações todos os anos referentes à remuneração da equipe de executivos, mas informações a respeito de outros funcionários – que, conjuntamente, custam mais caro e são mais relevantes do que os executivos no nível da diretoria – recebem um breve comentário no formulário de referência sobre as relações de trabalho e um imperceptível, embora grande – componente dos custos operacionais.

Ao reconhecer essa falta de informação problemática, a SEC (órgão similar à CVM no Brasil) começou a investigar como as empresas podem divulgar dados sobre o capital humano.  Uma preocupação é que mensurá-lo requer estimativas vagas, embora esse argumento seja pouco convincente. As empresas incluem a depreciação nos relatórios financeiros – que não é somente uma estimativa, mas muito provavelmente uma estimativa errônea, dado que há cronogramas de depreciação para relatórios financeiros e tributários.

Além disso, as empresas podem fornecer informações concretas que seriam de grande utilidade aos stakeholders e fáceis de obter. De maneira mais específica, muito parecido com o que os bancos já fazem, todas as empresas poderiam divulgar o seu custo salarial total. A quantia total gasta com salários forneceria insights para a eficiência do trabalho em todas as empresas e nas retenções ao longo do tempo. Divulgar informações referentes ao tempo médio de permanência na empresa seria perspicaz, dado que a contratação é muito custosa. E também proporcionaria uma ideia da cultura das empresas, incentivando-as a tomar medidas para garantir que os trabalhadores permaneçam.

Por fim, empresas deveriam divulgar os investimentos feitos em treinamento da mesma maneira que divulgam seus investimentos em dinheiro. Informações detalhadas sobre a quantia gasta e quais funcionários recebem treinamento dão aos stakeholders uma ideia de como a empresa vê o futuro enquanto desagrega os custos operacionais. Uma divulgação como esta também encorajaria as empresas a investir nos trabalhadores e comunicar aos stakeholders que, enquanto contadores exigem que o treinamento seja declarado como despesa, gestores o veem como uma aposta em longo prazo nos seus bens mais valiosos. A SEC já está analisando como incluir as divulgações sobre o capital humano nos relatórios financeiros, mas as empresas podem ajudar a nortear a decisão dos reguladores e seus stakeholders a entender o que realmente importa no capital humano, divulgando tal informação voluntariamente.


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