A primeira pandemia econômica do século XXI
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O ano lunar do “Rato” promete. O “Rato” é o primeiro dos signos do zodíaco chinês e tipicamente a sua influência é considerada como um fator positivo e uma oportunidade de sucesso material. Esse ano, porém, deve desafiar esses prognósticos. A economia mundial já vinha desacelerando em 2019. A estimativa de uma taxa de crescimento global de 2,9% (FMI) em 2019, em contraste com um crescimento de 3,6% em 2018, correspondeu ao desempenho econômico mais medíocre desde a superação da crise financeira global. E 2020 começou com uma série de choques exógenos que colocam em risco a expectativa de uma retomada econômica.

O choque geopolítico gerado pelo assassinato de Qasem Suleimane, líder das Forças Quds do Irã, ainda reverbera no Oriente Médio como ilustrado pelo resultado das eleições no Irã, favorecendo candidatos radicais. Mas é a epidemia associada ao coronavírus (Covid-19) que mais assusta no momento.

Como discuti recentemente em uma coluna no Valor Econômico (“Alavancando o medo”, 14/02) as “implicações econômicas de uma epidemia são sempre difíceis de estimar. Gerd Gigerenzer, um conhecido analista de risco, argumenta que existe uma correlação negativa entre a quantidade de atenção dedicada pela média a um risco para a saúde pública e o risco real. Na maioria dos episódios recentes de gripes – SARS em 2003, H1N1 (gripe suína) em 2009 –, por exemplo, estimativas iniciais, tanto com relação ao números de pessoas infectadas e fatalidades, quanto com respeito a danos materiais, tipicamente superestimaram o impacto desses episódios. Será o mesmo no caso do Covid-19?”

Tudo indica que dessa vez será diferente. O Covid-19 tem uma taxa de fatalidade inferior à observada no caso do SARS (2% versus 9,5%), mas parece ser mais contagioso do que outros episódios recentes de influenza. Além disso, o impacto econômico do Covid-19 já começa a eclipsar epidemias observadas nos últimos anos. Em parte, isso simplesmente retrata o fato de que a China, o epicentro da crise, influencia a economia mundial de forma bem mais significativa na atualidade. Em 2002/03, quando o SARS apareceu, a China representava 4,3% do PIB mundial e hoje representa cerca de 16,9%. Mas é o contágio econômico potencial em virtude das operações de cadeias globais de valor que diferencia esse episódio.

A China hoje tem um papel central na operação dessas cadeias, como fornecedor de insumos intermediários, que são críticos para as operações de empresas ao redor do mundo. Com a paralisação de atividades na China, companhias como a Hyundai na Coréia do Sul e a Nissan no Japão, por exemplo, anunciaram interrupções de atividades manufatureiras em virtude de problemas com o suprimento de autopeças. E a indústria automobilística europeia também já está sendo afetada.

 A Organização Mundial da Saúde (OMS) define uma pandemia como a propagação internacional de uma nova doença para a qual a maioria das pessoas não têm imunidade. No momento (25/02), a OMS ainda não caracterizou o surto atual como uma pandemia. Mas com a proliferação de casos no Japão, Coréia do Sul, Irã e Itália, o Covid-19 é um candidato óbvio para tal classificação. Ele tem também o potencial de gerar uma “pandemia econômica” em virtude dos danos colaterais associados com as disrupções das cadeias globais de valor e a “contaminação” de mercados financeiros. No período 19 a 25 de fevereiro, o índice S&P 500, por exemplo, declinou cerca de 7,6%, uma queda de US$2,1 trilhões no valor de ativos financeiros. 

O FMI acaba de reduzir a sua estimativa de crescimento global em 2020 de 3,3% para 3,2%, refletindo a desaceleração da economia chinesa; a estimativa do crescimento chinês foi reduzida de 6,0% para 5,6%. Tais estimativas, no entanto, baseiam-se em hipóteses otimistas de contenção da pandemia nas próximas semanas e de uma rápida recuperação econômica na China. Além disso, não existe um cálculo preciso dos danos colaterais à resiliência das cadeias globais, bem como sobre o impacto do Covid-19 em decisões de investimento, consumo e sobre o turismo internacional. No momento, a aposta é que a pandemia gerará postergação de consumo ao invés de destruição, mas isso pode se alterar rapidamente. A única certeza é que, como também previsto pelo horóscopo chinês, o ano do Rato será um ano de reinvenção.


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