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25 de Março de 2008 – 10h00 horas / Folha de São Paulo
Passar horas parado em um congestionamento não é problema exclusivo dos paulistanos. Grandes metrópoles do mundo também buscam soluções aos engarrafamentos. Muitas copiam medidas implantadas em outros países ou ao menos estudam adotá-las. Em São Paulo, um dos modelos estudados é o do pedágio urbano, que já existe em Londres e deve ficar ainda mais caro. Nova York está de olho no rodízio paulistano, que em Caracas foi derrubado pela Justiça. Buenos Aires acaba de adotar restrições ao trânsito no centro.
Pedágio perde efeito e pode ficar mais caro
A trajetória dos cinco anos de pedágio urbano em Londres revela que houve uma sensível diminuição no número de carros no centro da cidade e uma queda brusca nos congestionamentos logo depois da implementação.
Mas, com o passar dos anos, motivos sem relação direta com o volume de veículos começam a levar os engarrafamentos para níveis de seis anos atrás.
Os números do mais recente relatório sobre o tema, elaborado pela companhia de transportes londrina, mostram que atualmente entram no centro da cidade 21% menos veículos do que antes da cobrança da taxa. O nível de engarrafamento na região caiu 30% há cinco anos, mas agora é só 8% menor do que em 2002.
Em 2006 e 2007, houve um grande aumento do congestionamento na área central, apesar de o fluxo de veículos ter continuado o mesmo. Há vários motivos. Primeiro, maior número de ônibus e obras para melhorar a segurança da região acabaram por diminuir o número de acidentes, mas reduziram também a capacidade das vias. Resultado: mais engarrafamentos, mesmo com menos carros. Segundo, o ambiente melhor para pedestres e bicicletas.
R$ 85 por dia
No entanto, a discussão do momento na cidade não é sobre a cobrança do pedágio, que é vista como positiva pela maioria da população, mas sobre o preço que deve ser pago.
O prefeito, Ken Livingstone, lançou como um dos pilares de sua campanha à reeleição a cobrança de 25 libras (R$ 85) por dia de veículos mais poluentes. Hoje, todos os que entram no centro das 7h às 18 pagam 8 libras por dia (R$ 27). A entrada é livre à noite, em feriados e aos finais de semana.
Entram 150 mil carros por dia na área em que o pedágio é cobrado, dos quais em torno de 30 mil estariam sujeitos ao novo valor de 25 libras.
Um dos principais fatores para o sucesso da medida é a possibilidade de usar o transporte público para substituir o automóvel. Passam na região 11 linhas de metrô que levam o cidadão a praticamente todos os pontos da cidade, além de dezenas de linhas de ônibus. Nos pontos, existem mapas com o trajeto dos ônibus, os prováveis horários e a estimada duração da viagem.
Manhattan avalia rodízio e restrição a táxi
Como São Paulo, a cidade que nunca dorme nos Estados Unidos também tenta se livrar de um dos maiores motivos de sua insônia: o trânsito barulhento e pouco fluente que transforma em uma aventura passar por certas regiões na hora do rush.
O pesadelo em Nova York é mais brando que o dos paulistanos: a ilha tem planta quase toda quadriculada, o que ajuda a escoar o trânsito por todas as vias. Ainda assim, há ruas congestionadas, em regiões como Times Square e Wall Street, de desenho mais tortuoso.
Um punhado de propostas está na mesa do prefeito Michael Bloomberg e da Comissão de Mitigação do Trânsito de Nova York. Uma delas, o rodízio de veículos, tem como base o estudo de casos de São Paulo e outras cidades da América Latina. Em Manhattan, contudo, o revezamento de automóveis seria menos restritivo, tirando o carro de circulação a cada dez dias (placa terminada em 3 não pode circular nos dias 3, 13 e 23, e assim por diante).
Outra idéia, com grande número de adeptos, é proibir os tradicionais táxis amarelos de parar para quem acenar em qualquer lugar da rua. Táxis, então, só no ponto, e parados toda vez que não estiver a espera de clientes.
