A distorção no transporte de carga vai se perpetuando
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O frete rodoviário está, em média, quase 10% mais caro deste o último dia 21. Se este aumento tivesse sido resultado da dinâmica normal de mercado, do equilíbrio entre oferta e procura e das negociações livres entre quem tem produtos a transportar e quem possui os caminhões, não haveria nada a criticar. Mas não é o que acontece: o reajuste foi determinado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres, obedecendo a uma legislação que há três anos e meio estabeleceu preços mínimos para o transporte e criou um imbróglio que o Supremo Tribunal Federal continua se recusando a resolver.

O tabelamento do frete foi uma das concessões do então presidente Michel Temer para encerrar a greve de transtornos, chegou a ter apoio de muitos brasileiros em seu início, mas logo ficou evidente que se tratava de uma mobilização puramente corporativista. A intervenção governamental se fez sentir no preço dos combustíveis, levando ao pedido de demissão do presidente da Petrobras, Pedro Parente; e na medida provisória, posteriormente aprovada pelo Congresso, que permitiu à ANTT estabelecer uma tabela de preços mínimos para o frete.

O tabelamento do frete não está na pauta do Supremo para o primeiro semestre de 2022, mas este é um assunto que se arrasta há três anos e meio e já deveria ter sido resolvido, seja pela corte, seja no Congresso.

Tentava-se resolver pela canetada uma distorção criada durante a passagem do PT pelo Palácio do Planalto. Os inúmeros incentivos oferecidos para a compra de caminhões levaram a um aumento da frota, o que naturalmente já puxaria para baixo o valor do frete. A grave recessão causada pela Nova Matriz Econômica, por sua vez, reduziu a produção nacional; havia caminhões demais para carga de menos, derrubando ainda mais os custos do transporte. O país ainda lutava para superar a crise quando os caminhoneiros pararam.

De imediato, os preços mínimos determinados pela ANTT chegaram a triplicar o valor do frete em alguns casos. Entidades do setor produtivo buscaram a Justiça, e dezenas de ações levaram a decisões divergentes em vários cantos do país, até que o ministro Luiz Fux, relator de uma dessas ações no Supremo, determinou a suspensão de todas as demandas judiciais em instâncias inferiores no fim de junho de 2018, para que o STF resolvesse a controvérsia de forma definitiva – o que não ocorreu até hoje, seja pela insistência de Fux em reuniões de conciliação infrutíferas, seja por pedidos de adiamento feitos pela Advocacia-Geral da União quando o julgamento finalmente entra na pauta da corte.

A inconstitucionalidade do tabelamento é evidente. Ainda que imponha apenas preços mínimos em vez de valores fixos, ele viola o artigo 170 da Constituição, pelo qual “a ordem econômica” é “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” e precisa observar vários princípios, entre os quais o da “livre concorrência”. Além disso, desrespeita a legislação de 2011 que criou a ANTT (Lei 10.233/11); seus artigos 43 e 45 determinam que o serviço de transporte rodoviário de cargas tem de ser oferecido “em liberdade de preços dos serviços, tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição”, com preços “livres, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição”.

Várias lideranças de caminhoneiros já pressionaram para que o tema volte à pauta do Supremo. No entanto, que ninguém se iluda: eles não querem um julgamento, mas uma chancela, pois já deixaram claro que não aceitarão qualquer outro resultado que não seja uma declaração de que o tabelamento é constitucional. Mesmo assim, a corte não deveria se curvar a esse tipo de ameaça; as distorções causadas pelo tabelamento são severas e acabam sempre custando caro ao consumidor final. O tema não está na pauta do Supremo para o primeiro semestre de 2022, mas este é um assunto que já deveria ter sido resolvido, seja pela corte, seja no Congresso, com a aprovação de uma legislação nova que substituísse a de 2018, que instituiu o tabelamento. Neste momento em que há um movimento ferrovias e a navegação de cabotagem, é inaceitável que o principal modal de transporte brasileiro continue sujeito a esse tipo de intervenção.


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