Quem são as mulheres do TRC?
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Pesquisa apresenta o perfil das profissionais que trabalham no TRC (transporte rodoviário de cargas)

Um dia antes da data em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres – 8 de março – recebemos na redação do SETCESP os dados da mais recente pesquisa ‘Mulheres no TRC’, realizada no fim do ano passado, e que busca traçar o perfil de quem são as profissionais que trabalham no setor.

A primeira pesquisa, nestes mesmos moldes, foi realizada em 2020, quando o Vez & Voz ainda era só uma ideia, conforme contou a coordenadora do Movimento, Camila Florencio, com quem conversamos na sequência.

Ela explicou que o novo levantamento foi realizado para avaliar também se as mulheres que trabalham no setor de transporte tiveram a percepção de um ambiente mais inclusivo nos últimos anos.  Entretanto, a atual pesquisa, revelou uma redução da confiança das profissionais sobre as oportunidades de crescimento, em comparação à análise anterior.

“Este é um fato curioso, pois nos últimos tempos falado muito sobre a temática da equidade de gênero e essa também tem sido uma pauta do Governo Federal, inclusive, com legislações específicas que coíbem a discriminação e incentivam a igualdade de oportunidade e remuneração”, contou a coordenadora.

Em 2020, as mulheres que desejavam alcançar uma posição maior no TRC eram 91%, em 2024 foram 82%. As que confiavam que isso aconteceria eram 77%, quatro anos depois, o índice caiu para 73% e, aquelas que se sentiam preparadas para este avanço na carreira, eram 79%, agora elas são 70%.

Menos da metade das entrevistadas na última pesquisa acredita que o transporte rodoviário tem oportunidades de trabalho iguais para homens e mulheres.

“Atribuo a redução da confiança ao ambiente extremamente desafiador que as empresas estão enfrentando em termos econômicos, que gera insegurança com relação ao futuro. Esse clima afeta a todos. Portanto, vejo estes dados de forma até natural. Certamente, recuperaremos isso a medida que a economia dê sinais de melhora”, declarou Ana Jarrouge, idealizadora do movimento Vez & Voz e presidente executiva do SETCESP, com quem nossa reportagem também conversou.

Outro dado importante que converge com esta redução da confiança no setor é que 45% das mulheres estão há menos de 5 anos no TRC. “Ou seja, são profissionais que ainda têm grande potencial de desenvolvimento e crescimento, porém, se não tivermos oportunidades, perderemos estes talentos para outros setores econômicos”, disse Florencio.

Mais capacitadas

Na contramão de um cenário reticente, 69% das entrevistadas nesta edição apontaram que receberam a oportunidade de se capacitar e 43% possuem pós-graduação ou MBA, isto demonstra claramente, segundo Jarrouge, que as mulheres estão se qualificando.

“Sem dúvida, este é um ponto a comemorar”, fala a idealizadora do movimento, embora reconheça que a liderança feminina existente hoje, esteja muito presente nos níveis táticos — como para analistas, assistentes e auxiliares. Em posições mais estratégicas — como supervisores, gerentes e diretores, as lideranças são predominantemente masculinas. No geral, a maioria das entrevistas tem um líder homem (55% delas).

A percepção delas sobre o assédio

Outro ponto positivo que chamou atenção na pesquisa recente foi o avanço das empresas em questões relacionadas ao combate do assédio moral e sexual na percepção das profissionais.

“Este tema foi abordado no relatório de 2020, muito antes de existir a legislação que obriga as empresas a terem programas de conscientização e prevenção. Na época, foi bem delicado discutir esta pauta, porque nem as profissionais e nem as empresas estavam confortáveis em falar a respeito”, lembrou Florencio.

A coordenadora relatou que foi a partir dos resultados da primeira análise, que o movimento Vez & Voz se sentiu estimulado a criar uma série de ações para promover a conscientização sobre o tema, como rodas de conversa, grupos de trabalho, lives, treinamentos e até a criação de um e-book, que orienta sobre como prevenir casos de assédio nas empresas.