Há quem defenda ainda criar regras diferenciadas nas áreas mais problemáticas, como zona azul mais cara (dos atuais US$ 1 a US$ 1,50 por hora para US$ 4) e pedágio de US$ 8.
Programa tenta priorizar pedestres
Para tentar resolver o problema de trânsito em Buenos Aires, cuja frota chega a 660 mil carros, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano lançou na semana passada o programa Prioridade Pedestre. Algumas das principais ruas do centro serão restritas a pedestres. Veículos só de residentes, clientes de estacionamentos e serviços de emergência.
Em outras, como a avenida de Maio, que liga o Congresso à praça de Maio, o acesso será limitado a ônibus e táxis. Também haverá faixas exclusivas para ônibus e vias estreitas do centro em que a circulação de coletivos será suspensa.
Para desestimular as pessoas a irem de carro para o centro, serão construídos grandes estacionamentos subterrâneos ligados ao sistema de transporte público e antes do acesso à região central.
Com um centro cheio de ruas estreitas e calçadas idem, o plano para Buenos Aires também prevê a ampliação de calçadas nas ruas em que o trânsito de carros será restrito.
As mudanças devem começar no mês que vem e terminar em 2009. Donos de comércios ficaram animados com a possibilidade de atrair turistas. Outros reclamam do tanto que terão de caminhar para pegar um ônibus. “Se eles vão ter que andar mais, também vão ganhar em qualidade ambiental“, disse à Folha o subsecretário de Projetos Urbanos Arquitetônicos e Infra-Estrutura da cidade, Jorge Sábato.
Rodízio parcial cai por decisão da Justiça
Após nove dias em São Paulo no início do mês, a funcionária pública venezuelana Belkis Rodríguez, 23, voltou a Caracas quase elogiando o trânsito paulistano. “Lá [em São Paulo] não é tão catastrófico, o trânsito flui melhor. Além disso, somos toscos para respeitar os semáforos.“
Moradora da cidade Guatire, a 40 km do trabalho, Rodríguez é uma das milhões de vítimas do inferno de carros da capital venezuelana, alimentado por um aumento vertiginoso da frota, pela falta de políticas públicas e pela gasolina quase gratuita -o litro custa R$ 0,07-, pela confusa estrutura administrativa e pela imprudência dos motoristas.
Às 4h30 da manhã, Rodríguez já está no terminal de ônibus, onde é obrigada a esperar entre 45 minutos e uma hora na fila até conseguir embarcar rumo a Caracas. A viagem dura em média 1h15 para percorrer os 40 km até a estação de metrô mais próxima, a de Petare. Num dia de trânsito normal, Rodríguez chega ao trabalho ás 7h. Sem trânsito, o percurso de carro é de 25 minutos, já que o trajeto é feito em pistas expressas.
Todos apontam o aumento vertiginoso da frota como principal motivo da deterioração do trânsito caraquenho. Sob o “socialismo do século 21“ de Hugo Chávez, as vendas do talvez maior símbolo capitalista aumentaram 81% no ano passado em relação a 2006. Beneficiado pela bonança petroleira e pelas taxas de juros negativas (menores do que a inflação), o volume de vendas é tão alto que a espera por um veículo novo pode levar vários meses, e um carro usado pode sair 20% mais caro do que um zero quilômetro por causa da pronta entrega.
Mas o trânsito caótico também deve muito à confusa administração da cidade de 4,5 milhões, fatiada entre cinco munícipios com prefeitos eleitos e ainda um governador do Distrito Federal.
A partir do ano passado, os dois prefeitos antichavistas, que controlam as áreas mais ricas da cidade e fora da região central, implantaram unilateralmente um sistema de rodízio de veículos -batizado de “pico y placa“.
As duas cidades, porém, foram obrigadas a suspender o “pico y placa“ por causa de decisões judiciais. A última grande avenida em Caracas foi inaugurada há 33 anos.
(Publicado em 23/3/2008)

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