Brasil usa só 31% dos rios navegáveis e gasta mais com frete de caminhão
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Estudo da CNT (Confederação Nacional do Transporte) divulgado em 2019 aponta que o Brasil utiliza comercialmente, para transporte de cargas e passageiros, só 30,9% dos 63 mil quilômetros de rios com potencial de navegação. Especialistas ouvidos pelo UOL apontam que, desde a divulgação do estudo, pouca coisa mudou. A importância dos rios é que barateiam o transporte, e poderia haver desconto para o consumidor final. Uma carga levada por rio tem um frete 60% menor do que por caminhões. Segundo especialistas, três motivos principais explicam o desperdício do potencial do país para a navegação fluvial: falta de infraestrutura, de planejamento e de vontade política. Veja detalhes a seguir:

  1. Faltam obras para tornar a navegação viável Apesar de o Brasil ter quantidade significativa de rios com potencial para a navegação, eles não estão prontos para o uso. Para que sejam transformados em hidrovias, é necessário que os rios passem por obras de dragagem e sinalização, por exemplo.

“Para que os nossos rios cheguem a ser hidrovias, são necessários muitos investimentos. Hoje navegamos com bastante dificuldade. Tudo o que existe é da iniciativa privada. Raimundo Holanda, presidente da Fenavega” (Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária)

Outro estudo da CNT, o Plano de Transporte e Logística 2018, apontou que os investimentos mínimos necessários para a navegação fluvial eram de R$ 166,4 bilhões em 367 projetos. Entre as melhorias, estão incluídas dragagem, sinalização e construção de terminais hidroviários.

  1. Planejamento não contemplou navegação fluvial Outro problema é que a navegação fluvial não foi incluída no planejamento em obras como a construção de hidrelétricas.

Agora rios com potencial de navegação muitas vezes têm barragens, o que demanda a construção de eclusas para que as barcaças possam passar. Eclusa é uma espécie de elevador de barco, que transporta uma embarcação entre uma parte mais baixa e outra mais alta do rio.

“É um investimento que o país não precisaria fazer se tivesse planejado lá atrás. Seria muito mais simples se já houvesse as eclusas. Beira a incompetência mesmo”. Lauro Valdivia, da NTC&Logística (Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística).

Valdivia afirma que o cenário não é exclusivo da navegação fluvial. Rodovias e ferrovias também precisariam de mais investimentos.

“A verdade é que os governos, historicamente, nunca investiram em infraestrutura de transportes. Falta ferrovia, falta rodovia, falta tudo.” Lauro Valdivia.

  1. Estimular a navegação fluvial dá votos?

Há, ainda, um componente político na equação. Raimundo Holanda aponta que pode não haver motivação eleitoral para que governos, de forma geral, invistam na navegação por rios.

“Navegação não dá voto. Não tem vontade política, por isso não há investimento.” Raimundo Holanda.

Vinícius Picanço, professor do Insper, destaca que esse tipo de investimento é de longo prazo, ou seja, envolve ações de diferentes governos, tanto estaduais quanto o federal, por décadas. Segundo ele, no passado, quando houve a aposta em rodovias, vários setores econômicos, da construção civil à indústria automobilística, organizaram-se em torno dessa decisão. Agora, diz o professor, não é tão simples mudar a rota.

“Os setores produtivos e econômicos se organizam em torno dessas decisões estratégicas, e acabam tendo um peso direto e indireto nas decisões futuras. Direto porque a pressão sobre o governo é intensa, e indireto porque os políticos fazem a conta e olham o quanto esses setores empregam, o papel deles na sociedade. Isso não significa que é impossível mudar, mas que é mais difícil.” Vinícius Picanço.

Como os rios são usados em outros países

O professor do Insper compara a forma como o Brasil utiliza a navegação fluvial com a prática de outros países de grande dimensão territorial, como a China e os EUA. Nos dois casos, o transporte por rios tem mais peso: segundo o levantamento da CNT, a China possui 11,5 quilômetros de vias interiores (rios) economicamente utilizáveis para cada 1.000 quilômetros quadrados de área; os EUA, 4,2 quilômetros; e o Brasil, apenas 2,3 quilômetros.

Se o potencial do país fosse inteiramente explorado, seriam 7,4 quilômetros de rios economicamente utilizáveis por 1.000 quilômetros quadrados no Brasil.

“Na China e nos EUA, a gente vê uma representatividade muito maior desse modal [a navegação fluvial] no transporte de cargas. Isso favorece a intermodalidade, ou seja, o embarque da carga de um meio para o outro [dos rios para as rodovias ou ferrovias, por exemplo].” Vinícius Picanço.

Produtos mais baratos para o consumidor

O uso de vários tipos de transporte poderia diminuir os custos de logística e até mesmo baixar o preço de produtos para o consumidor. Para isso, as cargas teriam de ser distribuídas de acordo com a “vocação” de cada meio de transporte. O caminhão, por exemplo, não é considerado o veículo adequado para levar cargas em longas distâncias.

O transporte por rios é destinado principalmente a cargas com grande volume, como grãos ou minério. Segundo a CNT, um comboio com quatro barcaças consegue levar o equivalente a 172 carretas ou 86 vagões de trem. Com isso, o frete fica mais barato: o custo do transporte por rios é 60% menor do que por rodovias, e 30% inferior do que o feito por trem.

“O incentivo à navegação fluvial] está ligado à competitividade do país, a setores estratégicos. Vai ser difícil a gente se livrar do famoso custo Brasil se não diversificarmos modais, dando mais opções de transporte para as empresas.” Vinícius Picanço.

Governo federal estuda projeto de incentivo Em nota, o Ministério da Infraestrutura afirmou que reconhece o potencial do modal hidroviário, e que o considera fundamental dentro da estratégia para reequilibrar a matriz de transportes do país. O órgão disse, ainda, que tem investimentos de R$ 1,1 bilhão para o setor, e que trabalha em “uma série de projetos” prioritários. Entre eles estão o plano anual de dragagem do Rio Madeira e o derrocamento dos Pedrais do Lourenço, no Rio Tocantins, e de Nova Avanhandava, no Rio Tietê.

O Ministério também está elaborando um projeto de incentivo à navegação fluvial, batizado de BR dos Rios.

Havia a expectativa de que a proposta fosse apresentada ao Congresso no início do ano, mas agora o governo diz que o projeto ainda está sendo estudado, em fase de análises e conversas com o mercado.

Uma das opções avaliadas é a concessão de alguns rios à iniciativa privada, o que incluiria a cobrança de pedágio para bancar investimentos.

 


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