A evolução do quadro sobre o assunto foi esta: em 2020, 31% das mulheres presenciaram situações de assédio; quatro anos depois, este número caiu para 22%. No primeiro levantamento, 68% declararam que se sentiam acolhidas pela empresa nesta situação, em 2024 foram 72%.

“É uma pauta em que avançamos bastante, tanto porque as pessoas estão mais esclarecidas quanto as empresas estão mais cuidadosas, mas é um tema recorrente e que precisa sempre ser relembrado”, fala a coordenadora.

Concordando com Florencio, Jarrouge também sinaliza que o novo quadro, “demonstra que todo processo de conscientização que tem sido feito desde o início do Vez & Voz está realmente funcionando”.

Afinal, quem são elas?

A pesquisa encomendada pelo SETCESP ao IPTC (Instituto Paulista do Transporte de Cargas) para o Movimento Vez & Voz, entrevistou mais de 400 profissionais e mostrou que a maioria das mulheres que trabalham no TRC se autodeclararam brancas (63%), tem entre 35 e 44 anos (40%), possuem formação além do nível superior (44% com MBA, mestrado ou pós-graduação) e não tem filhos (42%).

“Percebe-se que são mulheres jovens, com conhecimento especializado, no auge de sua idade produtiva e com grandes possibilidades de crescimento profissional e entrega de resultados”, avaliou Florencio.

Contudo, dentro deste universo feminino, foi identificada pouca diversidade racial, pois as autodeclaradas pretas são 9% e amarelas somente 1%. “Temos que melhorar nesta questão e orientar as empresas a ficarem mais atentas a este ponto, que é extremamente importante para diminuirmos a desigualdade social em nossa sociedade”, destacou Jarrouge.

Cenário ideal

Para ter um quadro mais equilibrado seria necessário, de acordo com a coordenadora, haver mais mulheres, principalmente na alta liderança, o que provavelmente se refletiria em outras posições na empresa, e por consequência, contribuiria para uma equipe mais diversa.

“Ainda falta oportunidade real baseada na competência e não no gênero, e isso vale para todas as posições, desde motorista até diretoria. E isso abala a confiança de quem está chegando e tem a expectativa de crescer no setor de transporte. Para mudarmos isso, não podemos restringir esta discussão às mulheres, precisamos incluir os homens nesta jornada, porque eles ainda têm o grande poder de decisão que direcionam as empresas”, observa Florencio.

Ela ressalta que as mulheres estão preparadas para assumirem os desafios e entregar resultados, basta terem a oportunidade de mostrar o talento. Também a pauta ESG tem sido um impulsionador de ambientes mais diversos, mas é preciso que as empresas não somente reconheçam esse compromisso ‘da porta para fora’, mas adotem de fato essas iniciativas.

As organizações que desejam ter ações mais alinhadas à diversidade e inclusão podem contar com o apoio do Vez & Voz. O movimento conta com uma série de estudos e integra uma comissão que discute assuntos relacionados ao crescimento profissional das mulheres nas empresas de transporte.

“Estamos atentos às mudanças corporativas, sociais e culturais e sempre abertos para receber novos parceiros e signatários que queiram estar conosco nesta jornada de transformação do setor de transporte rodoviário de cargas, a qual é lenta, mas precisa ser contínua”, afirma a coordenadora.

Florencio conta que, nestes quase 5 anos de movimento, mais de 100 transportadoras se tornaram signatárias do movimento, que realiza eventos, participa de feiras, lança conteúdos e discute assuntos que permeiam os diversos universos femininos.

“Costumo sempre dizer que já fizemos muitas coisas e comemoramos várias vitórias, mas ainda há muito o que fazer para superar todos os desafios e chegarmos efetivamente a um setor mais equânime”, avalia a coordenadora.


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